Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 08, 2009

A arte de Zubin Mehta

veja

Um tesouro nacional

Diretor artístico da Filarmônica de Israel há quarenta anos, o maestro
Zubin Mehta – que não é israelense, mas indiano – conferiu identidade
à orquestra que excursiona pelo Brasil nesta semana


Sérgio Martins

Kfir Sivan/Landov
PATRIOTA ADOTIVO
O maestro Zubin Mehta pertence a uma minoria étnica, os parsis: "Somos os judeus da Índia"


O maestro Zubin Mehta é uma espécie de patrimônio nacional israelense. À frente da Filarmônica de Israel desde 1969, o regente, hoje com 73 anos, transformou a orquestra em referência mundial, famosa por seu impecável naipe de cordas. Ao longo desses quarenta anos – o seu cargo, de diretor artístico, é vitalício –, o indiano já provou sua lealdade ao país que o adotou. No auge da primeira Guerra do Golfo, entre Estados Unidos e Iraque, em 1991, cancelou um concerto em Nova York. Temia-se que o ditador iraquiano, Saddam Hussein, fosse retaliar a investida americana com mísseis contra Israel. Mehta fez questão de tocar com sua filarmônica em Tel-Aviv – por precaução, a plateia assistiu ao concerto portando máscaras contra gás. O músico invoca sua própria condição étnica para explicar a solidariedade ao povo judaico: ele é parsi, etnia que segue a antiga religião zoroastriana na Índia de maioria hindu. "Também somos uma minoria perseguida. Somos os judeus da Índia", disse Mehta, em entrevista a VEJA. O maestro e a Filarmônica de Israel estão no Brasil para uma série de concertos que começa neste fim de semana e se estende até o dia 17, passando por São Paulo, Paulínia, Ribeirão Preto, Rio de Janeiro e Curitiba.

Um dos mais carismáticos regentes contemporâneos, Mehta é amado pelos músicos. "Com ele, não existe aquele tédio que tantas vezes se instala quando os músicos já tocaram a mesma obra dezenas de vezes. Somos todos moleques no palco", diz o oboísta Alex Klein, que foi regido pelo indiano quando tocava na Orquestra de Chicago. Alguns críticos, porém, têm reservas ao maestro. Alex Ross, autor de O Resto É Ruído, uma bela história da música do século XX, considera Mehta um regente sem personalidade, que não confere sonoridade própria aos conjuntos que comanda. A avaliação não é inteiramente justa: Mehta conferiu, sim, uma marca própria à Filarmônica de Israel, especialmente na interpretação de Beethoven e Mahler. O problema de Mehta é a irregularidade: alterna momentos passionais com apresentações em que se mostra dispersivo – ou de franca má vontade, como em um concerto no Brasil, em 2001, no qual a batuta voou de sua mão e foi parar no meio dos violinistas. Menos perdoáveis do que esses lapsos são algumas escolhas discográficas: em 1990, Mehta foi um dos artífices do projeto Os Três Tenores, que reuniu Plácido Domingo, Luciano Pavarotti e José Carreras na interpretação de árias de ópera e canções populares. Também já gravou com o cafoníssimo tenor italiano Andrea Bocelli.

Filho de Mehli Mehta, fundador da Sinfônica de Bombaim, e irmão mais velho de Zarin Mehta, atual diretor executivo da Filarmônica de Nova York, Zubin Mehta iniciou seus estudos musicais em Viena, na década de 50, onde aprendeu regência com o austríaco Hans Swarowsky (que também foi mestre de Claudio Abbado e Giuseppe Sinopoli). Na capital austríaca, conheceu o pianista e maestro argentino-israelense Daniel Barenboim, até hoje seu melhor amigo. Em 1962, depois de ter passado pela Royal Philharmonic, de Londres, e pela Sinfônica de Montreal, Mehta assumiu a direção artística da Filarmônica de Los Angeles, cargo que o consagrou entre os melhores do mundo. No mesmo ano, começou sua colaboração com a Filarmônica de Israel, cuja direção artística assumiria em 1969. Em uma de suas estadas em Jerusalém, em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias, Mehta foi acordado por um zumbido no seu quarto de hotel. Na manhã seguinte, descobriu uma bala alojada na parede acima da cama. "Escapei da morte por alguns centímetros", disse em sua autobiografia, The Score of My Life (A Partitura da Minha Vida).

Em Israel, Mehta se abstém de reger um dos seus compositores favoritos: o alemão Richard Wagner, que foi antissemita fervoroso. "Enquanto houver sobreviventes do holocausto em Israel, não iremos tocá-lo", diz Mehta, lembrando que a música de Wagner chegou a ser executada em campos de concentração nazistas. Barenboim – que é crítico acerbo das políticas de Israel em relação aos palestinos – já afrontou o tabu, executando trechos da ópera Tristão e Isolda em Jerusalém. Mehta não concorda com as atitudes políticas do amigo. "Respeito as opiniões que Barenboim tem sobre o Oriente Médio, mas duvido que ele pudesse expressá-las num país árabe", diz. "Israel ainda é a única democracia da região."


O contrabaixo veio da favela

Alexandre Schneider
SEM FEIJOADA
Adriano Chaves em Heliópolis: salto internacional


Em uma visita anterior ao Brasil, em 2005, o maestro Zubin Mehta entusiasmou-se com aQuinta Sinfonia de Beetho-ven que ouviu em Heliópolis, favela de São Paulo. "A princípio, ele iria apenas ouvir. Mas depois se empolgou, tirou o paletó e saiu regendo", lembra o contrabaixista Adriano Costa Chaves, de 21 anos, que então fazia parte da orquestra que o Instituto Baccarelli mantém na favela. Chaves impressionou o maestro indiano (que, aliás, é contrabaixista por formação): Mehta ofereceu-lhe um estágio com a Filarmônica de Israel. Antes de embarcar para Israel, Chaves fez um curso de preparação, para aprender hebraico e se familiarizar com os costumes judaicos. "Lá não existe carne de porco. Para um fã de bacon e feijoada como eu, foi duro me acostumar", diz. Na orquestra, Chaves teve a oportunidade de trabalhar mais de perto com Mehta – e com outros maestros de fama internacional. "Kurt Masur é mais seco no trato com os músicos e tem interpretações completamente di-ferentes das de Mehta", diz. Hoje, o brasileiro volta ao país natal na condição de integrante da Filarmônica de Israel.

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