O GLOBO
O fim da crise ainda está longe mas o ambiente que eu vi em Nova York agora é completamente diferente do que eu vi em dezembro. Ainda que a maioria dos compradores nas lojas seja de estrangeiros, o movimento é bem mais intenso. Em Toronto, o que tem salvado a economia é o turismo de eventos, mas o Canadá teve o primeiro número positivo mensal desde o início da recessão
Nova York não é um retrato dos Estados Unidos, como todos sabem. É muito mais dinâmica, reflete mais a economia mundial do que a do próprio país, mesmo assim, em dezembro, como escrevi aqui na coluna, a frieza do comércio era visível, apesar da proximidade do Natal.
Agora, as lojas estavam movimentadas com pessoas carregando compras, em geral estrangeiros. A cidade estava cheia de visitantes italianos, alemães, russos, chineses, indianos e brasileiros.
Muitos brasileiros.
Uma presença forte assim só mesmo quando o câmbio é bastante favorável ao turismo brasileiro. Os dados das vendas de comércio refletiram esse ambiente nas lojas.
Houve um crescimento de 2,7% em agosto.
Mais um sinal claro aos visitantes é a volta das locações de filmes em Manhattan.
Havia ficado muito caro e a indústria de cinema vinha preferindo outras cidades para cenas urbanas.
Agora tudo parece de volta ao lugar. Encontrei várias vezes ruas ou áreas fechadas para as gravações.
As famílias americanas começam a recuperar parte do patrimônio graças principalmente à valorização forte da Bolsa.
Algumas perdas estão longe da recuperação. Conversei com um acionista do Citibank que permanece inconsolável, apesar da alta dos últimos meses. A ação chegou ao recorde de baixa de US$ 1,02 em 5 de março, subiu para US$ 5,23 em 28 de agosto e agora está em US$ 4,43. Só que no pico chegou a valer US$ 60. Melhorar, melhorou, mas as famílias sabem que parte do seu patrimônio vai demorar a ser recuperado.
Os sinais da crise continuam presentes. O desemprego americano é maior do que parece. Apesar de os indicadores não terem mostrado aumento tão grande de desemprego quanto se previa, o que os especialistas estão dizendo é que há desemprego oculto. O “New York Times” fez uma série de reportagens entrevistando pessoas que desistiram de procurar emprego.
Uma jovem administradora de empresa que voltou a ser dona de casa e mãe em tempo integral lamentou ao “NYT”: “Sinto como se minha carreira tivesse me traído”.
Alguns estão ocupando seu tempo em trabalho voluntário, outros aguardam a melhora da economia para voltar a procurar emprego.
Quando tentarem voltar ao mercado de trabalho a taxa de desemprego vai crescer novamente. O presidente Obama tem dito que o desemprego vai subir.
Durante o último fim de semana Obama fez uma ofensiva inédita na mídia: deu entrevistas a programas de TV — CNN, NBC, ABC, CBS, Univision. Foram gravadas no mesmo Roosevelt Room, com as cadeiras no mesmo ângulo e a conversa foi a mesma.
O presidente tenta aprovar seu plano de saúde. A obamania passou. Já não se vê sua foto em todos os lugares como em dezembro — antes da posse — e as reclamações contra seus erros vão ficando cada vez mais fortes, mesmo abstraindo a gritaria da direita mais radical. A luademel acabou. Agora ele é um presidente de carne e osso cujo desempenho está sendo avaliado.
Os dois discursos que ele fez recentemente tinham diferenças de tom, empenho, eloquência que mostram o grau de comprometimento do governo Obama.
No discurso no Congresso ele parecia o velho e bom Obama de volta: forte, assertivo, convicto. Com as poderosas armas retóricas com as quais ele fez uma campanha vitoriosa, Obama defendeu seu programa de reforma da saúde diante de um Congresso dividido.
Há um consenso entre cientistas políticos de que o programa definirá se ele fracassou ou não no seu mandato.
No discurso que fez no Federal Hall no dia em que completou um ano da quebra do Lehman Brothers ele foi burocrático, sem vigor, repetitivo. A sua linguagem corporal mostrou o que era prioritário para seu governo.
É indiscutível a importância da reforma da saúde.
Nas entrevistas do último fim de semana ele disse inclusive que este ano o custo dos planos já subiu 5,5% e dobrou nos últimos dez anos. O problema é que a nova regulação do mercado financeiro também é fundamental para que ele marque a diferença em relação ao governo anterior.
A crise econômica ainda não acabou, as pessoas que perderam suas casas não as recuperaram, os empregos perdidos não foram recriados, mas os bancos voltaram a distribuir bônus aos seus executivos, muitos dos quais ajudaram a levar o mundo à crise. Como as instituições foram salvas com dinheiro público, uma nova regulação era obrigatória.
Mas agora, envolvido com a reforma da saúde, Obama não terá força política para os dois embates e o tempo está passando.
Ouvi em Toronto uma interessante análise sobre a situação atual de Obama e o significado da sua eleição.
Foi na reunião da APSA (Associação Americana de Ciência Política). Seus mais de três mil participantes e membros encheram o Centro de Convenções de Toronto. Mas o espaço da coluna acabou.
Falo sobre a reunião da APSA outro dia. Hoje apenas registro o movimento das ruas: bem menos intenso do que o final de 2007 quando estive em Toronto. No centro comercial e financeiro o que parece salvar a economia são os eventos, como o da APSA e um encontro de TI da Índia que ocorreu ao mesmo tempo. O Canadá ainda amarga uma queda anual do PIB de 3,4%.