Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 13, 2008

Crise O pacote de alívio fiscal para a classe média

Bolsa classe média

O governo anuncia o pacote de alívio direto aos consumidores
que pagam impostos no Brasil. Uma raridade destinada a conter
o vendaval da crise internacional


Marcio Aith

Sergio Dutti/AE

AÇÃO CASADA
Mantega, da Fazenda, e Meirelles, presidente do Banco Central: novas iniciativas para estimular o consumo e deter a tendência de queda do PIB em 2009



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Quadro: Como vai funcionar o alívio do governo

Existe no Brasil uma cruel concentração do fardo tributário sobre poucos que pagam em favor de muitos que são isentos ou sonegam. Somente um em cada dez trabalhadores paga imposto de renda. Os outros nove são formalmente isentos ou tiram seus proventos do mercado de trabalho informal. É notadamente do esforço desses 10% de brasileiros que o governo extrai boa parte do óleo que lubrifica a máquina oficial e alimenta os programas sociais, assim como os parcos investimentos públicos. Esse contingente de contribuintes trabalha em média cinco meses por ano apenas para pagar impostos, diretos ou indiretos. Diante dessa anomalia, surge como um alívio, ainda que marginal, a opção feita pelo governo para estimular o consumo por meio de corte de impostos. A equipe econômica anunciou na semana passada a redução do imposto de renda (IR) das pessoas físicas, do imposto sobre produtos industrializados (IPI) cobrado nos automóveis novos e do imposto sobre operações financeiras (IOF) que incide nas compras a prazo e no uso do cheque especial.

Ao todo, 8,4 bilhões de reais deixarão de fluir dos contribuintes para o governo com as medidas. É pouco, se comparado à arrecadação tributária total, que atingiu 1 trilhão de reais neste ano. Mesmo assim, é dinheiro que vai reforçar a poupança e o consumo privados. Na concepção de seus idealizadores, a medida visa a estender um pacote de bondades aos assalariados, equivalente a um Bolsa Família da classe média. Esse foi o estrato social que, até outubro passado, fez o país prosperar em meio à turbulência dos mercados mundiais. No terceiro trimestre deste ano, o PIB brasileiro aqueceu, enquanto o resto do mundo já esfriava com a crise dos mercados. Esse resultado se deveu justamente à ascensão nos últimos dois anos de 20 milhões de novos consumidores no Brasil, oriundos das classes D e E. São pessoas que atingiram os níveis de consumo de classe média, mesmo que ainda nos primeiros degraus. Com uma enorme propensão para a compra de carros, eletrodomésticos e quaisquer outros bens financiáveis, elas passaram a pagar impostos, diretos e indiretos, e a reforçar o caixa do governo. A crise ameaça tirar-lhes o doce da boca. São elas, agora, as que mais ganham com a redução de impostos.

Jaja Carneiro/Reuters

FALTOU COMPRADOR
As montadoras do país possuem 300 000 carros encalhados nos pátios: resultado do crédito escasso

"Essa medida mostra nosso compromisso com o alívio fiscal e nossa determinação de impedir que o consumo esfrie", disse o ministro da Fazenda Guido Mantega a VEJA. A principal medida é a criação de uma nova tabela do IRPF, que terá mais duas alíquotas a partir de janeiro: 7,5% e 22,5% (veja o quadro). Para essas alíquotas será redirecionada boa parte dos contribuintes que hoje estão nas faixas de 15% e 27,5%, respectivamente. Como proporção da renda, o alívio será mais sentido entre as pessoas que ganham na faixa de 2 000 reais por mês. Para elas, a redução do imposto retido na fonte poderá chegar a 50%. Mas a medida vai beneficiar todos os que pagam IR. Quem ganha acima de 3 582 reais terá um desconto de 89,50 reais por mês. "Não é uma panacéia, mas o consumidor terá uma folga de recursos para adquirir bens e serviços", afirmou o ministro.

Vários especialistas elogiaram a redução geral de impostos, mas criticaram a mudança nas alíquotas do IR. Diz a economista Eliana Cardoso: "Complicar o imposto de renda é a última coisa que a gente deveria fazer. Se o governo queria reduzir a alíquota, que reduzisse as que já existiam. Não faz sentido introduzir mais alíquotas. Eu vejo isso mais como uma medida política de apelo popular". Na mesma linha falou o ex-secretário da Receita Everardo Maciel. "A medida contrasta com a tendência mundial de simplificar o imposto de renda, rumo a uma alíquota única. Nenhum país no mundo aumentou o número de alíquotas nos últimos trinta anos." Outros elogiaram a mudança. Para Heleno Taveira Tôrres, professor de direito da USP, a criação de alíquotas intermediárias é bem-vinda por contemplar a mobilidade econômica recente da sociedade brasileira. "Alguns países têm alíquota única, mas isso só funciona onde há outros mecanismos de ajuste fiscal."

As duas novas medidas anunciadas pelo governo – a redução do IOF sobre empréstimos e do IPI na venda sobre carros novos (veja o quadro) – visam a solucionar entraves localizados. Desde outubro, em decorrência do recrudescimento da crise internacional, a oferta de crédito secou. Com menos crédito veio um consumo menor. Com menos consumo, os primeiros anúncios de demissão. Até a semana passada, a maior parte das ações do governo buscou apenas reidratar o crédito doméstico. O Banco Central, por exemplo, já liberou 94 bilhões de reais em depósitos compulsórios que antes eram obrigados a ficar parados nos bancos. A ação funcionou e, segundo os dados mais recentes, o volume de crédito na economia já retomou os níveis de agosto, anteriores ao aprofundamento da crise externa. O problema é que, ainda que o crédito tenha voltado, os juros foram às alturas.

Boris Horvat/AFP

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Por que os juros subiram tanto, se os volumes já se normalizaram? A explicação vem, mais uma vez, do desaparecimento do crédito externo. Grandes empresas nacionais (e até mesmo gigantes, do porte da Petrobras) passaram a enfrentar dificuldade para rolar seus débitos lá fora. Tiveram, assim, de buscar dinheiro no mercado doméstico, dragando os recursos que antes irrigavam o crediário dos consumidores e o financiamento de empresas pequenas. Em resumo, houve mais gente procurando empréstimos, e os juros cobrados na ponta final subiram, mesmo diante da manutenção da taxa referencial da economia (a Selic) em 13,75%. Para baixar os juros dos consumidores, o governo reduziu o IOF cobrado nos empréstimos, de 3% para 1,5% ao ano. Espera, com isso, que os bancos diminuam a taxa cobrada das empresas e das pessoas físicas em aproximadamente 4 pontos porcentuais. Além disso, para evitar que os grandes conglomerados industriais continuem a disputar os empréstimos que deveriam chegar aos consumidores e às pequenas empresas, o Banco Central destinará parte dos dólares das reservas internacionais a grandes grupos brasileiros – sejam eles privados ou públicos. "Na prática, o BC cumprirá, por um momento, o papel que deixou de ser do sistema financeiro privado", disse a VEJA o presidente da instituição, Henrique Meirelles. Se der certo, essa última medida não só vai desafogar o crédito interno como também retirar a pressão sobre o câmbio. Isso porque a nova linha criada pelo BC permite às empresas obter lá fora, diretamente das reservas, os dólares necessários para honrar seus compromissos externos. Como o dinheiro não sai do Brasil, não haverá troca de moedas. A cotação do dólar, portanto, não será pressionada.

Em situações normais, mudanças tributárias, especialmente no imposto de renda, deveriam ser feitas com um caráter mais de permanência e estabilidade. Momentos extraordinários, no entanto, exigem ações emergenciais, como as anunciadas pelo governo federal. Na semana passada, o governo de São Paulo também anunciou um alívio tributário para estimular a indústria do estado. Em um país com uma carga tributária de 35%, convém apoiar medidas de alívio fiscal. Elas são raras. Resta torcer para que as empresas repassem a redução dos impostos a seus produtos.

Com reportagem de Benedito Sverberi, Cíntia Borsato e Renata Moraes


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