FOLHA DE SP - 11/12
Empresas têm boas teses sobre manicômio fiscal da cidade, mas, sem desculpa, muitas pagaram propina
É DIFÍCIL IMAGINAR uma hipótese segundo a qual empresas não tenham pago propina para fiscais do ISS na cidade de São Paulo. Por exemplo, a gente poderia imaginar que a Máfia do ISS não passaria de uma espécie de comando libertário dedicado à redução da carga tributária e do "custo Brasil": cobraria menos impostos, mas não levaria nada em troca.
Mas a gente não está a lidar com um Robin Hood das incorporadoras e outras empresas. Se ainda é preciso explicar o sarcasmo, sabe-se que impostos não foram pagos e funcionários públicos formaram patrimônio de dezenas de milhões.
Pagou-se propina, ponto.
Pelo menos uma empresa envolvida e uma associação do setor argumentam que houve propinas porque houve extorsão.
Extorsão implica abuso da situação de alguém por meio de ameaça ou violência. Por exemplo, num caso ameno, o fiscal ameaça não entregar o comprovante de quitação do imposto e, assim, segura o Habite-se, sem o que o negócio não vai para a frente, causando prejuízos.
É possível. Mas: 1) Ainda haveria propina; 2) Mesmo que o extorsionário tenha exigido propina em troca da papelada legal, por que a empresa se sentiu também "obrigada" a pagar menos imposto? 3) Apesar de todos os pesares, não é difícil encontrar promotor, policial ou jornalista a fim de armar um flagra. Por que então empresas se "sujeitaram" a pagar propina e menos imposto?
Claro está que o nosso manicômio legal-burocrático propicia as tantas situações em que um fiscal pode encontrar pelo em ovo. É quase impossível tocar legalmente um negócio, tanto que em São Paulo há centenas de milhares de edificações irregulares ou com "alvará provisório", uma expressão que denota idiotice e/ou má-fé.
Ainda assim, voltamos ao caso anterior: por que não se chamou a polícia? O telhado da construtora seria de vidro, pois? Se é, o caso está encerrado: a propina acobertou outro rolo.
Empresas e suas associações argumentam que: 1) O sistema de cobrança é uma burocracia porca (é verdade) e arbitrária; 2) A cobrança é feita por um método irregular e possivelmente ilegal e inconstitucional (uma tese razoável).
A prefeitura sujeita a liberação do Habite-se à quitação final do ISS devido, o que seria irregular, algo chamado "sanção política": o Habite-se, certificado de adequação da edificação, nada tem a ver com a obrigação fiscal.
A coisa seria ilegal de resto porque a prefeitura regulou a base de cálculo do ISS, imposto definido na Constituição da República e regulamentado em lei federal. Criou base de cálculo que leva em conta um custo por metro quadrado da obra, não o custo da despesa de fato.
Diga-se de passagem que isso pode dar em injustiça tributária e em estímulo à ineficiência; é mais um indício dos tantos arbítrios fiscais "cum" distorções econômicas deste país.
Ainda assim, o que isso tem a ver com o pagamento de propinas e redução ilegal de imposto recolhido? Nada, a não ser o fato de que a lei e a administração pública acabam por colocar em contato íntimo corruptos e corruptores. Não é, decerto, uma ideia prudente. Mas a situação em si mesma não causa privação de sentidos morais, um transe corruptor.
Empresas têm boas teses sobre manicômio fiscal da cidade, mas, sem desculpa, muitas pagaram propina
É DIFÍCIL IMAGINAR uma hipótese segundo a qual empresas não tenham pago propina para fiscais do ISS na cidade de São Paulo. Por exemplo, a gente poderia imaginar que a Máfia do ISS não passaria de uma espécie de comando libertário dedicado à redução da carga tributária e do "custo Brasil": cobraria menos impostos, mas não levaria nada em troca.
Mas a gente não está a lidar com um Robin Hood das incorporadoras e outras empresas. Se ainda é preciso explicar o sarcasmo, sabe-se que impostos não foram pagos e funcionários públicos formaram patrimônio de dezenas de milhões.
Pagou-se propina, ponto.
Pelo menos uma empresa envolvida e uma associação do setor argumentam que houve propinas porque houve extorsão.
Extorsão implica abuso da situação de alguém por meio de ameaça ou violência. Por exemplo, num caso ameno, o fiscal ameaça não entregar o comprovante de quitação do imposto e, assim, segura o Habite-se, sem o que o negócio não vai para a frente, causando prejuízos.
É possível. Mas: 1) Ainda haveria propina; 2) Mesmo que o extorsionário tenha exigido propina em troca da papelada legal, por que a empresa se sentiu também "obrigada" a pagar menos imposto? 3) Apesar de todos os pesares, não é difícil encontrar promotor, policial ou jornalista a fim de armar um flagra. Por que então empresas se "sujeitaram" a pagar propina e menos imposto?
Claro está que o nosso manicômio legal-burocrático propicia as tantas situações em que um fiscal pode encontrar pelo em ovo. É quase impossível tocar legalmente um negócio, tanto que em São Paulo há centenas de milhares de edificações irregulares ou com "alvará provisório", uma expressão que denota idiotice e/ou má-fé.
Ainda assim, voltamos ao caso anterior: por que não se chamou a polícia? O telhado da construtora seria de vidro, pois? Se é, o caso está encerrado: a propina acobertou outro rolo.
Empresas e suas associações argumentam que: 1) O sistema de cobrança é uma burocracia porca (é verdade) e arbitrária; 2) A cobrança é feita por um método irregular e possivelmente ilegal e inconstitucional (uma tese razoável).
A prefeitura sujeita a liberação do Habite-se à quitação final do ISS devido, o que seria irregular, algo chamado "sanção política": o Habite-se, certificado de adequação da edificação, nada tem a ver com a obrigação fiscal.
A coisa seria ilegal de resto porque a prefeitura regulou a base de cálculo do ISS, imposto definido na Constituição da República e regulamentado em lei federal. Criou base de cálculo que leva em conta um custo por metro quadrado da obra, não o custo da despesa de fato.
Diga-se de passagem que isso pode dar em injustiça tributária e em estímulo à ineficiência; é mais um indício dos tantos arbítrios fiscais "cum" distorções econômicas deste país.
Ainda assim, o que isso tem a ver com o pagamento de propinas e redução ilegal de imposto recolhido? Nada, a não ser o fato de que a lei e a administração pública acabam por colocar em contato íntimo corruptos e corruptores. Não é, decerto, uma ideia prudente. Mas a situação em si mesma não causa privação de sentidos morais, um transe corruptor.