EDITORIAL O ESTADO DE S PAULO
O fato é que o governo brasileiro se tornou prisioneiro de suas próprias posições. Ao liderar o movimento pela volta de Manuel Zelaya ao governo - do qual foi deposto em processo conduzido pela Suprema Corte e pelo Congresso e concluído desastradamente pelas Forças Armadas, para evitar que o presidente desse o primeiro passo para a reeleição, expressamente proibida pela Constituição do país -, em nome da defesa da democracia na America Latina, o presidente Lula da Silva caiu na armadilha armada pelo maior inimigo da democracia como ele, Lula, a entende. Agora, surge perante o mundo, que aprendeu a respeitá-lo e admirá-lo exatamente pelo que o distingue do inventor do "socialismo do século 21", como seu aliado e até instrumento, na desastrada aventura "zelayana".
O Plano Arias poderia atender às exigências da comunidade internacional e, ao mesmo tempo, manter intacto o princípio constitucional, cuja violação motivou a destituição de Zelaya. Mas, para isso, as duas partes teriam de ser pressionadas pelos países interessados na manutenção da estabilidade política regional. Ora, esses países assumiram atitudes radicais, retirando embaixadores e não reconhecendo o governo de facto - razão pela qual perderam a condição de exercer qualquer mediação útil.
O governo brasileiro foi mais longe. Deu abrigo a Zelaya na embaixada em Tegucigalpa, configurando-se uma situação sui generis. Pela primeira vez na história da diplomacia latino-americana, um político perseguido por governo atrabiliário pede abrigo em embaixada, não para sair do seu país, mas para a ele voltar. E o Itamaraty não pôde conceder a Zelaya o clássico asilo político, uma vez que não poderia submeter às condições desse status - entre elas a de se abster de quaisquer manifestações políticas - um presidente que considera estar no exercício de seu cargo.
O Itamaraty, tendo cometido a imprudência de conceder o abrigo, nada mais pôde fazer além de pedir a Zelaya que não fizesse declarações capazes de desencadear reações, tanto de seus partidários como do governo de facto, que resultassem em atos de violência. Não é, obviamente, o que o presidente deposto tem feito. Desde que se instalou, em precaríssimas condições, na embaixada brasileira, Zelaya e seus mais de 60 acompanhantes não têm feito outra coisa senão dar entrevistas e manter contatos, sempre por telefone celular, com os seus militantes. Os distúrbios verificados nos últimos dias em Tegucigalpa são o resultado desse ativismo.
Assim, o governo brasileiro corre o risco de ser responsabilizado por ter dado pretexto a uma eventual explosão de violência, por ter decidido hospedar Zelaya. Não bastasse isso, ao conceder o abrigo nas condições em que o fez, o Itamaraty rompeu um dos mais caros e tradicionais princípios da política externa brasileira: o da não-intervenção nos assuntos internos de terceiros países.
E, nesse momento, o que Honduras realmente necessita é de amigos que ajudem a resolver o impasse político, sem deixar sequelas que mais tarde se transformem em conflitos violentos. O presidente da Costa Rica, Oscar Arias, parece ter esgotado sua capacidade de mediação. Mas a OEA, usando como base o Plano Arias, tem agora condições para intermediar uma solução para o dissídio. Na segunda-feira, o secretário-geral José Miguel Insulza iniciará uma nova missão em Honduras. Mas, pondo as barbas de molho, Lula pediu socorro ao primeiro-ministro espanhol, José Luiz Zapatero. Ontem mesmo, o chanceler espanhol iniciou contatos com o governo de facto hondurenho num esforço de mediação.