Toda união aduaneira tem uma TEC - a tributação aplicada pelos sócios aos produtos originários de fora da área. Não tem sentido aplicar essa tarifa no comércio entre os parceiros, mas, no Mercosul, essa tem sido a regra. Essa perversão - uma das muitas desse estranho bloco sul-americano - é um dos obstáculos a um acordo de livre-comércio com a União Européia, como lembrou a seus colegas o ministro Amorim.
Nem tudo, no entanto, acabou em divergência. Houve alguns acordos, sempre com maiores encargos para o Brasil. O governo brasileiro se dispôs a dobrar sua contribuição para o Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul. Essa contribuição, R$ 70 milhões, já representa 70% do valor arrecadado. Brasília também propôs a criação de um Fundo de Garantia para Pequenas e Médias Empresas, destinado a companhias envolvidas em projetos de integração. A maior parte do dinheiro sairá do Brasil.
Além disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu ajudar a Bolívia a escoar sua produção têxtil. Como o governo boliviano expulsou a Agência Antidrogas dos Estados Unidos (DEA) e rompeu a cooperação bilateral no combate ao tráfico, as autoridades americanas suspenderam as preferências comerciais concedidas aos produtos da Bolívia. O governo brasileiro decidiu propor aos sócios do Mercosul uma ação entre amigos: relaxar o sistema de regras de origem para facilitar o ingresso de têxteis e confecções exportados pela Bolívia. O presidente Evo Morales toma suas decisões de política externa e os outros pagam pelas conseqüências. Os outros, no caso, são a indústria brasileira e seus trabalhadores.
Evo Morales, naturalmente, aproveitou a reunião na Bahia para reclamar da injustiça do governo americano. O mundo anda cheio de injustiças, segundo os governantes da América Latina. Vários deles, incluídos o próprio Morales e seus colegas venezuelano, equatoriano e paraguaio, anunciaram há pouco tempo a intenção de rever suas dívidas externas. O Brasil, já escolhido como alvo do calote pelo presidente Rafael Correa, do Equador, está na mira de todos, mas o assunto, até ontem, não havia entrado explicitamente na agenda.
Hoje prossegue o festival na Cúpula América do Sul-Caribe. Haverá, como de costume, longas declarações sobre como integrar a região para promover o desenvolvimento, combater a pobreza e enfrentar as grandes potências. Uma das novidades nesse happening de senhores maduros e um tanto apegados à retórica dos anos 50 é a presença do presidente Raúl Castro, herdeiro do governo cubano.
Mas a novidade maior, segundo o chanceler Celso Amorim, é a celebração de um encontro de cúpula "sem a presença de poderes externos". É uma provocação gratuita aos Estados Unidos, à Espanha e a Portugal, que um diplomata hábil não faria. Foram necessários, de acordo com o ministro, 200 anos para isso, desde a vitória dos primeiros movimentos de independência na América Latina e no Caribe.
Certamente, se não se esperasse 200 anos para promover essa reunião, os EUA não tentariam impedi-la. Consultado sobre o assunto, o encarregado da América Latina no Departamento de Estado, Thomas Shannon, não se mostrou muito triste. O governo americano, respondeu, não pediu para ser convidado.