FOLHA DE SP - 06/12
Críticos do governo não dizem, na maioria, que o país vai quebrar, mas que se asfixia lentamente
AS
CRÍTICAS azedas, amargas ou mesmo vitriólicas (sulfúricas) ao governo
podem sugerir a quem acompanha mais à distância o debate econômico que o
Brasil está à beira de quebrar de modo operístico.
Pode ser que
um ou outro crítico queira sugerir isso mesmo. No mais, há no máximo
enorme irritação com o desperdício amadorístico de tempo, os cinco ou
seis anos em que o Brasil crescerá algo em torno de 2,5%, por aí, devido
em grande parte a uma política econômica ruim. Ou com o fato de que o
país não tem se preparado para crescer mais rápido mais adiante.
Mudanças importantes, seja o freguês "desenvolvimentista", de "esquerda"
ou "liberal", "de direita", demoram para ser feitas e fazer efeito:
anos, meia década, uma década.
Uma década e meia de catástrofes e
desastres, hiperinflações e quebras de fato, com mendigagens no FMI,
talvez nos tenham deixado viciados em emoções fortes, insensíveis a tons
de cinza (e cinza a coisa está, bem nublada).
A polarização
política emburrecida entre PT e PSDB reforçou a tendência ao
claro-escuro desinteligente (nada contra polarizações inteligentes,
note-se de passagem).
Reconheça-se que os contrastes não terminam
aí. Ao fim do governo de Dilma Rousseff, o Brasil terá passado por
quatro anos de crescimento abaixo do medíocre, mas com uma das menores
taxas de desemprego da história, consumo crescendo a pelo menos o dobro
do crescimento do PIB (mas em ritmo cadente) e renda em alta (cada vez
menor), em especial a dos mais pobres.
Como diz o lugar-comum recente, "a economia vai mal, mas o povo vai bem".
Como
isso é possível? Não é possível. Há uma ou outra extravagância ainda
não inteiramente explicada. Por exemplo, o desemprego muito baixo; o
aumento veloz da renda das famílias, não muito coerente com a alta do
PIB, da economia.
Ainda assim, não é possível que o povo continue
"bem", e a economia, "mal". A recíproca também não é verdadeira: que o
crescimento econômico dependa do esfolamento do couro de trabalhadores
ou pobres em geral.
Os sinais de que esse descasamento não é
duradouro (não é "sustentável") estão ficando evidentes. No "agregado",
no conjunto, tudo somado, endividamo-nos cada vez mais. A dívida do
governo cresce, a dívida das famílias cresce, nosso passivo com o
exterior cresce (cada vez mais, desde 2007, compramos mais do que
vendemos lá fora: nosso deficit externo cresce).
A inflação é um
sintoma desses excessos, sintoma que de resto deixa sequelas, que podem
redundar numa combinação de juros mais altos (dívida mais cara e
crescendo mais rápido pelo menos em termos absolutos) e produtos mais
caros (com o que nosso deficit externo cresce ou cai pouco), entre
outros muitos problemas.
Juros e dólar mais caros, no fim das
contas, são um sinal de que os credores do governo e os do país estão
menos dispostos a financiar nossos desequilíbrios, um deles sendo a
economia que vai mal com o povo "bem" (e que "bem" é esse, afinal?).
O
crescimento baixo, persistente, vai esgotar as possibilidades de
financiar melhorias sociais, por meio do mercado ou de transferências do
governo. O resto é ilusão, mágica politiqueira.
Entrevista:O Estado inteligente
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