Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, fevereiro 13, 2012

Os indefesos Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo - 13/02/2012



Os cidadãos de Salvador ficaram literalmente indefesos, à mercê de bandidos - com e sem farda. A situação não poderia ter sido mais dramática, com a insegurança se alastrando para todo o Estado da Bahia. Os relatos e imagens são impactantes, com as pessoas totalmente desprotegidas, vivendo, algumas, situações descritas como de terror, quando do saqueio de casas, por exemplo.

Se uma família tem a sua casa saqueada, o que pode fazer? Telefonar para a polícia em greve? Deve, na falta de opção, simplesmente submeter-se aos invasores, ficando sujeita às piores arbitrariedades? Pode ela se defender?

Na rua, os relatos são tenebrosos, com mendigos assassinados, ônibus invadidos por supostos policiais, armados, sendo essa suspeita levantada pelo próprio governador. Quando os responsáveis pela segurança pública assumem atitudes de vândalos, observa-se um esfacelamento do próprio Estado.

Uma das funções, se não a principal, do Estado consiste em assegurar a integridade física, do corpo, de seus cidadãos. Se cidadãos pagam impostos, é para que essa atividade básica seja assegurada. Se as pessoas vivem aterrorizadas em casa, têm medo de sair à rua, evitam qualquer tipo de exposição pública, é porque a defesa da vida desaparece do horizonte, substituída pelo medo da morte violenta.

O medo da morte violenta, no dizer de Hobbes, é a condição básica para que os indivíduos deixem o que denomina "estado de natureza", cuja característica central é a insegurança total, em que nem a vida é garantida. Ora, a situação na Bahia, com potencial de expansão para todo o País, é o que se poderia chamar de uma volta ao "estado de natureza", jogando os cidadãos à defesa de si mesmos.

O Estado, em situação normal, garantiria - embora precariamente, no Brasil - a segurança dos cidadãos. Em contexto de motim e greve, os cidadãos são abruptamente remetidos à defesa da própria vida e dos seus, assim como dos seus bens. Se o Estado cumprisse suas funções, tal autodefesa não seria necessária.

Ora, a situação torna-se, então, esdrúxula. A autodefesa implica que as pessoas tenham os meios de assegurá-la. E meios significam armas de autodefesa. Imaginem uma casa sendo assaltada, saqueada, não tendo os cidadãos a quem recorrer. O telefone da Polícia Militar é inútil. A submissão daí derivada, a de cidadãos indefesos, é a de abolição da liberdade de escolha. Não há aqui escolha possível. O cidadão torna-se servo.

Os últimos anos foram caracterizados por campanhas intensas de desarmamento, como se os cidadãos de bem fossem os responsáveis pela criminalidade. Evidentemente, os criminosos não foram "desarmados", como a situação na Bahia mostra com particular ênfase. Os homicídios nos dias de greve, ou melhor, de motim, chegaram a 136.

Os cidadãos tornaram-se indefesos pela omissão do Estado, que se mostra incapaz de assegurar a conservação da vida, bem primeiro e maior de todas as pessoas. O desarmamento, no caso, expõe toda a insegurança produzida pelo próprio Estado. As pessoas são simplesmente fragilizadas, devendo conviver com o medo da morte violenta.

Acrescente-se a isso que os encarregados da segurança pública, os policiais militares, passaram, alguns, a agir como bandidos, portando armas que afrontam o próprio Estado de Direito. Policiais grevistas armados, desafiando a lei e a autoridade, são a negação mesma do Estado. Para além de o atual ordenamento constitucional proibir a greve de policiais, o fato de desrespeitarem a lei brandindo armas leva esse desrespeito ao grau máximo de criminalidade. Isso caracteriza um motim! Uma medida elementar seria esses policiais deixarem suas armas na instituição a que pertencem, a Polícia Militar. O porte de armas por policiais grevistas é uma afronta. E para os cidadãos, uma fonte suplementar de medo.

Convém distinguir a insubordinação, o uso da violência, de uma reivindicação legítima de policiais militares por melhores salários. Não é, de fato, concebível que policiais - cuja função deveria consistir em assegurar a vida e os bens dos cidadãos, o cumprimento da ordem pública - sejam obrigados a viver em condições que se caracterizam pela insegurança dos seus. Não pode um policial militar ser obrigado a conviver com marginais que deve combater.

O descaso do poder público para com eles é o resultado do descaso desse mesmo poder para com os cidadãos. É como se a segurança e a vida não fossem prioritárias. A situação fica ainda mais gritante quando os cidadãos percebem a corrupção generalizada e o desvio de recursos públicos como práticas absurdamente "normais". Normal seria a segurança física, e não a sua ausência.

No meio desse "estado de natureza", dessa insegurança e do medo generalizados, com cidadãos acossados, uma notícia da Polícia Civil baiana, anterior à "greve", pode abrir caminho para que um controle efetivo de armas possa ser efetivado no País, possibilitando, assim, que soluções técnicas tomem o lugar de declarações ideológicas. Trata-se da compra, por essa instituição, de pistolas com um chip identificador, contendo informações como a numeração das armas. Pode-se, dessa maneira, controlar o uso que está sendo dado a essas armas, assim como se torna possível seguir seus deslocamentos.

Imaginem se os policiais militares da Bahia portassem pistolas com chip identificador. Seria possível determinar imediatamente onde essas armas se encontram e quem é seu portador. No caso da suspeita de que policiais militares teriam parado um ônibus, obrigando os passageiros a descer, contribuindo para o caos urbano, seus autores poderiam ser imediatamente identificados. Eis uma oportunidade de o País ser dotado de um GPS das armas, com a fiscalização correspondente.

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