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Brüno, o fashionista gay interpretado por Sacha Baron Cohen, de Borat, é
estúpido e abusivo. Mas nunca deixa de encontrar gente bem pior que ele
Isabela Boscov
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• Do arquivo: O führer do ultraje (29/7/2009) |
Despedido de seu programa na TV por causa de uma confusão com uma roupa de velcro em um desfile de Milão, o fashionista gay Brüno vai para os Estados Unidos com a intenção de se tornar o maior superstar austríaco desde Adolf Hitler (suas palavras, sem aspas). Seguem-se então inumeráveis demonstrações daqueles dois efeitos em que o intérprete de Brüno, o inglês Sacha Baron Cohen, é mestre: primeiro, o de fazer aflorar, nas pessoas que encontra, aquilo que elas comumente buscam ocultar para fins de convívio social; segundo, o de fazer a plateia dobrar-se de rir enquanto ódios, preconceitos, ignorância e ganância são flagrados assim nus e em estado bruto. Brüno - O Filme (Estados Unidos, 2009), que estreia nesta sexta-feira no país, leva o ultraje para além de qualquer distância até aqui conhecida. Mas o lascivo, desinformado, superficial e deslumbrado austríaco é só o iniciador dessas situações; nunca lhe falta quem queira agarrar o bastão da estupidez e sair correndo com ele.
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PERNAS, PARA QUE TE QUERO Cohen, como Brüno: situações em que o risco de vida não é só uma hipótese |
Da mesma forma que Borat, o fenômeno que projetou Cohen, Brünoé uma espécie de comédia de horrores, uma incursão por um mundo-cão composto não de abominações, mas de normalidade - ou daquilo que, no dia a dia, visto de relance, inclui-se na normalidade. Que tipo de pessoa, por exemplo, aceitaria sentar-se sobre as costas de um trabalhador colocado de quatro no chão? Em Los Angeles, onde é normal contar que o serviço braçal será executado por latinos, Paula Abdul, a jurada do American Idol, e La Toya Jackson aceitam ser entrevistadas por Brüno sentadas em um mexicano (Paula, com alguma hesitação; La Toya, em cena cortada da versão final por causa da morte de seu irmão, Michael Jackson, sem pestanejar). Ou que tipo de mãe, ainda, toparia que seu filho pequeno fosse fotografado para a publicidade trajado de nazista ou de soldado romano ao pé da cruz? Como hoje todo mundo quer ser famoso, Brüno encontra várias delas - inclusive uma que não vê problema em obrigar a filha de menos de 20 quilos a perder 5 em uma semana ou, caso a dieta não dê resultado, submetê-la a uma lipoaspiração. Ao exibir um piloto de um escabroso programa de TV para um grupo de teste, o protagonista colhe a reação que se esperaria: os voluntários deploram quadros como aquele em que Brüno discute se tal celebridade deveria levar a gestação adiante ("é um útero de quinta categoria") ou interrompê-la. Mas, claro, há ali um produtor e um agente que acharam que valia a pena testar a atração.
Cohen costuma levar sozinho a fama por seu destemor e pelo brilhantismo com que expõe os comportamentos consternadores em que todo ser humano, por definição estatística, vez ou outra derrapa (em alguns casos, vez e outra). De fato, ele se sujeita a situações em que o perigo de vida não é só uma hipótese. Mas há que assinalar a contribuição decisiva de Larry Charles, que dirigiu também Borat e o documentário Religulous, no qual, em parceria com o apresentador Bill Maher, destrói todas as religiões mais ou menos conhecidas em vigor. Cohen é o gênio que vai aonde os outros não têm coragem de ir e tira disso uma comédia avassaladora. Mas Charles é o sujeito que sabe quanto é trágico esperar sempre o pior das pessoas - e raramente ser decepcionado.
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