Economia
A proteína do agronegócio
Em um único dia, a JBS acerta duas fusões e
assume a liderança mundial na produção de carnes
Luís Guilherme Barrucho
Greg Smith/Latinstock |
AGORA, VICE-LÍDER |
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• Quadro: O gigante das carnes |
Em 1900, o conde Afonso Celso redigiu "Por que me ufano do meu país", manifesto patriótico em que ressaltava as riquezas naturais brasileiras e as potencialidades da recém-proclamada República, predominantemente rural. Traduzido para doze línguas, vendeu milhares de cópias mundo afora. Um século depois – e com a ajuda dos consumidores asiáticos –, o Brasil cumpriu seu ideal, primeiro com a soja e agora com a carne. Na semana passada, a brasileira JBS-Friboi, a maior processadora de carne bovina do mundo, anunciou, em um único dia, uma associação com a Bertin, sua concorrente no mercado nacional, e a aquisição da Pilgrim’s Pride, uma das líderes no abate de frangos nos Estados Unidos. A investida criou a maior companhia de produtos de origem animal do mundo, com previsão de faturamento anual de 29 bilhões de dólares. No Brasil, o novo conglomerado será menor apenas que a Petrobras e a Vale, outras companhias que também faturam alto explorando os recursos naturais.
Com as fusões, a JBS-Friboi terá a capacidade de abater até 90 400 cabeças de gado por dia, ou 8% da produção mundial. É carne suficiente para abastecer a vizinha Argentina, dona do maior consumo per capita do mundo, por cerca de dois anos. O grupo será também o segundo maior processador mundial de frangos e o líder na produção de couros. Esse é mais um movimento de organização e fortalecimento do setor de carnes no país. Recentemente, entre outros negócios, houve a fusão da Sadia com a Perdigão. Essas operações decorrem da necessidade de os grupos nacionais ganharem escala para competir internacionalmente. A JBS, que nasceu como um modesto açougue há cinco décadas, só se tornou líder porque tem feito uma campanha agressiva de aquisição de rivais – aqui e no exterior. A Bertin vinha mantendo conversas há algum tempo com a Marfrig, agora o segundo maior frigorífico nacional. Mas não houve acordo, e a JBS conseguiu fechar o novo negócio ao consentir que a família Bertin tenha participação no comando do novo grupo. Por outro lado, a compra da Pilgrim’s Pride, avaliada em 2,8 bilhões de dólares, foi negociada durante mais de um ano e representou um avanço para a JBS no mercado mundial de aves, setor em que as operações da brasileira eram mínimas. Já a Marfrig, que também possui operações na Argentina e no Uruguai, fechou no início da semana passada a compra da Seara, divisão de aves e suínos que pertencia à americana Cargill desde 2005. "Nessa indústria de margens de lucro apertadas, os ganhos de escala são muito importantes. O fundamental é diversificar as operações", afirmou o analista Reginaldo Takara, diretor da agência Standard & Poor’s no Brasil.
Além de ganhar proeminência global, o gigante de carnes amplia sua liderança no mercado brasileiro, no qual responderá por 27% do abate de gado. Um em cada quatro bifes consumidos no país virá de seus frigoríficos. A concentração desagrada aos pequenos e médios produtores de gado. "Essas empresas vão dominar a compra de bovinos no Brasil. A competição será praticamente impossível, e os preços podem ser manipulados", disse a VEJA Péricles Salazar, presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos, a Abrafrigo. Segundo ele, a entidade já encomendou estudos sobre como ficará a divisão do mercado no país após a fusão da JBS com a Bertin. Se for comprovado monopólio, como em Mato Grosso, onde as empresas terão, juntas, mais da metade do mercado, a reclamação será levada ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Mas como esses negócios têm o apoio do governo, inclusive com o financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), é mais lógico que a associação tenha menos obstáculos para ser aprovada. O BNDES, aliás, é hoje grande acionista dos maiores produtores de carnes do país, tendo investido 4,8 bilhões de reais nessas companhias. O banco de fomento estatal já informou que está disposto a desembolsar ainda mais recursos para essas empresas.
A diminuição na concorrência, no entanto, não é a única reserva suscitada pelas fusões dos frigoríficos. Algumas dessas empresas se endividaram em demasia para financiar a aquisição de concorrentes. Como operam num mercado de cotações muito voláteis, podem enfrentar dificuldades para honrar os débitos. Em março, por exemplo, o frigorífico Independência quebrou. O BNDES, que tinha uma participação de 14% na empresa, ficou com o mico. A americana Pilgrim’s Pride é outra firma que evidencia as dificuldades de operar nesse segmento da economia. A queda na demanda por frangos, motivada pela crise, aliada a uma alta no preço da ração, levou a companhia à bancarrota. "A sobrevivência nesse setor não é fácil. Ele deixa pouca margem para erros. Era inevitável que a JBS entrasse no segmento de aves, mas ela precisará ter cuidado", assegurou Osler Desouzart, ex-diretor de comércio exterior da Sadia.
Ainda que pareça um passo maior do que as pernas, a estratégia global da JBS encontra respaldo no cenário promissor do mundo pós-crise. O consumo, combalido por causa da crise das finanças globais, já esboçou reação e deve se recuperar nos próximos anos. Não é à toa, portanto, que os frigoríficos brasileiros concentram esforços na captura dos mercados asiáticos, os que crescem com maior vigor. Ao contrário de outros países que já atingiram seus limites de produção, como os Estados Unidos, o Brasil ainda possui terras e vantagens comparativas que abrem a possibilidade de um aumento significativo na produção de carnes nos próximos anos. Assim, é justificável o patriotismo do conde Celso. Só falta agora que os nossos reis da boiada, líderes mundiais, comecem a desmamar do BNDES.
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NA MESA DO AMERICANO |