O Estado de S.Paulo - 14/12
Acavalgadura
de vinte e oito patas, figura definitiva e definidora criada por Nelson
Rodrigues, salta da memória e exibe-se gloriosa e rampante quando se
ouve uma fala sobre as patas mancas da economia. Em seguida, apruma-se e
galopa, estrepitosa, quando o discurso resvala para a teoria da
inflação do airbag e do freio ABS. A alguns a evocação da imagem
rodriguiana parecerá estranha. A outros, luminosa. Não vale a pena
tentar explicá-la, justificá-la ou associá-la a qualquer figura do mundo
real. Cada qual a entenderá à sua maneira. Muito mais difícil é
traduzir e dar expressão racional ao discurso econômico do ministro da
Fazenda, Guido Mantega, e às orientações de sua chefe, a presidente
Dilma Rousseff.
O primeiro mistério, a história das pernas
mancas, foi decifrado facilmente. Incapaz de aprender com os próprios
erros, o ministro da Fazenda continua apostando no estímulo ao consumo
para dinamizar a economia brasileira. Três anos de fracasso dessa
política parecem não ter produzido nenhum ensinamento. Além disso, ele
insiste em atribuir a inflação a choques internacionais de oferta. Mas
as cotações já se acomodaram e a alta de preços persiste no mercado
interno. Enfim, o ministro combina a imaginária escassez de consumo com a
crise externa para explicar por que a produção do País cresce menos do
que poderia. Em sua cabeça, o potencial brasileiro de crescimento parece
bem maior do que o estimado por economistas nacionais e de fora.
O
segundo mistério é mais complicado, porque envolve uma estranha teoria
da inflação. Segundo o ministro, a inclusão obrigatória de airbags
duplos e freios ABS nos carros novos, em 2014, deverá elevar os custos e
produzir efeitos inflacionários. Por isso o governo decidiu repensar o
assunto, segundo informou na quinta-feira. A questão foi discutida horas
depois em programa de entrevistas na Globo News. Um professor de
Engenharia criticou a hesitação do ministro e insistiu na prioridade à
segurança. Um economista especializado em indústria automobilística
estimou rapidamente o efeito do aumento de custo no índice de inflação. O
impacto, segundo sua conta, seria minúsculo, algo da ordem de 0,1% em
um ano.
Os dois argumentos são respeitáveis, mas deixam de lado
pelo menos três questões especialmente relevantes. Em primeiro lugar, o
custo de produção de um setor pode aumentar sem se converter,
necessariamente, em nova pressão inflacionária. Se alegações como a do
ministro fossem levadas a sério, carruagem e bonde puxado a burro ainda
seriam as formas principais de transporte urbano. Que governo teria
apoiado a indústria aeronáutica nascente, ou investido na substituição
de velhas e baratas latrinas por sistemas complexos e caros de
saneamento?
Elevações de custo podem, sim, ter consequências
inflacionárias, mas isso depende de condições favoráveis ao repasse e à
difusão dos aumentos de preços. Além do mais, o custo adicional gerado
por melhoras tecnológicas tende a ser absorvido e diluído quando há
suficiente concorrência.
Isso remete à questão seguinte. Além de
beneficiada em vários momentos por incentivos fiscais generosos, a
indústria automobilística tem sido pouco pressionada, de modo geral,
pela concorrência estrangeira. Essa é uma das explicações do baixo
padrão de segurança apontado por especialistas internacionais, quando
examinam os carros produzidos no Brasil. Se os fabricantes puderem
manter alguns modelos sem os airbags duplos e os freios ABS por mais
algum tempo, serão os principais beneficiários da decisão oficial. A
alegada vantagem para os consumidores - o preço sem aumento - será
infinitamente menor que a desvantagem de continuar sem condições
razoáveis de segurança.
A real preocupação do ministro, quando
fala sobre a alta de preços, é a próxima interrogação, mas esse ponto é
muito menos complicado. Ele continua, tudo indica, mais empenhado em
administrar os indicadores do que em combater a inflação.
Não se
diferencia, quanto a esse ponto, de sua chefe. Ela pode tê-lo censurado
pela declaração perigosa, ou, no mínimo, precipitada, sobre os airbags e
os freios ABS. Também o censurou, segundo informaram os grandes
jornais, pela referência às duas pernas mancas da economia.
Declarações
impensadas podem prejudicar a imagem do governo, dificultar a
recuperação de credibilidade e aumentar o risco de rebaixamento da nota
de crédito do País. Mas os dois, a presidente e o ministro, continuam
demonstrando muito mais preocupação com os problemas de imagem do que
com os fundamentos da economia. Isso inclui, para começar, as contas
públicas e as pressões inflacionárias.
Qual o superávit primário
para garantir em 2014 o pagamento de uma fatia razoável dos juros e pelo
menos a estabilização da dívida? Bastaria o equivalente a 1,8% do
produto interno bruto (PIB), segundo alguns analistas. Outros poderiam
recomendar um alvo mais ambicioso. Mas a presidente, informa-se em
Brasília, cobra da equipe econômica um objetivo realizável sem muita
complicação e, portanto, sem risco de tropeço. Qual será a meta
exequível num ano de eleição e, portanto, de muita pressão para
gastança, concessão de benefícios fiscais e muito favor a governadores
aliados?
Quanto à inflação, o ministro da Fazenda tem apontado
como grande vitória uma taxa de 5,77% acumulada nos 12 meses até
novembro, menor, portanto, que a de janeiro a dezembro do ano passado,
5,84%. Em outras palavras, qualquer resultado até 5,83% será apontado
como um sinal de estabilização dos preços. Será uma avaliação compatível
com a tese da inflação do airbag e com a imagem das patas mancas.
Entrevista:O Estado inteligente
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