Ampla, geral e arriscada
Para repatriar depósitos ilegais no exterior, o governo italiano
propõe uma anistia muito ampla que pode beneficiar mafiosos,
narcotraficantes e terroristas
Ronaldo França
Andreas Solaro/AFP |
O REI DA POLÊMICA Silvio Berlusconi: o projeto já passou pelo Senado |
Pode-se acusar o primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi de muita coisa. Mas não se pode dizer que faz um governo monótono. Sua última incursão pelo ramo da controvérsia é o projeto de lei que concede uma nova anistia tributária para quem quiser trazer de volta ao país o dinheiro que depositou ilegalmente no exterior. O texto foi aprovado pelo Senado, na semana passada, e será votado na Câmara dos Deputados, de maioria governista, no início de outubro. Esse tipo de mecanismo ganhou fôlego após o abalo financeiro global, quando os governos passaram a lançar mão de todos os instrumentos que pudessem aumentar o volume de dinheiro em circulação. O problema do projeto italiano é que ele concede uma anistia tão ampla que, se aprovado, permitirá que terroristas, mafiosos e demais profissionais do ramo da lavanderia financeira internacional escapem ilesos das barras dos tribunais – com o benefício adicional de pagar somente 5% de impostos sobre o valor repatriado. Um porcentual irrisório diante do que um trabalhador paga ao Fisco italiano sobre seu salário. Dependendo da faixa de renda, a mordida varia de 23% a 43%.
A sensação de favorecimento aos criminosos se acentuou pela forma sorrateira como a proposta foi apresentada. Os deputados governistas a incluíram no meio de um pacote anticrise, como mais uma medida fiscal. Se a anistia for aprovada, ela será a terceira desse tipo feita por Berlusconi – e a mais ampla. O governo italiano calcula que 148 bilhões de dólares seriam repatriados, deixando 7 bilhões de dólares de impostos nos cofres do Tesouro. Com alguns ajustes e mais controle sobre a origem do dinheiro, a anistia italiana deve ser aprovada. Esse expediente tem se tornado menos raro no mundo. Os Estados Unidos acabam de prolongar o prazo para que seus cidadãos levem de volta o dinheiro que aplicaram secretamente no exterior. É uma última chance aos americanos com conta no banco UBS, que assinou um acordo, numa ação movida pelo Fisco dos EUA, para revelar os nomes dos donos de 4 450 contas na Suíça. A Inglaterra tem um programa semelhante em curso. Nesses países os mecanismos de segurança são bem mais fortes que os da terceira anistia italiana.
Existem dois projetos semelhantes tramitando no Congresso brasileiro. Um do deputado José Mentor (PT-SP) e outro do senador Delcídio Amaral (PT-MS). Ambos garantem o sigilo do nome, mas exigem registro na Receita Federal dos recursos internados. A ideia desses projetos é anistiar apenas dinheiro que seja fruto de sonegação fiscal e de evasão de divisas. Mas há dúvidas enormes sobre sua eficácia. "Não existem na lei e na burocracia brasileira mecanismos capazes de fiscalizar adequadamente a origem do dinheiro que voltar", diz Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal. O economista Nathan Blanche, da Tendências Consultoria, também vê os projetos com desconfiança. Diz ele: "Do jeito que estão os textos, sou contra".