Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 15, 2009

Especial A Igreja Universal sob acusação


VEJA

Cheque ao bispo

O Ministério Público de São Paulo acusa Edir Macedo 
e mais nove integrantes da Igreja Universal de usar 
o dinheiro de doações de fiéis para fazer negócios 
e engordar o próprio patrimônio


Laura Diniz

Jose Patricio/AE
AGORA, RÉU
Fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo 
é acusado de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro

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Há 32 anos, os templos da Igreja Universal do Reino de Deus recebem ricos e pobres, crédulos e descrentes, doentes, despossuídos e desesperados. A todos a igreja oferece consolo e, muitas vezes, também uma porta de saída para escapar do vício, do crime e da solidão. Mas cobra caro por isso. Baseada numa particular Teologia da Prosperidade, a Universal, fundada e chefiada pelo bispo Edir Macedo, prega que a maior expressão da fé são as oferendas de dinheiro à igreja (e também de carros, casas e cheques pré-datados). A ideia de que, "quanto mais se doa, mais Deus dá de volta", levada ao paroxismo pela eloquência dos bem treinados pastores da Universal, já fez com que almas crédulas arruinassem suas finanças, seu casamento, sua vida. O Código Penal, contudo, não alcança práticas religiosas. Em linhas gerais, se um brasileiro quiser doar tudo o que tem a qualquer igreja, estará livre para isso. E quem receber a doação também não encontrará empecilhos na legislação. O que não se pode é tapear a lei – e é precisamente isso o que vêm fazendo Macedo e outros nove integrantes da cúpula da Universal, segundo uma peça de acusação elaborada por promotores do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo. A partir da denúncia oferecida pelo Gaeco, e aceita pela Justiça na última segunda-feira, Macedo e seu grupo tornaram-se réus em um processo criminal sob as pesadas suspeitas de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.

Com base numa investigação de dois anos, o MP afirma que Macedo e seu grupo se converteram em uma organização criminosa ao usar as doações de fiéis para engordar seu próprio patrimônio – no caso do bispo, nada desprezível. Além de dono de 90% da Rede Record, Macedo e a mulher, Ester Eunice Rangel Bezerra (ela, dona dos outros 10% da emissora, segundo aparece no contrato de concessão), têm uma coleção de imóveis que incluem, apurou VEJA, dois apartamentos em condomínios de luxo em Miami, nos Estados Unidos: o primeiro, em nome de Ester, foi comprado em 2006 e está avaliado em 2,1 milhões de dólares. O segundo, registrado em nome do casal, foi adquirido no ano passado e custou mais do que o dobro do primeiro: 4,7 milhões de dólares. Ambos ficam na Collins Avenue, um dos endereços mais sofisticados da cidade.

Segundo a denúncia do MP, além de enganar os fiéis embolsando o dinheiro que deveria ter destinação religiosa, a Universal burla o Fisco ao aproveitar-se de sua imunidade tributária e fazer transações comerciais. A imunidade fiscal assegurada pela Constituição às igrejas baseia-se no princípio de que seu patrimônio, renda e serviços visam à atividade religiosa, e não ao lucro. Quando o dinheiro dos fiéis é usado para comprar empresas e jatinhos – caso dos pastores da Universal, segundo o MP –, a Justiça tem de ser acionada.

Em 1997, uma auditoria da Receita Federal sobre as contas da Universal já havia produzido um relatório defendendo que ela perdesse a imunidade fiscal, uma vez que vinha fazendo uso do benefício para ganhar dinheiro. Dez anos mais tarde, ao analisar a situação de cinco igrejas evangélicas, entre elas a Universal, a mesma Receita chegou a iniciar um estudo para regulamentar o uso das doações de dinheiro originário da fé (livre de tributos) em empreendimentos tributáveis. O projeto não foi adiante. Para o advogado da Universal, Arthur Lavigne, a denúncia do Gaeco apenas reúne tudo o que já foi dito contra a igreja desde 1992. Nesses dezessete anos, diz ele, houve mais de dez processos contra  a Universal, e apenas dois estão em andamento, incluindo o que foi aceito pela Justiça na semana passada.

As primeiras investigações sobre as atividades de Edir Macedo e seu grupo na Igreja Universal começaram dois anos antes da investida da Receita. Em 1995, depois da divulgação de um vídeo em que Macedo aparecia ensinando pastores a arrancar dinheiro de fiéis, autoridades federais deram início a uma varredura nas atividades da igreja, mas, até agora, poucas irregularidades haviam sido comprovadas. A diferença entre essas investigações anteriores e o trabalho do Gaeco é que, desta vez, os promotores conseguiram mapear o caminho do dinheiro, desde as doações dos fiéis até a compra de duas emissoras de TV, um prédio e um jatinho modelo Cessna, por 2,5 milhões de reais.

Entre 2001 e 2008, a Universal, segundo os promotores, amealhou 8 bilhões de reais de seus cerca de 8 milhões de seguidores. Metade dessa dinheirama foi parar em contas bancárias da igreja por meio de 4 015 depósitos em espécie – direto das sacolinhas dos dízimos. A outra metade chegou, principalmente, por meio de transferências eletrônicas provenientes de filiais da igreja espalhadas pelo país. A partir daí, o esquema funcionava da seguinte maneira, de acordo com a acusação: a maior parte do dinheiro era repassada, a título de "pagamentos", para empresas de fachada controladas por integrantes do grupo, a Cremo Empreendimentos e a Unimetro Empreendimentos. Ambas movimentaram, entre 2004 e 2005, mais de 70 milhões de reais, ainda que não tenham oferecido no período nenhum serviço ou produto, segundo atesta a Secretaria da Fazenda de São Paulo. Da Cremo e da Unimetro, o dinheiro dos fiéis era enviado para empresas sediadas em paraísos fiscais: a Investholding, nas Ilhas Cayman, e a CableInvest, nas Ilhas do Canal. De lá, retornava ao Brasil disfarçado de empréstimos para pessoas ligadas à Universal, que usavam os valores para transações nada religiosas. Apesar do emaranhado trajeto percorrido pelo dinheiro, ele, na verdade, nunca saiu das mãos da cúpula da Universal. A Cremo é de propriedade da Unimetro – que, por sua vez, pertence às duas empresas sediadas no exterior. No Brasil, a Investholding e a Cableinvest são representadas por Alba Maria da Costa e Osvaldo Sciorilli, executivos da Universal, ligados a diversas empresas do grupo e réus no processo. Assim como o chefe, Alba e também Maurício Albuquerque e Silva, ex-diretor da Cremo e da Unimetro, são proprietários de imóveis em Miami.

O Gaeco sustenta que foi esse o esquema usado pela igreja para comprar, por exemplo, a TV Record do Rio de Janeiro e a TV Itajaí, de Santa Catarina. Ao todo, o império de comunicação da Universal reúne 23 emissoras de TV, 42 emissoras de rádio e várias outras empresas. O do bispo prospera na mesma medida. Em 2007, ele se esmerava na construção de uma casa de 2 000 metros quadrados em Campos do Jordão (SP), no valor de 6 milhões de reais. Naquele tempo, já era proprietário de outra casa na mesma cidade, comprada onze anos antes por 600 000 dólares. Somem-se a isso os imóveis de Miami e não restará dúvida de que Macedo é um abençoado. Resta saber se à luz da lei tanta prosperidade também poderá ser comemorada.

Jose Patricio/AE e Marcos Fernades
CASA DE DEUS, CASA DO BISPO
Um dos templos da Universal em Belo Horizonte e a casa construída por Edir Macedo em Campos do Jordão

 

Com reportagem de Marina Yamaok




UM CORPO DE DUAS CABEÇAS

Nem por milagre é possível dissociar a Record da Igreja Universal. 
Até o presidente da emissora mora em uma casa pertencente 
à Cremo, empresa acusada de lavar dinheiro para os bispos


Marcelo Marthe

Fotos Ricardo Benichio e Thiago Bernardes 
O ESPÍRITO E A CARNE
Um dos bispos do Fala que Eu Te Escuto e os participantes do reality show A Fazenda (à dir.): as duas faces de várias moedas


Na semana passada, o profano e o religioso se confundiam na programação da Rede Record. No horário nobre, o Jornal da Record reagiu às denúncias contra Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, por meio de reportagens que atacavam o Ministério Público e a concorrente Globo. De madrugada, um programa da própria igreja veiculado na emissora, o Fala que Eu Te Escuto, repetia as mesmas reportagens à exaustão. É mais uma evidência de que, a despeito das afirmações de independência da emissora, Universal e Record são metades inseparáveis de um só organismo. Pessoas ligadas à igreja ocupam a maioria dos cargos de direção da emissora. A Universal repassa anualmente à Record montantes crescentes de recursos – foram 240 milhões de reais em 2006, 320 milhões em 2007 e 400 milhões em 2008. Pertencem a ela, ainda, alguns dos principais imóveis onde a Record está sediada. Boa parte das regalias de seus executivos não sai do caixa da própria emissora: na semana passada, VEJA constatou que um deles mora num imóvel pertencente à Cremo, uma das empresas do esquema de lavagem de dinheiro denunciado pelo Ministério Público.

Nos últimos cinco anos, Macedo comandou um esforço de marketing para desvincular a imagem de seu império de comunicação das atividades religiosas. A rede investiu centenas de milhões de reais para modernizar sua programação com novelas como Poder Paralelo e o reality show A Fazenda. O televangelismo, antes salpicado por vários horários ao longo do dia, foi restrito às madrugadas – e se adotou o discurso de que a Universal é apenas uma anunciante como outra qualquer. Não é. Levantamento do Coaf, órgão do Ministério da Fazenda responsável pela fiscalização das operações financeiras no país, mostrou que a Record é a segunda entre as cinquenta principais beneficiárias de transferências bancárias da Universal (a primeira é própria igreja). A compra dos horários na madrugada é um modo de justificar do ponto de vista legal esse aporte vultoso de recursos, que representa uma vantagem competitiva e tanto para a Record diante das concorrentes. A Universal paga à emissora um valor acima de 200 000 reais por hora numa faixa em que ela obtém mísero 1,4 ponto de ibope – enquanto a Globo fatura em média 50 000 por hora no mesmo período, e com audiência bem maior, na casa dos 6 pontos (veja quadro abaixo). Apesar dessa distorção comercial, até agora não se questionou a fórmula de legalização desse duto que abastece a Record com o dízimo dos fiéis.

Bispos "licenciados" ocupam os cargos-chave da Record. Honorilton Gonçalves, um dos denunciados pelo Ministério Público, é o mandachuva da emissora. Os bispos respondem ainda pela área de engenharia e vendas internacionais. Os "obreiros" da Universal, ajudantes leigos, ocupam postos intermediários e funções como as de faxineiro e segurança. A igreja paga para que fiéis e pastores façam cursos como jornalismo e administração, com o intuito de aproveitá-los nos quadros da Record. O atual presidente da emissora, Alexandre Raposo, vive com a família em uma casa num condomínio de luxo em Barueri, na Grande São Paulo, que – conforme VEJA apurou – está registrada em cartório como parte de um conjunto de lotes pertencentes à Cremo Empreendimentos (a assessoria de imprensa da Record limita-se a informar que Raposo vive "num imóvel alugado"). As instalações mais importantes da rede em São Paulo não estão no nome da Record, mas da Igreja Universal. Incluem-se aí o terreno principal da sede da emissora, na Barra Funda, e o edifício no bairro dos Jardins, área nobre da cidade, em que funcionam sua assessoria de imprensa, o departamento comercial e o Instituto Ressoar – braço filantrópico da Record. A emissora alega que paga aluguel mensal pela ocupação do prédio nos Jardins – e não confirma a propriedade do terreno na Barra Funda.

A comunhão espiritual entre Record e Universal também se dá pela via contrária: a igreja se utiliza fartamente dos recursos e do material produzido pela emissora. Num dos QGs de Edir Macedo – o templo localizado na Avenida João Dias, em São Paulo, onde ele e seus principais auxiliares moram quando estão na cidade –, carros de reportagem da emissora ficam à disposição dos bispos doFala que Eu Te Escuto. As equipes do programa utilizam equipamentos da Record para produzir entrevistas nas ruas – e seus repórteres exibem o microfone com o logotipo da rede. Nos bastidores da emissora, artistas e jornalistas reclamam de ver suas atrações na Record serem recicladas no programa dos bispos – sem ganhar adicional de salário por isso.

Com reportagem de Bruno Meier

 

Por que os fiéis doam tanto

Para ganhar a bênção divina, curar-se de doenças, conseguir emprego ou pôr fim a outras aflições. É uma prática antiga, que está no cerne de todas as religiões, mas que a Igreja Universal do Reino de Deus elevou a um patamar inédito


Adriana Dias Lopes e Fábio Portela

Fotos Jorge Junqueira/Divulgação/Reprodução
O REBANHO E O PASTOR
À esquerda, milhares de fiéis lotam um templo da Igreja Universal, no Rio de Janeiro, prontos a fazer doações. À direita, o bispo Edir Macedo, em 1995, não esconde sua satisfação ao pôr a mão em um bolo de dólares durante culto realizado no Madison Square Garden, em Nova York


A Igreja Universal do Reino de Deus é uma potência tanto do ponto de vista religioso quanto do econômico – e uma coisa tem tudo a ver com a outra. Os bispos liderados por Edir Macedo arrastam multidões a seus cultos e conseguem fazer com que elas doem verdadeiras fortunas à igreja. A Universal ocupa o terceiro lugar no ranking das maiores instituições religiosas do país, atrás apenas da Igreja Católica e da Assembleia de Deus, também pentecostal. O bispo Macedo controla um império da fé que conta com 4 700 templos, espalhados por mais de 1 500 cidades, em 172 países. Segundo as estimativas mais recentes, seu rebanho já chega a 8 milhões de pessoas. Essa massa de fiéis é a responsável pelos exuberantes resultados financeiros ostentados pela igreja. A cada ano, a organização do bispo Macedo recebe 1,4 bilhão de reais em doações.

Não há nenhum pecado no fato de uma igreja pedir donativos aos fiéis para sustentar suas atividades. Organizações religiosas também precisam de dinheiro para se manter – é uma prática prevista em lei e que goza de imunidade fiscal. A doação religiosa remonta a Abraão, o personagem bíblico que decidiu repartir seus ganhos com Deus. Ele doou parte do espólio de uma guerra a um sacerdote chamado Melquisedeque como forma de gratidão por ter sido abençoado. O bispo Macedo, portanto, não inaugurou nenhum capítulo novo na história das religiões ao pedir doações, mas é inegável que ele levou esse hábito a um patamar inédito.

Fernando Cavalcanti
CONSELHO DA IGREJA
"Em 2007, eu estava em dificuldades financeiras e pedi aconselhamento a um pastor da Universal. Ele disse que minha vida só melhoraria se eu doasse dinheiro à igreja. Contei a ele que meu marido estava com 2 800 reais guardados em casa, pois havia vendido um carro. O pastor disse que era pouco e perguntou se eu não conseguiria mais. Respondi que havia também 400 reais separados para o aluguel. Ele pediu que eu inteirasse 3 000 reais e levasse à igreja na mesma hora. Fiz o que ele mandou. Quando meu marido descobriu, ficou muito bravo. No dia seguinte, fomos ao templo pedir ao pastor para devolver o dinheiro. Ele disse que era impossível, falou que eu estava com um encosto e ainda mandou meu marido fazer um BO contra mim por furto. Hoje, me arrependo de ter caído naquela conversa."
Simone Vitório, 31 anos, cabeleireira (ao lado do marido, Aparecido)


Macedo arrecada muito porque tem método: ele colocou o dinheiro no centro de seu discurso teológico. Se os católicos veem na doação uma oportunidade de praticar a virtude da caridade, a Universal tem uma visão muito mais pragmática do assunto. A igreja se inspirou nos preceitos da Teologia da Prosperidade, criada por pentecostais americanos no início do século XX, para desenvolver uma linha de raciocínio na qual o fiel faz um "toma lá dá cá" com Deus. Na Universal, ensina-se que a felicidade terrena é uma concessão divina. Apenas quem é abençoado consegue ter uma vida livre de sofrimentos e repleta de saúde e prosperidade material. Para alcançar a graça, no entanto, é preciso viver fervorosamente a experiência da fé e, sobretudo, demonstrá-la. E a melhor forma de fazer isso é entregar dinheiro aos representantes de Deus – no caso, os bispos da Universal – para que ele seja misticamente multiplicado. A doação é um investimento. Quanto mais o fiel der à igreja, mais receberá de Deus no futuro.

A principal modalidade de doação é o pagamento de dízimo. Cada seguidor da igreja entrega 10% de seus ganhos mensais para financiar a obra de Deus. Além disso, os pastores estimulam doações extras – eles precisam cumprir metas de arrecadação para ter prestígio dentro da igreja. "Durante os cultos, é comum ouvir frases do tipo: 'Hoje precisamos de 10% para o Pai, 10% para o Filho e 10% para o Espírito Santo'. Eles são extremamente criativos", diz o sociólogo Ricardo Mariano, da PUC do Rio Grande do Sul. Duas vezes por ano, é organizada em todos os templos a Fogueira Santa de Israel. Trata-se de uma campanha de arrecadação suplementar em que os fiéis escrevem pedidos em pedaços de papel e os pastores se comprometem a levar as anotações até Israel, onde estariam mais perto de Deus. Paralelamente, cria-se um clima de catarse nos templos e as pessoas são estimuladas a fazer doações altíssimas para mostrar a Deus que aceitam se sacrificar pela igreja. Muitos doam todo o dinheiro que têm e, depois disso, joias, relógios, carros, computadores e até imóveis.

QUEM TEM MAIS FÉ DOA MAIS
"Fiquei muito decepcionado com a Igreja Universal. Dei tudo o que podia em busca de uma vida mais feliz. Lá, me diziam que a fé se mede com dinheiro – quem tem mais fé doa mais à igreja. Quem tem fé pequena doa pouco. Numa das campanhas da Fogueira Santa, quando os fiéis dão o que podem e o que não podem, fiz um esforço enorme. Vendi uma chácara que eu tinha e dei tudo para a igreja. Também entreguei meus salários, 13º, férias, vale-transporte e tíquete-refeição. Pegava empréstimo em bancos para dar aos bispos. Eu só queria levar uma vida normal, curar minha depressão, casar, ter filhos. Fiz de tudo, mas nada aconteceu. O que restou foi tristeza e angústia. E muitas dívidas também."
Edson Luis de Melo, 45 anos, aposentado (na foto, com a mãe, Dulce)
Fernando Cavalcanti


A maioria dos seguidores de Edir Macedo, gente humilde, com renda familiar de três salários mínimos e que estudou, em média, até a 6ª série do ensino fundamental, aceita esse discurso e se mostra satisfeita em ajudar a engordar o caixa da organização. Eles acreditam que, de alguma forma, são beneficiados ao se desfazer de suas economias. Mas o fervor pecuniário dos bispos tem levado muitos fiéis a enfrentar a ruína financeira no afã de agradar a Deus. Há gente que, depois de chegar à conclusão de que estava sendo ludibriada, decide entrar na Justiça para reaver o dinheiro que entregou ao bispo Macedo.

Maria Moreira de Pinho, de 72 anos, que vive em São Paulo, é uma dessas pessoas. Ela entrou na Universal em 1991. Em seis anos, vendeu dois apartamentos, algumas ações e as duas máquinas de costura, sua antiga forma de sustento, para arrecadar dinheiro para a igreja. Entregou mais de 100.000 reais aos pastores. "Dei tudo o que tinha pela promessa de ser abençoada", diz. Anos depois, na miséria, ela se revoltou. "Como alguém que passa necessidade e tem de morar de favor pode se considerar abençoada?", indaga. Maria decidiu processar a Universal para reaver seu dinheiro. Apesar disso, não perdeu a fé. Continua evangélica, mas passou a frequentar a Igreja Internacional da Graça de Deus, do cunhado de Edir Macedo, o missionário R.R. Soares. "Agora, pago só o dízimo. Estou aliviada por não ter mais de fazer a Fogueira, prometer dinheiro, vender coisas para dar à igreja", afirma ela. Maria encarna o pensamento médio do cristão pentecostal. Não está arrependida por ter dado dinheiro, mas por não ter recebido a bênção divina em troca. O "toma lá dá cá" não funcionou. Para evitar defecções como essa, os pastores dizem que, se a graça divina não é concedida, a culpa nunca é de Deus, mas do próprio cristão, que teve pouca fé e não se empenhou como deveria. Como se redimir? Aumentando o ritmo das doações, é claro.

Manoel Marques
EU FAZIA LAVAGEM CEREBRAL
"Para me tornar pastor, tive de vender minha casa e doar o dinheiro à igreja. Disseram que era um jeito de provar que Deus estava no meu coração. Quando comecei a pregar, participava de reuniões periódicas para falar sobre metas de arrecadação. Eu fazia uma verdadeira lavagem cerebral nos fiéis para convencê-los a doar mais dinheiro. Precisava levantar 150 000 reais mensais em doações e, depois, aumentar 20% a cada mês. Cheguei a ir para o hospital, tamanha a pressão. Houve um mês em que consegui apenas 120 000 reais. Por não bater a meta, fui xingado de burro e endemoninhado por um bispo. Depois disso, decidi abandonar a Universal."
Jenilton Melo dos Santos, 44 anos, ex-pastor


Exemplos de fiéis da Universal que ficaram na miséria se acumulam. Há casos trágicos, como o do ex-porteiro Edson Luis de Melo, que sofre de depressão severa e entregou cada centavo de seu modesto patrimônio na esperança de ser curado. "Ele achava que a igreja poderia salvá-lo do sofrimento psicológico. Quando não estava trabalhando, estava no culto. No final, doava todo o salário. Não sobrava nada para ele. Esses cinco anos o levaram à falência e à loucura", diz sua mãe, Dulce, que precisou interditar o filho na Justiça para impedi-lo de continuar doando. Outras histórias beiram o anedótico, como a de Gláucio Verdi, que ficou apenas um ano na Universal e acabou com o nome sujo na praça. Verdi passou a frequentar cultos em 2004, quando estava desempregado. Entregou um cheque pré-datado de 1 000 reais ao pastor, sem ter dinheiro no banco. Ele esperava vender uma lambreta para cobrir o pagamento. Como não conseguiu, pediu que o cheque fosse devolvido. Nada feito: a Fogueira de Israel não admite passo atrás. A Universal depositou o cheque de Gláucio e ele está no cadastro negativo do Serasa até hoje.

Todo grupo religioso, seja qual for sua origem, deve ter o direito de professar sua fé em paz. Esse é um dos pilares que sustentam o estado democrático de direito. Perseguições de caráter religioso sempre estiveram entre as piores monstruosidades perpetradas pela humanidade. Mas quem se propõe a guiar um rebanho deveria saber que uma alma que busca conforto na religião para superar um momento de fragilidade emocional atravessa um período de vulnerabilidade. É capaz de tomar atitudes impensadas, com consequências drásticas para seu destino.

Com reportagem de Kalleo Coura

 

 

O padre gastão

Fabio Gonçalves/Ag. O Dia
SOB SUSPEITA
Steckel esteve à frente das finanças da Arquidiocese do Rio de Janeiro por pouco mais de um ano


Não tem, assim, um tamanho Universal, mas não deixa de ser um escândalo. A Arquidiocese do Rio de Janeiro está promovendo uma sindicância interna para apurar malversação de recursos e desvio de verbas entre janeiro de 2008 e abril deste ano, durante a gestão do cardeal-arcebispo dom Eusébio Scheid. O pivô da crise é o padre Edvino Steckel, responsável pelas finanças da arquidiocese, que tem 200 funcionários, uma folha de pagamento de 400 000 reais e é dona de centenas de imóveis na cidade. Em pouco mais de um ano, o padre adotou critérios de administração bem pessoais, digamos. Comprou um carro oficial avaliado em 85 000 reais e decorou sua sala com dois sofás e duas poltronas ao custo de 52 000 reais. Os gastos do padre Steckel eram conhecidos, assim como seu gosto por vinhos caros e suas boas relações com socialites e políticos cariocas. Até abril, quando dom Scheid passou o comando da arquidiocese para dom Orani Tempesta, eram vistos como simples extravagâncias. Foi quando veio a público a compra de um apartamento de 500 metros quadrados, numa das áreas mais caras da cidade. O preço declarado foi de 2,2 milhões de reais. Steckel foi afastado. Se ficar caracterizado o desvio de dinheiro, o caso será levado à polícia.







O culto à prosperidade

Os evangélicos, e em especial os da vertente pentecostal, 
ajudaram a criar na América Latina um ambiente social 
favorável à ética do trabalho e da conquista pessoal


Diogo Schelp

Victor Rojas/Archivolatino

FERVOR Culto evangélico em Santiago do Chile: na América Latina, 
40 milhões são pentecostais



Os escândalos envolvendo a Igreja Universal do Reino de Deus são apenas uma face feia de um movimento religioso que, em pouco mais de 100 anos, construiu na América Latina uma história inspiradora, estendendo a mão àqueles que buscavam conforto espiritual em uma nova fé. Os evangélicos são herdeiros de uma tradição protestante que encontrou solo fértil nos Estados Unidos, baseada no comprometimento pessoal com Cristo e na adesão estrita à Bíblia. A vertente evangélica mais bem-sucedida no subcontinente é a pentecostal, que une a ortodoxia bíblica à ênfase na salvação por meio de milagres. Dois em cada três evangélicos latino-americanos são pentecostais ou neopentecostais – subcorrente que inclui a Igreja Universal. Na América Latina, aonde chegaram por meio de missionários americanos e europeus, as igrejas evangélicas difundiram a ética do trabalho e da realização pessoal e deram um senso de comunidade aos migrantes rurais que vinham para as cidades. A flexibilidade na hierarquia religiosa – qualquer um pode ser pastor, mesmo sem estudos – também ajudou a conquistar adeptos, principalmente entre as massas iletradas. Nos últimos quarenta anos, a população evangélica na América Latina pulou de 15 milhões para mais de 60 milhões de fiéis. Elas seguem uma grande variedade de denominações, algumas autóctones, outras filiais de igrejas brasileiras e americanas.

O pentecostalismo, com sua doutrina do bem-estar econômico indissociável da espiritualidade religiosa, teve o mérito de barrar o avanço de ideologias revolucionárias de esquerda na América Latina. As novas fés protestantes abordam o descontentamento social de maneira radicalmente diferente das teorias marxistas. Para os pentecostais, a pobreza é resultado do fracasso pessoal, não de um sistema econômico injusto. Na década de 70, quando as igrejas pentecostais começaram a crescer mais rapidamente na América Latina, o foco no conforto espiritual e na realização material serviu como contraponto à Teologia da Libertação, aquela estranha concepção marxista de catolicismo que transformou Jesus Cristo numa espécie de Che Guevara da Antiguidade.

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