O GLOBO
PANORAMA ECONÔMICO
O Brasil já cumpriu as metas do milênio na redução da extrema pobreza e em vários outros indicadores, mas está 25 anos atrasado em relação ao Chile em escolaridade. Há novidades extraordinárias para celebrar e indicadores preocupantes nos dados sociais brasileiros. Entrevistei o economista Ricardo Paes de Barros, do Ipea, e ele, como sempre, tinha conclusões surpreendentes.
Primeiro, a notícia boa.
Uma das metas do milênio é cada país chegar a 2015 com metade do percentual de extrema pobreza que tinha em 1990. O Brasil já superou esse resultado, sete anos antes.
Em 1990 tinha 20%. Em 2008, reduziu para 8%.
A má notícia. Um brasileiro de 30 anos tem uma escolaridade média igual à que tem um chileno de 55 anos.
— Um brasileiro da geração do meu filho tem a escolaridade de um chileno da minha idade — diz Paes de Barros.
Explicando melhor: a cada geração, a escolaridade média aumenta porque o país progride, portanto a escolaridade média na faixa etária mais velha é menor do que nas gerações mais novas. No Brasil, o atraso é tanto que perdemos na comparação com vários vizinhos, principalmente o Chile.
Ele e outros cientistas sociais analisaram 30 indicadores diferentes que vão do acesso à educação ao acesso a bens como computador e telefone. Em todos, os mais pobres avançaram mais rapidamente que os mais ricos. Para definir qual é o grupo mais vulnerável no Brasil, eles cruzam seis fatores e chegam a conclusões assim: — Uma menina pobre, negra, da área rural, nordestina, filha de pais com baixa escolaridade avançou mais (em relação à situação em que estava) do que um menino branco, urbano, com renda maior e filho de pais com alta escolaridade — diz o economista.
A desigualdade medida por vários fatores tem caído forte e consistentemente no Brasil. Vinha caindo no final dos anos 90, e aumentou o ritmo da queda desde 2001, diz Paes de Barros.
O economista do Ipea é o que mais entende da questão social brasileira. Ele vive mergulhado nos dados brasileiros atrás de avanços, atrasos e, principalmente, de novas tecnologias sociais que permitam ao país da desigualdade reduzir seus velhos dramas.
Para Paes de Barros, políticas sociais são como tecnologias. Precisam ser construídas, testadas, avaliadas, modificadas para continuar produzindo efeitos positivos, do contrário envelhecem, perdem a eficácia.
— No final do século XX, os economistas e cientistas sociais estavam à frente apontando as medidas e as tecnologias que poderiam reduzir a pobreza e a desigualdade.
Hoje, estão atrás.
A queda constante da desigualdade, mesmo em anos de baixo crescimento, tem várias causas. E isso é bom. O Bolsa Família explica uma parte da queda da extrema pobreza, e uma parte da queda da desigualdade.
Mas não toda. Na PNAD de 2008, o que mais influenciou foi o aumento da oferta de emprego e avanço da formalização. Ele acha que exatamente por ter várias causas o progresso social brasileiro é mais sustentável do que, por exemplo, se tudo dependesse de uma única política, como o Bolsa Família.
Há políticas que não estão trazendo resultados, como as de combate ao analfabetismo.
Vinha caindo a cada nova pesquisa do IBGE, mas na última PNAD recuou apenas de 10,1% para 10%.
— O Brasil investiu R$ 300 milhões a R$ 400 milhões por esta queda de apenas 0,1 ponto percentual.
Os programas contra o analfabetismo precisam ser avaliados para que se saiba o que corrigir. A extrema pobreza tem caído mais rapidamente do que o analfabetismo.
Há outros focos de preocupação.
Um deles, talvez o mais assustador, é a falha das políticas para o grupo que está fazendo a transição para a vida adulta. É nesta faixa que há gravidez precoce, casamento precoce, alto índice de mortalidade principalmente dos meninos. Além disso, alertou o economista, os jovens estão olhando para o mercado de trabalho. Se ele não for capaz de gerar emprego para os que estão estudando pode-se criar um ambiente que desestimule o esforço para se educar.
Ele conta que, com todo o avanço, o Brasil ainda é espantosamente desigual, tem atrasos educacionais inaceitáveis e, para ter um nível de desenvolvimento social compatível com o desenvolvimento econômico, precisará continuar melhorando, no ritmo dos últimos anos, por mais uma década e meia, pelo menos.
Eu entrevistei Paes de Barros na Globo News e o assunto era a última PNAD.
Normalmente quando a pesquisa é divulgada, os especialistas se debruçam sobre ela atrás das novidades e foi esse olhar que eu fui buscar na entrevista.
PB, como ele é mais conhecido, me disse, quando estava saindo do estúdio, ao fim da entrevista, que não entende muito bem porque o Brasil não percebe o quanto avançou.
— Há uma dificuldade no Brasil de celebrar o nosso sucesso — acrescenta.
Há também, disse, o risco de acharmos que estamos fazendo tudo certo, o que nos levaria a eternizar certos atrasos vergonhosos e inaceitáveis. Para cada boa notícia, há um notícia preocupante. O melhor é celebrar e se preocupar ao mesmo tempo.
— O risco é de virarmos ricos sem nos dar conta.
oglobo.com.br/miriamleitao • e-mail: miriamleitao@oglobo.com.br
COM BRUNO VILLAS BÔAS
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