Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 26, 2009

Sucessão Lula abençoa a candidatura de Ciro Gomes

O número 2 de Lula

Preocupado com a queda de Dilma Rousseff, o governo revê
sua estratégia para 2010 e decide incentivar uma segunda
candidatura chapa-branca – a do deputado Ciro Gomes


Otávio Cabral

Fotos Sergio Dutti/AE
DIVISÃO DE TAREFAS
Dilma seguirá o roteiro de herdeira de Lula, enquanto Ciro se encarregará de atacar os tucanos:
o compromisso fechado com o presidente é que não haja fogo amigo entre seus aliados

Para o presidente Lula, eleger o sucessor em 2010 é uma obsessão. Ele é dono de índices espetaculares de aprovação, coleciona comendas mundo afora e está convicto de que a história do Brasil será dividida entre os períodos a.L. e d.L. – antes de Lula e depois de Lula. A derrota nas urnas de um herdeiro político não cabe nesse currículo. Há mais de seis meses o presidente está em campanha apresentando nos palanques sua candidata, a ministra Dilma Rousseff. Até agora, porém, a fama de eficiente dela e a popularidade dele não têm se transformado em intenções de voto no volume esperado. O que parecia ser a receita correta para o continuísmo está se mostrando um fracasso na prática. Diante do quadro até agora desfavorável, Lula pôs em andamento um plano alternativo. O governo decidiu dividir as bênçãos da aprovação plebiscitária de Lula entre Dilma e um segundo nome identificado com a atual administração – o deputado Ciro Gomes, do PSB.

Disputar a eleição presidencial com dois candidatos ungidos pelo Planalto parece, à primeira vista, mais uma daquelas obras de arquitetura política muito atraentes no papel, mas que não se sustentam no mundo do concreto. A estratégia faz mais sentido quando examinada em dois tempos. Dar publicidade a esse caminho agora aumenta, pelo menos teoricamente, a perspectiva de continuidade no poder do atual grupo governante. Isso soa como música aos ouvidos dos potenciais aliados que abominam a ideia de sentir saudade das emas do Palácio da Alvorada a partir de janeiro de 2011. Quanto maior a perspectiva de vitória, maior o poder de atração de apoios. Quem se beneficiou disso foi Ciro Gomes. O deputado apareceu na última pesquisa de intenção de voto empatado na segunda colocação com Dilma Rousseff – ambos muito atrás do governador de São Paulo, José Serra. A diferença é que Ciro está em ascensão, enquanto Dilma vem perdendo fôlego, principalmente depois do anúncio da candidatura da senadora Marina Silva, do PV (veja o gráfico abaixo).

Craig Ruttle/AP
OBSESSÃO
Lula quer garantir um candidato
oficial no segundo turno. Mas quem?


Lula relutou em abraçar a candidatura Ciro Gomes. Nos últimos três meses, o presidente se empenhou em tentar convencer o deputado a transferir o domicílio eleitoral para São Paulo e disputar o governo estadual. Assim, com uma única tacada, ele se livraria de um adversário incômodo no plano federal e ganharia um aliado em São Paulo. As últimas pesquisas, porém, mostraram que Ciro e Dilma podem, pelo menos no primeiro turno, constituir uma aliança informal pelo parentesco ideológico e, principalmente, pelo adversário comum. Ciro é um orador inflamado, exímio construtor de frases que, a despeito da falta de lógica e amparo na realidade, têm poderoso efeito comunicador. Os julgamentos sobre o que é certo ou errado, bom ou ruim, velho ou novo, saem da boca de Ciro com a certeza de um pregador protestante. Ele faz o mundo parecer simples. Isso agrada aos ouvidos de certo tipo de eleitor incapaz ou indisposto diante do desafio de destrinchar discursos mais complexos. Nesse particular, Ciro é o oposto de Dilma. A ministra é quase sempre cerebral ao ponto de enregelar as audiências com o fogo frio de seu olhar e a cordilheira de números que deita sobre seus ouvidos.

O ponto decisivo para convencer Lula foi o fato de a estratégia ter dado certo antes. Eduardo Campos, atual governador de Pernambuco, estava em terceiro lugar, mas acabou vencendo a eleição no segundo turno. Para superar o candidato que liderava com folga todas as pesquisas, PT e PSB, aliados, lançaram cada um seu próprio candidato com o compromisso de que o perdedor apoiaria o vencedor num eventual segundo turno. Deu Campos. Diz Ciro Gomes, que adorou o arranjo: "Eu não serei um candidato contra o governo ou contra Dilma. Pelo contrário, a condição para eu ser candidato é ser aliado de Lula. A candidata do partido dele é Dilma, mas ele também vai me apoiar". Na campanha, uma das principais funções do candidato do PSB, segundo o plano traçado pelo governo, será fustigar José Serra. Enquanto Dilma fará uma campanha propositiva, aos moldes do "Lulinha paz e amor" de 2002, Ciro vai atacar o tucano, relembrando escândalos do governo FHC e mostrando os pontos fracos do governo paulista. Ele não terá dificuldades em cumprir esse papel. Ciro, que já foi do PSDB, tem uma antiga rixa com o governador paulista. Ele abandonou o ninho tucano por desavenças políticas e pessoais com a ala paulista do partido, principalmente com Serra. Na campanha de 2002, ele atribuiu ao tucano o naufrágio de sua candidatura. "Havia uma equipe de TV do Serra no meu encalço o tempo todo. Todo escorregão que eu dava estava no dia seguinte no programa de TV do PSDB", conta, ainda demonstrando muita mágoa. Ciro repetirá que o governo de Lula foi melhor que o de Fernando Henrique Cardoso e que a eleição de um novo presidente tucano seria um retrocesso. "Não podemos deixar que eles voltem" é bordão repetido em entrevistas e debates do candidato.

Eleitoralmente, Ciro também representa um contraponto à própria Dilma, o que pode parecer um problema, mas também já foi devidamente calculado. Lula acredita que essa diferença é útil em uma campanha, pois cada um pode enfraquecer Serra em uma frente distinta. Dilma, a número 1, é novata em disputas eleitorais, enquanto Ciro, o número 2, está no ramo há quase trinta anos. Dilma é mineira e fez carreira no Rio Grande do Sul, enquanto Ciro é paulista e fez a vida no Nordeste. A petista lutou na clandestinidade contra a ditadura quando o socialista ainda nem pensava em fazer política. Pelas pesquisas, Dilma tem mais penetração no eleitorado menos esclarecido, mais pobre e morador do interior, enquanto Ciro se destaca entre os mais escolarizados, com mais dinheiro e moradores de grandes cidades. Parece perfeito, mas o PSB e o governo têm uma preocupação capital: a personalidade do próprio Ciro. Em 2002, quando estava bem cotado nas pesquisas, ele mesmo se derrotou ao chamar um eleitor de burro em um programa de rádio. Depois, disse que a função de sua mulher, a atriz Patrícia Pillar, era apenas dormir com ele. Para tentar evitar novos contratempos, o PSB estabeleceu condições para aprovar a candidatura. Ciro não poderá falar mal de Lula e do governo, nem hostilizar o PT – e terá de manter o equilíbrio, sem reagir a provocações. Diz o deputado: "A política é cruel, aprendi. Vão me provocar, mas eu vou ter de engolir, vou ter paciência, dar uma risadinha e deixar pra lá".

Jojser Patricio
TERCEIRA VIA
Marina acabou de entrar na disputa e já preocupa governo e oposição




Sinal vermelho no PV

Fotos Ueslei Marcelino/Obritonews e Wilson Dias/ABR
BARRADOS NO BAILE
O PV abriu as portas para filiados de várias origens, mas
dispensou o ex-governador Luiz Antonio Fleury e Ivo Cassol,
governador de Rondônia

A mais recente rodada de pesquisas reforçou a pororoca eleitoral armada pela candidatura presidencial da senadora Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente de Lula, ex-petista e agora estrela do Partido Verde (PV). Conhecida por apenas 18% dos brasileiros, Marina já tem 8% das intenções de voto no cenário mais provável, que exclui a ex-senadora Heloísa Helena da disputa. Isso significa que, de cada dois brasileiros que a conhecem, um está disposto a votar nela. A onda verde está atraindo surfistas de todas as tribos para a praia do PV, partido que chegou a ser ameaçado de extinção antes de abonar a ficha de Marina. A média de filiações saltou de 500 por mês para 2 600 após a chegada da senadora. A nova militância é bastante eclética. Inclui ambientalistas, evangélicos, intelectuais e até a líder das prostitutas fluminenses, Gabriela Leite, que se filia neste domingo para disputar um mandato de deputada federal. O potencial eleitoral do PV está atraindo até políticos dispostos a lustrar a biografia. Luiz Antonio Fleury, que governava São Paulo quando ocorreu a chacina do Carandiru, e Ivo Cassol, governador de Rondônia, às voltas com suspeitas de fraudes amazônicas, flertaram com o PV, mas foram descartados – sinal de que a epifania da diversidade, bandeira do partido, pode ser relativa.

As sondagens pré-eleitorais já captaram uma tendência. Os eleitores que reprovam o governo por envolvimento em episódios como o mensalão e a salvação do senador José Sarney estão migrando para a candidatura de Marina Silva. A senadora está fazendo sua parte para se tornar um hit eleitoral. Evangélica fervorosa e intransigente em sua militância verde, seu discurso está cada vez mais moderado. Na semana passada, em entrevista ao programa Roda Viva, ela elogiou os avanços dos governos do ex-presidente Fernando Henrique e do presidente Lula, dizendo que eles devem ser mantidos. E fez uma crítica, suave mas muito acertada, ao principal programa social do governo Lula, o Bolsa Família. "As pessoas não podem depender para sempre do Bolsa Família. Tem de haver um processo de libertação de qualquer tipo de dependência em relação ao estado", disse a senadora, que ultimamente tem se dedicado ao estudo da psicanálise.

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