Como sair dos vales
e permanecer nos picos
É o que pretende ensinar o novo livro do autor de Quem Mexeu no Meu Queijo?. Na autoajuda corporativa, não existe tempo ruim – nem relevos inacessíveis
Marcelo Marthe
Montagem sobre foto divulgação e ilustração Negreiros |
Em 1985, o americano Spencer Johnson se sentia no fundo de um vale de lágrimas. "Eu me perguntava: pode haver algum significado para um período ruim?", diz Johnson (que prefere não revelar os problemas que o afligiam). A provação ajudou-o a amadurecer um projeto que, treze anos mais tarde, o transformaria num dos mais bem-sucedidos gurus empresariais do mundo: o livro Quem Mexeu no Meu Queijo?. Com essa parábola sobre dois ratos e dois homenzinhos que disputam um naco de queijo num labirinto, lançada em 1998, Johnson encontrou uma forma acessível de falar sobre os desafios de se adequar às mudanças. Dos Estados Unidos à China, o livro vendeu mais de 24 milhões de exemplares (no Brasil, 1,2 milhão). Johnson também credita às dificuldades do passado a ideia que agora, enfim, inspira a sua primeira empreitada original desde a história do Queijo. Picos e Vales (tradução de Alexandre Rosas; Best Seller; 126 páginas; 24,90 reais) pretende ensinar o leitor a tirar o melhor dos momentos ruins. Ele diz que levou 25 anos destilando os conceitos do livro – e calhou de lançá-lo justamente num momento em que o mundo mal começa a sair do "vale" da crise financeira internacional. O autor (e médico) americano é um dos expoentes de uma categoria que desconhece a palavra crise – a autoajuda voltada ao mundo corporativo cresceu e se diversificou nos últimos dez anos. E segue lucrando com a atual turbulência econômica.
"Passar por provações é o que impulsiona o ser humano a crescer", disse Johnson a VEJA (veja entrevista abaixo). Os cataclismos econômicos fazem com que muita gente busque subsídios para lidar com a nova realidade. Significativamente, um dos maiores sucessos da autoajuda de todos os tempos, Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, do americano Dale Carnegie, tornou-se popular nos tempos da Grande Depressão, nos anos 30. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, a livraria virtual Amazon registrou aumento na procura por títulos dessa área nos últimos meses. No Japão, um dos países mais seriamente afetados pela crise, Picos e Vales chegou ao topo do ranking de mais vendidos do site nessa área menos de 24 horas depois de seu lançamento. Em breve, o brasileiro Roberto Shinyashiki também pretende tirar sua casquinha da crise. O tema de seu novo trabalho, A Coragem de Confiar, é o medo – inclusive das tempestades na economia. Só se detecta uma certa ressaca numa vertente desse mercado. No fim de 2007, livros sobre como investir e ganhar dinheiro na bolsa estavam em alta. A crise afugentou os leitores. O brasileiro Gustavo Cerbasi, autor de Casais Inteligentes Enriquecem Juntos (há 163 semanas na lista de mais vendidos de VEJA), parece ser a proverbial exceção que confirma a regra. "Minhas vendagens caíram, mas nem tanto. É que, ao contrário de muitos autores que pregam o enriquecimento a qualquer custo, sempre defendi a cautela nos investimentos", diz ele.
A autoajuda, empresarial ou de qualquer natureza, é um campo em que se encontra muita conversa mole. Mas seria um erro descartar esses livros em bloco. Um bom livro do gênero traduz conceitos complexos para uma linguagem acessível, ainda que às vezes simplória. Picos e Vales, por exemplo, recicla um conceito lançado nos anos 40 pelo economista austríaco Joseph Schumpeter: a "destruição criativa", tese segundo a qual o capitalismo evolui por meio de uma sucessão de crises. "Esses livros cumprem um papel importante, ao despertar as pessoas para os problemas e lhes mostrar caminhos para superá-los", diz o professor Claudio Felisoni de Angelo, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo. A autoajuda empresarial se vale de vários formatos para tanto. Há os autores que investem numa linguagem mais técnica, com recurso ao jargão empresarial. É o caso de Cerbasi e dos americanos Stephen Covey e Robert Kiyosaki. Outros ficam na fronteira entre a autoajuda empresarial e um discurso motivacional genérico – muitas vezes com um pé no esotérico. Aí se incluem Roberto Shinyashiki e o indiano Deepak Chopra (que já viveram dias melhores nas listas de mais vendidos).
Em Quem Mexeu no Meu Queijo?, que rendeu filhotes cuja venda total alcançou 800 000 exemplares no Brasil, Johnson injetou leveza na fórmula desses manuais, ao valer-se de uma parábola para passar sua mensagem. E faz o mesmo em Picos e Vales: um jovem insatisfeito (que mora num vale, claro) certo dia sobe a uma montanha, onde um velho o ensina a lidar com os altos e baixos da vida. A lição: qualquer um, mediante uma mudança de atitude, pode tornar seus vales pessoais mais breves e prolongar sua estada nos picos. O texto é curto e impresso em tipos grandes – o que permite que se leia da primeira à última página em pouco mais de uma hora. O também americano James Hunter usa uma historinha semelhante em O Monge e o Executivo. No livro, ele narra a história de um empresário que larga tudo para viver num mosteiro beneditino – e lá descobre as vantagens de ser chefe generoso (ou um "líder servidor"). Hunter é, aliás, um caso curioso. No mercado internacional, O Monge vendeu 900 000 cópias – contra 2,1 milhões por aqui.
Enquanto ensina as pessoas a sair de seus vales, Johnson vive feliz no que se poderia chamar de seu pico pessoal – uma casa numa praia do Havaí. Ele se mudou para lá nos anos 80, em busca de sossego para refletir e escrever livros. Aos 70 anos, afirma que a chave de seu sucesso é não ter pressa de amadurecer suas teorias baseadas nas próprias vivências. "Faço questão de viver na prática tudo o que escrevo antes de publicar minhas obras. Dou 100% de garantia de que funciona", afirma. Autoconfiança é artigo de primeira necessidade entre os autores de autoajuda.
Montagem sobre fotos Eleanor Bentall/Latinstock, John Parra/Wireimage/Getty Images, Scott Wintrow/Getty Images, Raul Junior, divulgação, Claudio Rossi e ilustrações Negreiros
Fontes: editoras Best Seller, Campus/Elsevier, Gente, Sextante e Thomas Nelson Brasil