FOLHA DE S. PAULO
Lances pelos aeroportos foram altíssimos; governo deveria aproveitar a onda e privatizar mais
Desde o fim do espantoso leilão de privatização dos aeroportos até o começo da noite de ontem, analistas financeiros faziam contas para entender como os consórcios vencedores esperam lucrar com seu empreendimento.
Os analistas, independentes das empresas envolvidas, não entendiam nem as contas das empresas nem concordavam com as contas de outros colegas.
Mas a frase de um deles resumia o espírito das conversas de gente do governo e de participantes do leilão, durante o dia de ontem. "Deve estar sobrando dinheiro barato em algum lugar. O governo deveria vender logo os outros aeroportos."
Dados os preços de ontem, na verdade, o governo deveria vender qualquer coisa: aeroporto, estrada, porto, açude, trilha de vaca, cacimba ou até a Esplanada dos Ministérios (cedendo alguns ministros de brinde, de preferência).
Os analistas podem estar errados, prevendo retornos baixos. Erraram, por exemplo, na conta das concessões de usinas hidrelétricas (Jirau e Santo Antônio), erraram em leilões mais recentes de rodovias. De resto, empresas que disputam concessões têm mais conhecimento do negócio que um isolado analista de instituição financeira.
De qualquer modo, a conta dos vencedores é pesada. No caso de Guarulhos, primeiro é preciso pagar a concessão: R$ 16,213 bilhões, em parcelas distribuídas por 20 anos (tempo da concessão). Há ainda os investimentos (R$ 4,6 bilhões) mais 10% da receita bruta anual. A receita atual de Guarulhos não dá nem para a saída.
Até 80% do investimento pode ser financiado pelo BNDES. Os vencedores de Guarulhos (fundos de pensão, OAS e a estatal sul-africana de aeroportos, Acsa) podem vender ações. Arruma-se financiamento (barato, no bancão estatal, mas que tem custo) e capital para o investimento (que, por meio de ações, dilui o lucro). Ainda resta a questão do retorno.
Problema das empresas, certo? É, essa é a lógica do leilão. Mas, mesmo com as multas pesadas em caso de descumprimento de contrato, as melhorias podem atrasar ou não ser tão "melhores" assim.
O consórcio vencedor de Guarulhos é 90% dos fundos de pensão Previ (funcionários do Banco do Brasil), da Petros (Petrobras), da Funcef (da Caixa Econômica Federal) e da empreiteira OAS.
Haveria mão do governo aí, nos lances altos (o governo indiretamente nomeia parte do conselho desses fundos, pois as empresas são estatais)? Não parece, pois as propostas derrotadas, se menores, também eram espantosas. De resto, há uma empresa privada no grupo.
De resto, esses três fundos são os maiores do país, têm 45% do patrimônio dos fundos de pensão brasileiros, foram feitos para isso mesmo, juntar poupança, e, pois, precisam colocar o dinheiro em algum lugar, além de terem metas de rentabilidade para cumprir. Não é tão fácil inventar teorias conspiratórias.
Por fim, além de haver "dinheiro sobrando" para privatizações, é preciso lembrar que aeroportos fazem parte de um sistema nacional: não adianta arrumar três se os demais não funcionam (aviões saem de um lugar, precisam chegar a um outro -bidu). Quando serão concedidos os aeroportos do Rio, de Minas, do Rio Grande do Sul?