Contra a cegueira
Pesquisadores brasileiros descobrem que a retinopatia diabética
pode ser detectada antes que ocorram as primeiras lesões na retina
Adriana Dias Lopes
Roberto Setton |
De olho nos olhos |
Depois da catarata, a retinopatia diabética é a maior causa de cegueira no Brasil em pessoas com mais de 60 anos. Caracterizada por lesões nos vasos da retina, provocadas pelo excesso de glicose no sangue, a doença avança lenta e silenciosamente. Os pacientes descobrem-se portadores do distúrbio quando a visão já está, em menor ou maior grau, comprometida. Quem flagra a doença mais cedo, caso da metade dos pacientes, consegue retardar seus efeitos mais sérios. Os que recebem o diagnóstico tardiamente só conseguem controlar a retinopatia por meio de tratamentos invasivos, como injeções e aplicações de laser. Liderados pela neurocientista Mirella Gualtieri, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) constataram que, antes de danificar os vasos sanguíneos, o diabetes interfere na comunicação elétrica entre os neurônios da retina. Essa interferência, que se manifesta antes que ocorram as primeiras lesões, pode ser identificada por exames específicos. A expectativa é que, com a descoberta brasileira, tais exames entrem para os protocolos de prevenção da retinopatia.
De acordo com o Ministério da Saúde, o diabetes, em especial o do tipo 2, costuma ser diagnosticado entre sete e dez anos depois do início da enfermidade, com o aparecimento dos primeiros sintomas. Em cada quatro doentes, três não se tratam adequadamente. Ou seja, estão sujeitos às diversas complicações causadas pelas altas taxas de glicemia no sangue. Para se ter uma ideia do que isso representa, 7 milhões de brasileiros são portadores de retinopatia diabética. Já está provado que o monitoramento rigoroso do diabetes reduz em quase 80% os riscos de danos na retina. "Quanto mais cedo conseguimos identificar essas alterações, maior é a chance de o paciente preservar a saúde da visão", diz Francisco Max Damico, oftalmologista do Hospital Sírio-Libanês e um dos orientadores da pesquisa da USP.
O trabalho brasileiro teve como ponto de partida experiências realizadas no exterior com ratos de laboratório. Nos animais, as falhas de comunicação entre os neurônios da retina começaram a ocorrer dois anos antes do surgimento das primeiras lesões nos vasos. Os pesquisadores da USP concluíram que, em seres humanos, o processo é semelhante. Para medir a atividade elétrica dos milhões de neurônios existentes na retina dos nossos olhos, eles recorreram, por exemplo, à eletrorretinografia multifocal. Em uso desde o início dos anos 2000, para o rastreamento de doenças congênitas raras e intoxicações por medicamentos, o exame funciona como um eletrocardiograma do olho. O paciente tem o olho anestesiado com um colírio e permanece por vinte minutos no escuro, de modo a reduzir ao máximo a atividade dos neurônios. Em seguida, por meio de uma lente de contato conectada a um eletrodo, ele é submetido durante vinte minutos a uma descarga de 101 flashes. O eletrodo registra como os neurônios da retina reagem aos estímulos luminosos e transfere essas informações para um computador. Os pesquisadores constataram que 55% dos pacientes diabéticos que não têm o diagnóstico de retinopatia pelo método tradicional, feito por lente de aumento, apresentam alterações quando submetidos a uma eletrorretinografia multifocal. Ou seja, estão a caminho de desenvolver a doença. Os resultados obtidos pela equipe de Mirella Gualtieri serão publicados até o início de 2010 na revista americana Investigative Ophthalmology and Visual Science, uma das mais prestigiosas publicações da área oftalmológica.