O Estado de S. Paulo - 22/09/2009 |
O tema da não-proliferação nuclear, por ser muito técnico e árido, talvez não seja o mais adequado para ser examinado neste espaço. Decidi, contudo, tratá-lo da maneira mais direta possível, dada a sua atualidade pela inclusão como um dos itens principais na agenda do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que começa nesta semana em Nova York. O que está por trás dessa discussão e quais os interesses em jogo? O surgimento de um mercado negro internacional de produtos nucleares, o interesse de grupos terroristas na compra de armas de destruição em massa e o crescente número de Estados dispostos a adquirir tecnologia para produzir material físsil, que permitiria a produção de artefato nuclear, ressaltam a importância do tema. O desenvolvimento dos programas nucleares do Irã e da Coreia do Norte e a ameaça de ataque ao Irã por parte de Israel tornam o exame dessa matéria ainda mais relevante. O reconhecimento de outros países nucleares, como Israel, Índia e Paquistão, contra o que dispõe o Tratado de Não-Proliferação (TNP), com o beneplácito dos EUA e das outras potências nucleares, introduz um elemento novo nos debates, às vésperas da conferência que promoverá sua revisão, prevista para 2010. O TNP é o instrumento internacional que regula o regime internacional de desarmamento e de armas nucleares, cujo controle é feito pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). A AIEA, contudo, não dispõe de autoridade legal para realizar inspeções mais detalhadas nos países, nem de meios financeiros para exercer plenamente suas funções. Os EUA, depois dos ataques de 11 de setembro e no auge do unilateralismo da era Bush, adotaram, em 2004, a doutrina da "contraproliferação", cujo objetivo principal é dar às Forças Armadas norte-americanas e às suas agências civis a capacidade de conter a ameaça do uso de armas de destruição em massa contra os EUA ou seus aliados. De acordo com ela, os EUA podem impedir o livre trânsito de materiais, tecnologia e capacitação técnica relacionados com a produção de armas de destruição em massa por Estados hostis - como está acontecendo com a Coreia do Norte - e por organizações terroristas e podem também responder ao emprego desse tipo de armas utilizando qualquer opção militar. Os EUA, de forma preventiva ou em resposta a ataque com armas biológicas ou químicas, e mesmo com armamentos convencionais, podem reagir com armas nucleares. Esse endurecimento na política norte-americana tem impacto sobre as chamadas garantias negativas, previstas no TNP. Por essas garantias, os EUA não poderiam utilizar artefatos nucleares contra países não nuclearmente armados, nem utilizar bombas nucleares de baixa potência, para destruir esconderijos e depósitos de armas subterrâneos, nem armas nucleares miniaturizadas de uso tático. As dificuldades e os desafios da implementação do TNP derivam do desequilíbrio na observância, pelos países nucleares, das obrigações nos três pilares que são a sua essência: desarmamento, não-proliferação e usos pacíficos da energia nuclear. No contexto dos esforços para conter a proliferação de armas nucleares, a entrada em vigor do Tratado de Proibição Abrangente de Testes Nucleares, o início das negociações de acordo proibindo a produção de material físsil de uso em armamentos e a busca do fortalecimento da AIEA são medidas encorajadoras. É relevante também observar, com a eleição de Barak Obama, a aparente mudança de posição dos EUA. Em discurso em Praga, em abril passado, Obama, dando renovada prioridade ao desarmamento, sinalizou sua visão de um mundo livre de armas nucleares. E relançou as relações dos EUA com a Rússia visando a reduzir rapidamente os arsenais nucleares nos dois países. Esses passos positivos deveriam ser seguidos de medidas concretas visando à criação de zonas livres de armas nucleares e ao fornecimento, pelos países que detêm armamento nuclear, de garantias negativas de segurança aos Estados não nuclearmente armados. As discussões sobre não-proliferação não devem implicar a revisão ou relativização do compromisso central do tratado, isto é, a renúncia à posse de armas nucleares pelos países não-nucleares, ao mesmo tempo que se lhes garante o acesso à tecnologia nuclear para fins pacíficos. Em anos recentes, fortaleceram-se as discussões sobre as chamadas "abordagens multilaterais ao ciclo do combustível", cujo objetivo declarado é promover o uso da energia nuclear para fins pacíficos, procurando evitar os riscos associados à proliferação dessa tecnologia e a aplicação a usos não-pacíficos. Os Estados que aderirem a esses esquemas devem aceitar a renúncia ao direito de desenvolver capacidades nucleares autônomas. A criação de um banco de urânio com baixo teor de enriquecimento para garantir o suprimento de combustível nuclear para reatores empregados na geração de energia e a eventual negociação de acordo segundo o qual todas as novas atividades de enriquecimento e reprocessamento sejam postas sob controle multilateral são algumas das ideias em discussão. Por deter uma das maiores reservas de urânio do mundo, dominar o ciclo do combustível nuclear, planejar ampliar significativamente sua capacidade de produção de energia, via usinas nucleares, e, no campo da defesa, projetar a construção de submarino nuclear, e não menos importante, por ter, segundo se noticia, conhecimento teórico e tecnologia para produzir um artefato nuclear, o Brasil tem interesse direto nessa questão. Em próximo artigo, procurarei abordar a questão nuclear do ponto de vista do interesse nacional de nosso país. |
Entrevista:O Estado inteligente
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Não)proliferação nuclear Rubens Barbosa
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