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Relatividade da teoria
Como funciona a Constelação Familiar, uma terapia inventada
pelo alemão Bert Hellinger que promete curar males físicos
e espirituais em interpretações teatrais de menos de uma hora
Juliana Linhares
Divulgação |
A situação: uma menina perde o irmãozinho, cresce, casa-se e tem um filho que, na adolescência, fica viciado em drogas. A explicação: quando um membro da família morre, é excluído ou tratado com desrespeito, isso cria problemas que vão se manifestar uma ou mais gerações adiante. Assim funciona o mecanismo de descoberta e superação preconizado pela Constelação Familiar, método terapêutico desenvolvido por Bert Hellinger, um ex-padre alemão, hoje com 83 anos, que usa elementos da psicanálise, em especial da vertente junguiana, das técnicas de psicodrama e de algumas convicções de cunho muito pessoal sobre a origem de problemas físicos e psicológicos. Praticada no Brasil há doze anos, a Constelação começou como um método exótico, mas vem ampliando atividades, sobretudo em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Seu pilar central é a crença de que muitos problemas da vida presente de uma pessoa estão relacionados com a forma como seus pais e antepassados em geral lidaram com exclusão, doença e morte. "Bert estudou a psicanálise e percebeu que havia questões que não estavam no nível da consciência, uma vez que elas haviam sido criadas antes do nascimento. Por isso, para muitos pacientes, a teoria psicanalítica não ajudava em nada", diz o discípulo e médico holístico Renato Bertate. "Entre as gerações de uma família, há um equilíbrio de forças que faz com que os acontecimentos da vida de um antepassado reverberem na vida dos mais novos."
Como sempre acontece com métodos alternativos que prometem soluções rápidas, a Constelação é veementemente criticada na esfera das disciplinas consagradas. "Trata-se de um trabalho apenas esotérico", diz Alexandre Saadeh, psiquiatra do Hospital das Clínicas de São Paulo. "Não é brincadeira mexer com conteúdos da vida familiar. É preciso que o paciente tenha um acompanhamento psicoterápico especializado para enraizar suas questões, e isso simplesmente é descartado nas constelações. Muitas das pessoas que aplicam o método não são psicólogos nem psicanalistas."
O método propõe a cura de males físicos complexos, como psoríase e abortos naturais, e emocionais, como síndrome do pânico e depressão. Tudo acontece em uma única sessão de cerca de uma hora, com um grupo de pelo menos quinze pessoas que acreditam na proposta e são convidadas a participar. Elas ficam dispostas em círculo, num salão. O constelado paga 350 reais e expõe seu problema à pessoa treinada no método, o "facilitador", em uma frase muito breve, como "Eu não me relaciono bem com meu pai" ou "Penso muito em suicídio". Em seguida, escolhe pessoas do grupo para representar no meio do círculo, em uma espécie de teatro, seus pais, irmãos e ele mesmo. O facilitador vai pedindo informações sobre a família e, à medida que surgem novos membros considerados importantes por ele (um tio alcoólatra, uma avó depressiva), outros do grupo são arregimentados.
Lailson Santos |
EM BUSCA DE RESPOSTAS |
Desenvolve-se assim uma encenação da história familiar, não necessariamente baseada na realidade, a partir de interpretações do facilitador e improvisações dos encenadores dos personagens. Acaba, em geral, com "pais" e "filhos" se perdoando e aceitando. O clima é muito emocional. Os participantes se abraçam, choram e até passam mal. "Se o constelado entende e aceita o que aconteceu com seus ancestrais, sua vida se transforma. A relação com os filhos melhora, e ele pode até ter avanços na vida profissional", diz a facilitadora Maristela de André, que é economista e engenheira de formação – o método pode ser conduzido por pessoas de qualquer profissão, desde que façam um curso de um ano e meio aplicado por alguém treinado por Hellinger em pessoa. Existem cerca de 200 dessas pessoas atualmente no Brasil. "A técnica se utiliza de recursos empobrecidos do psicodrama. Além disso, pedir perdão faz parte de uma prática religiosa, e não terapêutica", ressalva Márcia Batista, professora de psicodrama da Pontifícia Universidade Católica, de São Paulo. A despeito das objeções dos especialistas, muitos constelados dizem que sua vida melhorou. O consultor de empresas Marcelo Victorino, 40, de São Paulo, buscou a cura de fortes dores nas costas. Na sessão, contou que seu pai brigava muito com sua mãe. "Durante o trabalho, a facilitadora convocou personagens para representar meus quatro avós. Descobri que os avós paternos, que eram árabes, não aceitavam o casamento do meu pai", relata. Victorino continua a sentir dores, mas acha que agora sabe "por que elas existem". A publicitária Renata Feldman, de 35 anos, também identificou em experiências familiares a origem dos ombros doloridos: "Na sessão, lembrei de um ex-padrasto que maltratou muito a minha mãe e assumi que tenho uma péssima relação com meu irmão. A facilitadora me fez entender que carrego no corpo a vivência dessas dores".
Hellinger já esteve três vezes no Brasil e virá de novo em maio do próximo ano para um seminário que já tem 100 inscritos. É, por motivos óbvios, um personagem intensamente polêmico. Além de seu método ser considerado esotérico e patriarcal, também é acusado em sites na internet de simpatizar declaradamente com Adolf Hitler. "Bert apenas diz que ninguém é superior a ninguém e que não somos melhores que Hitler. Ele acredita numa dinâmica de gerações e prega que os que condenarem Hitler, que o excluírem, jamais terão paz em sua vida", declara Mimansa Erika Farny, alemã radicada em Goiás, discípula direta de Hellinger e responsável pela introdução da terapia no Brasil. "Nossa técnica trilha o mesmo caminho da homeopatia, que sempre foi hostilizada e agora é aceita", acredita. "A Constelação pode até ser vista como um jeito novo de terapia familiar. Mas não tem fundamentação sólida, nem décadas de experiência acumulada, como a psicanálise", rebate a terapeuta de família Lidia Aratangy.