O GLOBO
Um debate ontem na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) mostrou que a mudança do marco regulatório para a exploração do petróleo na camada do pré-sal vai ser mais difícil de ser aprovada do que imagina o governo. A questão técnica está sendo substituída pela disputa ideológica, e nesse campo o governo corre o risco de ver sua base partidária heterogênea se dividir. Os partidos de esquerda que formam o chamado “bloquinho” — PDT, PCdoB, PSB — certamente formarão ao lado do governo, na tentativa de aprovar a mudança de modelo, reforçando o aspecto estatizante da proposta.
Mas a oposição, à frente PSDB e DEM, quase certamente terá o apoio de partidos de centro-direita, como PP, PTB, PR e parte do PMDB, para a manutenção do sistema de concessão. Ou então obrigarão o governo a “negociar” muito essa mudança.
O senador Francisco Dornelles, que faz parte da base política do governo, definiu a situação com objetividade: se colocou contra a mudança do sistema de concessão para o de partilha, como quer o governo, mas garantiu que, se qualquer dos objetivos buscados pelo governo não puder ser alcançado com a legislação atual, ele mudaria seu voto.
E quais são esses objetivos explícitos? Garantir uma “reserva estratégica”, a necessidade de evitar que o Brasil seja um mero exportador de Petróleo; a garantia de que toda a sociedade seja por ele beneficiado e a criação de um fundo de natureza social.
Para Dornelles, o Estado pode, por meio do contrato de concessão, “ter o controle absoluto sobre a exportação do pré-sal, estabelecendo regras referentes a essa exportação”, o que afasta o perigo de o país se tornar apenas exportador de petróleo bruto, sem beneficiá-lo.
O modelo atual também permite o controle estratégico da produção de petróleo.
“O Conselho Nacional de Petróleo (CNPE) é responsável pela velocidade das licitações, e a Agência Nacional do Petróleo (ANP) aprova os planos de produção dos campos a serem explorados”, ressaltou Dornelles.
Já a destinação do petróleo, caso haja situação de emergência, também é estabelecida pelo CNPE e pela ANP. O senador Dornelles, ao defender o modelo atual de concessões, lembrou que a produção de petróleo dobrou na vigência do modelo, passando de cerca de 900 mil barris por dia, em 1997, para mais de 1,8 milhão de barris, em 2007.
E que o montante do bônus de assinatura — que não existe no modelo de partilha, que atingiu quase R$ 2 bilhões em 2008 —, cuja receita está sendo totalmente destinada à União, “seria enormemente ampliado em decorrência da diminuição de risco”.
Uma parcela dos recursos dos bônus de assinatura e das participações especiais pode ser destinada ao Fundo Social, sugeriu Dornelles.
A definição de que a disputa se dará no aspecto ideológico e não técnico foi feita pelo presidente da comissão especial que vai analisar a mudança no marco regulatório, o deputado petista Arlindo Chinaglia, que disse com todas as letras que o objetivo das mudanças, “pelo que está exposto” nas propostas do governo, é aumentar a presença do estado.
Dornelles havia definido sua posição anteriormente, afirmando: “As modificações no marco regulador do petróleo têm sentido contrário à minha visão de organização de Estado. Na realidade, elas se apoiam na concentração de poder nas mãos da União em detrimento de estados e municípios e na ampliação da participação do poder público nas atividades empresariais, com a conseqüente redução da participação do setor privado”.
Essa presença maior do Estado na exploração do petróleo do pré-sal foi um dos temas mais discutidos no painel. O deputado tucano Luiz Paulo Vellozo Lucas chegou a cunhar uma frase — “O governo está estatizando o risco” — ao concordar com o depoimento de alguns técnicos que avaliavam que, no modelo de partilha, o governo tem que assumir integralmente os custos da exploração, ressarcindo-os antes de dividir o resultado.
O fato de o risco de não encontrar petróleo ser bastante reduzido no pré-sal não significa que os custos de exploração sejam pequenos, pois as dificuldades técnicas são grandes.
Pelos cálculos do mercado petrolífero, será necessário um investimento da ordem de US$ 600 bilhões para a exploração do pré-sal, e desse montante nada menos que 30% terão que ser investidos pela Petrobras, se permanecer a determinação do governo de que a petrolífera brasileira tenha uma participação obrigatória de pelo menos 30% de cada campo explorado.
Além da questão constitucional — já que, segundo alguns especialistas, o governo não poderia dar uma concessão à Petrobras ou a qualquer outra empresa sem licitação —, existe o perigo de que a necessidade de garantir os investimentos novos no présal, além dos já existentes, faça a Petrobras ter problemas financeiros no futuro.
Houve um consenso entre os debatedores de que também o fato de a Petrobras vir a ser a única operadora do pré-sal pode prejudicar o desenvolvimento tecnológico. A falta de competividade foi ressaltada pelo deputado Vellozo Lucas como um fator negativo dessa exclusividade para a Petrobras, que, no sistema de concessão, convive com o mercado petrolífero globalizado, trocando informações com outras companhias, absorvendo conhecimento e ampliando suas capacitações técnicas, hoje reconhecidas no mundo inteiro.
Para Dornelles, a discussão do pré-sal começou pelo fim, “muito focada na destinação e repartição de uma receita virtual advinda da complexa exploração do pré-sal”.
Para o senador, a preocupação central deveria estar voltada para os investimentos necessários para à exploração do pré-sal.
O deputado Arlindo Chinaglia acolheu uma sugestão de Vellozo Lucas de que se façam contas e projeções para definir qual dos sistemas é mais eficiente para o país.