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A crise é um pavor
No delicioso terror com humor de Sam Raimi, a funcionária de um banco
é mandada para o inferno - literalmente - por tirar a casa a uma velha
Isabela Boscov
Fotos divulgação |
ESTA NOITE LEVAREI SUA ALMA Alison sofre com a maldição, e a má higiene pessoal, de Lorna: fantasmagórico, e também repulsivo |
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Na sua encarnação anterior à de diretor da bilionária série Homem-Aranha, o americano Sam Raimi tinha um público bem menor, porém ainda mais fiel que o atual. Um público de admiradores arrebatados do gênero que teve nele um dos pioneiros e principais praticantes: o "terrir", ou terror que causa medo e hilaridade na mesma proporção. Com A Morte do Demônio e Uma Noite Alucinante, lançados em 1981 e 1987, Raimi, então um garoto (ele tem hoje 49 anos), demonstrou que orçamento baixo só limita quem não tem imaginação nem domínio técnico. O cineasta tem ambos, em farta quantidade. Usando quase o mesmo roteiro para os dois filmes - um espertalhão, interpretado pelo virtuose da canastrice Bruce Campbell, vai parar em uma cabana no meio da mata onde coisas horríveis o atacam e atormentam -, Raimi cunhou um estilo particular, no qual duas vertentes do horror, a fantasmagórica e a repulsiva, se combinam com audácia. Os espíritos e caveiras assombram Campbell, mas também o estapeiam, e lhe dão cabeçadas, e enfiam os dedos esqueléticos em seus olhos, como se fossem os espectros dos Três Patetas. O ator se vê repetidas vezes coberto de sangue e secreções putrefatas; e, na cena seguinte, já está limpo de novo. Raimi, entretanto, de fato assustava com essas parvoíces, graças acima de tudo ao seu senso de ritmo e às suas inovações - câmeras e lentes que distorciam as imagens de forma a reproduzir a sensaçãoprovocada pelo medo, de que o tempo e os espaços se alongam ou se abreviam conforme a intensidade da emoção. Esse é o espírito que Raimi procura recuperar com Arraste-me para o Inferno (Drag Me to Hell, Estados Unidos, 2009), que estreia nesta sexta-feira no país.
No enredo delicioso concebido por Raimi e seu irmão Ivan, a delicada Alison Lohman é Christine, a encarregada do setor de empréstimos de um banco. De olho no posto de gerente assistente, ela quer mostrar que pode ser uma profissional agressiva e recusa renovar a hipoteca de uma velha senhora, que vai assim perder a casa. A repelente senhora Ganush (Lorna Raver), porém, tem noções avançadas de magia negra. Depois de se atracar com Christine, em uma sequência espetacular, ela completa a vingança rogando-lhe uma praga que tem repercussões tanto imediatas quanto de longo prazo. Mais ou menos como uma hipoteca - só que a de Christine deve terminar em um inferno ainda mais escaldante que o da inadimplência.
Raimi não só prova que é possível fazer terror a partir de um tópico aparentemente incongruente - a crise econômica que roubou as casas a milhares de americanos -, como atesta que permanece insuperável no gênero que popularizou. Metade do tempo, Arraste-me para o Inferno apavora, recorrendo a não mais do que sombras e ruídos, em cuja edição o diretor é mestre. Na outra metade, faz rir (e enoja) com cenas maravilhosas como a do encontro de Christine com um defunto expectorante. E, em dois ou três momentos, atinge o máximo a que o "terrir" pode almejar: provoca arrepios e gargalhadas simultaneamente. Se dá margem a ressalvas, é porque há outros momentos em que é evidente que Raimi poderia ter ido muito mais longe, como o faria em outros tempos. A questão é que, como dizia o tio de Peter Parker, o Homem-Aranha, com grandes poderes vêm grandes responsabilidades - e Raimi, hoje poderosíssimo, já não pode se entregar à anarquia exigida pelo "terrir" com o abandono de antes.
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