Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 26, 2009

Fotografia Walker Evans no Masp

BELEZA AMERICANA

Walker Evans, o fotógrafo que retratou a devastação econômica e moral da
Grande Depressão nos Estados Unidos, ganha uma retrospectiva em São Paulo


Marcelo Marthe


Fotos Fundação Mapfre
FACES DA HISTÓRIA
O garoto numa casa humilde com paredes forradas de cartazes publicitários (no alto, à esq.), o rosto sofrido da granjeira do Alabama (no alto, à dir.) e agricultores negros diante de uma propaganda da Coca-Cola na Louisiana racista ("Todas as garrafas esterilizadas"): registros preciosos da crise econômica e da segregação


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Em 1935, o fotógrafo Walker Evans (1903-1975) foi contratado pelo governo americano para documentar os resultados de um programa de redução da pobreza numa região rural arruinada pela Grande Depressão. Os burocratas que geriam as políticas do New Deal, plano do presidente Franklin Roosevelt que visava a tirar os Estados Unidos da ruína econômica, esperavam que Evans registrasse para a posteridade as obras oficiais. O que se fixou como síntese daquele momento histórico, contudo, foi um flagrante prosaico, sem nenhum tom triunfal: a imagem de um garotinho sentado numa cadeira no interior de uma residência humilde - e cujo olhar triste contrastava com as figuras alegres dos cartazes de publicidade ao fundo (como um sorridente Papai Noel). Essa imagem tão pungente quanto arrebatadora é a primeira de uma série que consagraria Evans como o grande cronista em foto da vida americana no século XX. A partir desta quinta-feira, o Museu de Arte de São Paulo (Masp) apresenta a mais ampla retrospectiva de sua obra já exibida no Brasil - que inclui, além dessa cena, 120 fotografias pertencentes a uma instituição espanhola, a Fundação Mapfre, de Madri.

Assim como outro nome crucial da fotografia, o francês Henri Cartier-Bresson (1908-2004), cujas fotos também estão sendo expostas em São Paulo, no Sesc Pinheiros, Evans foi pioneiro em dar certa dimensão artística a essa forma de expressão. Quando esse filho de um publicitário bem-sucedido abandonou o sonho de ser escritor e abraçou a fotografia, no fim dos anos 20, a temática dos profissionais do ramo não ia além dos retratos formais, cenas edificantes e paisagens. "Evans colocou a realidade em foco. E essa era uma ousadia e tanto", diz o curador Teixeira Coelho. No começo da carreira, ele fez fotos dos arranha-céus de Nova York que ressaltam o arrojo de suas linhas arquitetônicas - e remetem à arte construtivista de vanguardistas russos como Rodchenko. Em seguida, passou a investir na chamada "poesia do cotidiano": os registros dos cidadãos anônimos e seus costumes. Fotografou interiores de residências, fachadas do comércio e cenas urbanas. Munido de uma câmera oculta, por exemplo, flagrou os passageiros do metrô nova-iorquino absortos em suas preocupações.

O fundamental de sua obra, no entanto, foi produzido na esteira da Grande Depressão. Nos anos 30, como fotógrafo a serviço de uma agência governamental que dava apoio a agricultores, Evans registrou a miséria em estados do sul, como Mississippi e Louisiana. É dessa fase uma das imagens mais eloquentes da segregação racial americana: aquela que mostra o interior vazio e decrépito de uma barbearia para negros. Depois de deixar essa função, Evans foi destacado pela Fortune para produzir uma reportagem no Alabama. O trabalho nunca saiu na revista - mas, ao ser reunido em livro, trouxe à luz duas das fotografias mais célebres de Evans: os retratos de um granjeiro falido e sua mulher. Ao fazê-los posar em close diante de uma parede com ripas, Evans conferiu às imagens ares de pranchas de catalogação científica. Ao mesmo tempo em que são límpidas e belas, as fotos expõem cada sulco nos semblantes sofridos. São retratos crus da pobreza - mas seria um erro enxergar qualquer traço de panfletarismo em Evans. À maneira dos grandes pintores, o que lhe interessava era captar o drama humano.

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