Não permitindo o Estado de Direito americano que ela seja antecipada, nem mesmo em um quadro de calamidade pública (como ocorreu com o argentino Carlos Menem em 1989, substituindo Raúl Alfonsín antes da hora, sob uma inflação de 3.000%), cobrou-se do eleito que ao menos antecipasse a formação do comando responsável pelo resgate da economia e o que houvesse de planos nesse sentido: um lampejo no fim do túnel, em suma. A limitação política, o outro fator determinante na escalação da nova equipe, é a condição de Obama de recém-chegado a Washington. O senador de primeiro mandato por Illinois não tem uma estrutura própria de poder nem sequer no Partido Democrata, cujo apparat ainda responde ao ex-presidente Bill Clinton, muito menos nas instituições de governo e paragovernamentais dos EUA. Foi o que ele admitiu, com outras palavras, quando lhe perguntaram se não havia clintonistas demais no seu selecionado. "A última gestão democrata foi a dele, afinal", argumentou, acrescentando que a crise não lhe permitia nomear autoridades sem experiência em economia - "como eu próprio", deixou subentendido.
Decidido a não fazer marola em outra área crítica para o seu país atolado em guerras no Iraque e no Afeganistão, o Obama pragmático (o que ele sempre foi, lembra a velha guarda de Chicago) resolveu manter o atual secretário de Defesa, Robert Gates, que defende sem meias palavras a aventura iraquiana. Tão ou mais controvertida do que essa escolha foi a da ex-primeira dama e ex-rival Hillary Clinton. Primeiro, como já se escreveu, porque Obama, num mau negócio, estará "levando dois pelo preço de um" - alusão ao antigo ocupante da Casa Branca, que na campanha foi ainda mais duro (e inconveniente) com o adversário da mulher do que ela mesma. Segundo, porque Hillary é um trator com direção própria - o marido que o diga. Terceiro, porque ela é muito mais dura do que Obama parece ser em relação ao terreno minado do Oriente Médio. Ferrenha defensora de Israel, partidária da invasão do Iraque e do uso da força para impedir que o Irã venha a ter a bomba, Hillary, como ninguém no novo governo, testará a promessa de Obama de que, seja qual for o seu time, "a visão de mudança virá antes de mais nada e da forma mais importante de mim".
Com a escolha de Hillary, decerto ele quitou a maior conta a pagar de sua campanha - a adesão do casal, com seus eleitores, à candidatura Obama, depois das prévias democratas. Quando a dívida foi assumida, a onda pró-Obama, embora já de proporções havaianas, ainda não havia alcançado as alturas a que sua eleição a levou. Agora, a pergunta que o acompanhará à Casa Branca é se os seus recursos individuais de poder - o carisma e as esperanças que desperta no mundo, o ar de estadista avant la lettre e a sua espantosa capacidade de mobilizar a opinião pública - bastarão para que se imponha a um gabinete habitado por estrelas e egos entumecidos, prontos não só para rivalizar entre si, mas a agir como se dotados dos mais amplos poderes. Obama talvez não tivesse escolha, mas a verdade, notadamente com Hillary, é que ele transgrediu a lei de Tancredo Neves: não nomeie ninguém que não possa demitir.