É cedo para dizer se as famílias favorecidas com a redução do Imposto de Renda (IR) irão às compras. Isso dependerá, quase certamente, de sua expectativa quanto à manutenção do emprego. Até agora houve poucas demissões, mas a antecipação de férias coletivas, em várias empresas, é um sinal de alerta para grande parte dos trabalhadores.
As vendas de automóveis também dependerão, em boa parte, da avaliação do quadro econômico pelos consumidores. O governo deu às montadoras um bom estímulo à diminuição de preços, com o corte do Imposto sobre Produtos Industrializados. E facilitou as operações de financiamento, ao podar pela metade o Imposto sobre Operações Financeiras.
As empresas do setor, já pressionadas pela redução de vendas em novembro, tentarão com certeza aproveitar os dois benefícios. É hora de oferecer pechinchas. Apesar da crise, provavelmente ainda há muitos consumidores dispostos a aproveitar uma boa oportunidade. Se as montadoras começarem a desencalhar seus estoques, poderão contribuir para o início de um ciclo virtuoso. A indústria automobilística, assim como a da construção civil, tem grande importância estratégica porque mobiliza uma variedade enorme de fornecedores.
Por sua vez, o pacote anunciado na sexta-feira pelo governo paulista reforçará a política adotada pela administração federal. Beneficiará vários setores, facilitando o pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e reduzindo os encargos fiscais de um considerável número de empresas. Isso aumentará o fôlego financeiro dos contribuintes, mas eles dependerão também da evolução da demanda e, portanto, das condições do emprego.
O complemento ideal de todas essas medidas é a elevação do investimento em energia, transportes e outros itens da infra-estrutura. É preciso facilitar a execução de projetos entregues ao setor privado e desemperrar as obras dependentes do governo. Falta abandonar o falatório sobre o Programa de Aceleração do Crescimento e reconhecer que, se a gestão não melhorar, as obras continuarão paradas ou em marcha lenta.
Para evitar problemas, o governo deveria, finalmente, limitar seu custeio. Reunido com dirigentes de grandes empresas, o presidente da República ouviu, entre outras sugestões, a de suspender, por alguma ação legislativa, os aumentos salariais aprovados para o funcionalismo. Mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nunca foi além do discurso, quando se tratou de conter o custeio para dar espaço ao investimento.
A crise internacional agrava-se com rapidez e contamina as economias dinâmicas da Ásia. Na zona do euro, a produção industrial de outubro foi 5,3% menor que a de um ano antes - a maior redução observada em 15 anos. No Japão e na União Européia novos estímulos de centenas de bilhões de dólares foram anunciados para complementar esforços até agora malsucedidos. Não se pode contemporizar, e o governo brasileiro, afinal, mostrou haver reconhecido a gravidade do quadro.
A maior parte das medidas anunciadas em Brasília - como a criação de alíquotas intermediárias para o IR, um alívio para trabalhadores de renda média e média baixa - poderia estar em vigor há muito tempo, como parte da rotina, se não tivesse prevalecido a voracidade fiscal, complemento da vocação para a gastança inútil. A crise poderia ser o momento de uma conversão à austeridade e ao gasto produtivo.