"A maldição do petróleo não deriva apenas da excessiva
valorização cambial, mas também do desperdício e da corrupção,
de que padecem nações que escolheram a estatização
e o modelo de partilha"
Os avanços institucionais que consolidaram a democracia (malgrado suas deficiências) e criaram barreiras ao voluntarismo na gestão macroeconômica permitem uma visão otimista do Brasil. Morreu a torta ideia de que a inflação ajuda a desenvolver o país. A estabilidade política e econômica tem bases sólidas.
O risco deslocou-se para o terreno do crescimento. O desafio é concluir a transição para uma economia capitalista e próspera, o que exige reformas para elevar a qualidade da educação, do ambiente de negócios e da logística.
Nada garante, todavia, que galgaremos o status de nação rica. Países cometem erros e perdem oportunidades. Más decisões, influenciadas por grupos que miram interesses de curto prazo, podem minar os de toda a sociedade a longo prazo.
Em recente livro – False Economy: a Surprising Economic History of the World –, Alan Beattie, doFinancial Times, assinala que na trajetória de um país desempenham papel importante o acaso e as escolhas feitas por seus líderes (para o bem e para o mal). Um caso emblemático é o da Argentina.
No princípio do século XX, a Argentina rivalizava com os Estados Unidos. Ambos surfavam a primeira onda de globalização. Eram nações jovens e dinâmicas, com terras férteis e exportadores confiantes. A Argentina, então uma das dez nações mais ricas do mundo, tinha renda per capita superior à da França.
A partir dos anos 30, escolhas erradas e crises políticas contribuíram para a ascensão de Juan Domingo Perón à Presidência (1946), o que seria a mais desastrosa aventura populista da América Latina. Veja-se, a propósito, o artigo de Lee Alston e Andrés Gallo, "Electoral fraud, the rise of Perón and demise of checks and balances in Argentina" (nber.org/papers/w15209).
Perón se guiou pelo redistributivismo e pelo nacionalismo inconsequentes, substituição extremada de importações e tributação das exportações. A inflação e as crises se sucederam até os dias atuais. A Argentina ficou para trás.
O Brasil corre o risco de repetir a Argentina e desperdiçar a oportunidade advinda das reservas do pré-sal. Como no caso dos argentinos e de outros povos que cometeram erros semelhantes, a mudança do modelo regulatório se guia por interesses eleitorais imediatos, pelo nacionalismo démodé e por uma visão estatizante.
Argumentos em prol do modelo de partilha beiraram o delírio: o desequilíbrio crescente entre oferta e demanda de petróleo agravaria conflitos para acesso às reservas. Lembrou-se a invasão do Iraque, sugerindo que os Estados Unidos poderiam tentar a tomada do pré-sal. Se fosse assim, a saída não seria transferir ao estado a comercialização do petróleo, mas nos tornarmos capazes de enfrentá-los.
A guinada estatizante buscou desqualificar quem defende o modelo de concessão. Seria ingênuo pensar que o mercado de petróleo se rege pela livre concorrência. Nenhuma alma viva falou nisso. Ninguém pode pegar umas sondas por aí e furar poço livremente. O regime de concessão tem regras de entrada e limita o acesso às reservas.
A retórica populista de Lula esteve presente no lançamento do novo modelo, na incitação do povo a pressionar o Congresso e no tratamento deselegante e aleivoso ao seu antecessor. Ele disse que prefere ser acusado de estatizante a ser chamado de vendilhão. O alvo é um eleitorado em boa parte sensível a esse palavreado.
A parte da União no Fundo Social será aplicada de forma discricionária pelo Executivo. Na prática, será um orçamento paralelo, manipulável por políticos e burocratas. Um convite ao desperdício e outras coisas mais.
A ideia de substituição de importações ressuscitou. A Petrobras reeditaria o nacional-desenvolvimentismo, exigindo maiores índices de nacionalização de equipamentos. O filme é conhecido: bens mais caros e menos eficientes. A indústria precisa de reformas que reduzam custos sistêmicos, não de proteção indutora de baixa produtividade e em benefício de poucos.
A maldição do petróleo não deriva apenas da excessiva valorização cambial (a "doença holandesa"), mas também do desperdício e da corrupção, de que padecem nações que escolheram a estatização e o modelo de partilha. Podemos comprar um bilhete rumo a um passado que se julgava sepultado.