Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 26, 2009

Salve Geral, de Sergio Rezende

Doideira geral

Em Salve Geral, o PCC luta por justiça. Não, não é piada


Isabela Boscov

Divulgação

QUE "PARTIDO" É ESSE?
Lucia (Andréa) em visita à prisão: o PCC e o crime travestidos
de luta social e designados por meio de eufemismos


Andréa Beltrão é uma atriz criteriosa, mas nem ela pode salvar certas cenas. Como aquela em que diz para seu amor bandido: "Eu queria ficar aqui com você para sempre". A cena se passa em uma cela de um presídio; que Lucia, a personagem de Andréa, queira amor sem fim é aceitável – mas que, ao dizê-lo, acabe manifestando o desejo de uma estada prolongada na prisão só pode ser resultado de má escrita. Esse problema não acomete apenas os diálogos de Salve Geral (Brasil, 2009), que estreia na próxima sexta-feira no país: é um fato constitutivo do filme do diretor Sergio Rezende. Em teoria, Salve Geral trata dos ataques que a facção criminosa Primeiro Comando da Capital, ou PCC, promoveu em São Paulo, em 2006, quando milhares de presos ganharam indulto para o Dia das Mães e ficaram, assim, disponíveis para matar policiais, incendiar ônibus e espalhar o caos. O filme, porém, é quase tão indiferente ao pânico que os paulistanos viveram quanto os próprios bandidos. Esses, sim, são o foco do enredo. Mas não como agentes de uma ação extorsiva, e sim como um grupo desfavorecido e destratado, que se organiza para lutar pela paz, justiça e liberdade. E os ataques do Dia das Mães seriam um erro estratégico, por indispor a população contra o PCC, mas não de princípio.

Empurrar essas teses adiante requer uma nova série de atentados, desta vez à lógica e ao bom senso. O primeiro está já na trama: o filho de Lucia é preso porque matou com um tiro uma menina, numa briga que se seguiu a um "racha". Mas o filme depende de a mãe lutar por ele com unhas e dentes; ele é, então, no fundo, um bom menino, e o crime não faz o criminoso. Para atenuar a pena do filho, Lucia se envolve com Ruiva (Denise Weinberg, outra boa atriz), advogada do PCC, que usa a nova amiga para despachos sórdidos. Uma hora Lucia sabe o que está fazendo, outra hora, não; fatos são apresentados, e suas implicações são descartadas. As caricaturas de bandidos sagazes e autoridades boçais já eram esperadas, o que não as torna menos irritantes, nem menos ofensiva a adoção do jargão eufemístico dos bandidos – ataques são "festas" e o PCC é "o Partido". Não causa surpresa que, com todas essas qualidades, Salve Geral tenha sido o escolhido para disputar pelo Brasil uma indicação ao Oscar de produção estrangeira. O que significa que a conta só vai aumentar: a população pagou o pato em 2006, pagou boa parte dos 9 milhões de reais do orçamento do filme por meio das leis de incentivo e, agora, não é impossível que tenha de entrar também na vaquinha para o lobby em Hollywood. Haja prejuízo.

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