Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 13, 2009

FERREIRA GULLAR Quadrado negro



Malevitch rompeu com a figura para expressar a sensibilidade da ausência do objeto

KASEMIR MALEVITCH , juntamente com Wassily Kandinsky e Marc Chagall, é um dos mais representativos nomes da vanguarda russa do começo do século 20. Mas o que o distingue daqueles dois outros pintores é o caráter radical de sua experiência artística, que o levou ao limite da expressão pictórica.
Nos anos iniciais do século 20, era intenso o intercâmbio cultural entre as capitais europeias -especialmente Paris- e a Rússia ocidental, cujos principais centros de cultura eram São Petersburgo e Moscou.
Na verdade, a elite econômica e intelectual russa vinha beber na Europa ocidental as novidades artísticas, as expressões inovadoras que sacudiam a vida cultural europeia.
Assim como, para a surpresa de Karl Marx, as ideias comunistas encontraram na Rússia terreno fértil para se implantarem e se desenvolverem, mais do que nos países europeus desenvolvidos, também o cubismo e o futurismo ali se implantaram e floresceram, dando origem a movimentos inovadores, em espantosa quantidade, que surpreenderiam os parisienses ou berlinenses.
A exposição "Virada Russa", que esteve no Rio e agora pode ser vista no Centro Cultural do Banco do Brasil, em São Paulo, permite ao visitante constatar isso: as obras expostas surpreendem pela vitalidade e pela audácia criativa de seus autores, que, influenciados pelas vanguardas europeias, ultrapassaram o que elas propunham, ou inovando ou levando às últimas consequências o que, em Paris, Berlim ou Milão, ainda eram simples possibilidades ou potencialidades irrealizadas.
Deve-se observar, também, que essa ebulição estética, na Rússia, coincidia com a efervescência revolucionária, no plano social, que culminaria com a Revolução de 1917.
Kandinsky e Chagall tomaram rumo próprio, inovadores que eram, mas voltados mais para uma poética do sonho (Chagall) ou da espiritualidade (Kandinsky). O rumo tomado por Malevitch, Tatlin, Lissitzky e Rodchenko, entre outros, parte das possibilidades implícitas tanto no cubismo quanto no futurismo e as levam à ruptura com a linguagem da pintura e da escultura.
A obra "Quadrado Negro", de Malevitch, exposta na referida mostra, é um dos momentos extremos dessa radicalidade. Outro momento é o "Contra Relevo", de Tatlin -que também integra a exposição-, e cuja denominação e concepção inspirou uma série de obras de Hélio Oiticica. O "contra relevo" é uma invenção do artista russo, que dá consequência a uma questão posta aos escultores modernos, ou seja, a concepção de uma forma abstrata, sem a base que a sustenta e, ao mesmo tempo, separa do mundo real. Dentro dessa problemática, mais tarde, Moholy Nagy conceberia a escultura que se mantinha no ar graças ao impulso do ar comprimido.
Mas voltemos ao "Quadrado Negro". Malevitch -que inicialmente pintou quadros por ele intitulados de cubofuturistas- rompeu radicalmente com a figura ao criar o movimento suprematista, em que pretendia expressar "a sensibilidade da ausência do objeto".
Assim que, no referido "Quadrado Negro", pretendia nos dar o objeto ausente. Não obstante, aquele quadrado, se não era a figura de um objeto, era ainda uma figura -uma figura geométrica. Por isso, a pretensão malevitiana de chegar a uma linguagem essencial, totalmente não figurativa, mostrou-se inviável.
Já antes, em 1918, havia levado essa tentativa a seu extremo limite, quando pintou o "Quadrado Branco sobre Fundo Branco", pois o passo adiante seria a tela em branco, o fim da pintura ou seu recomeço. Foi quando abandonou a tela e passou a construir, no espaço real, as "arquiteturas suprematistas", de que há alguns exemplares na referida mostra.
A mesma radicalidade levou Lygia Clark ao quadro todo negro e, depois, ao quadro todo branco, que significava, como o foi para Malevitch, o impasse. Também ela abandonou a tela para construir os seus "Bichos", no espaço real. Isso, sem saber do que fizera o artista russo, décadas atrás. É que ela, como Malevitch, havia enveredado pelo mesmo caminho: a utopia de uma arte autônoma, desligada da representação da realidade exterior.
Até a década de 1950, o mundo conhecia mal as vanguardas russas, que haviam sido subitamente tiradas de cena, depois de 1924, quando morreu Lênin e assumiu Stálin. A arte russa retrocedeu para o figurativismo retórico do realismo socialista. Foi o livro "L'Art Abstrait", de Michel Seuphor, publicado nos anos 50, que me revelou o que hoje nos mostra a exposição aberta agora no CCBB de São Paulo.

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