Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 06, 2008

A crise chega à economia real

O vendaval se aproxima

A crise econômica começou a dar as caras no Brasil com
demissões em empresas mais dependentes do ambiente
externo. O governo planeja um novo pacote de incentivo
aos investimentos para proteger os empregos

Dida Sampaio/AE

AGORA VAI DOER
Dilma e Lula: velhos discursos e novos pacotes para evitar as demissões



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Nesta reportagem

Quadro: Primeira linha de frente

Um dos ditos mais cruéis sobre crises econômicas busca explicar a diferença entre a recessão e a depressão: "Recessão é quando os outros perdem o emprego. Depressão é quando você perde o emprego". O Brasil, felizmente, não enfrenta ainda nenhum dos dois fenômenos. A economia do país se compara a um automóvel em desaceleração, que ainda segue adiante. Mas os efeitos da crise passaram a ser percebidos com uma intensidade bem superior à de uma simples marola. A turbulência financeira agravada em setembro nos Estados Unidos já atinge a economia real brasileira, despertando justamente o fantasma do desemprego. Nas últimas semanas, diversas empresas anunciaram demissões como forma de ajuste a um cenário econômico muito mais pessimista. Pelo menos 12 000 vagas devem ser eliminadas até o fim do ano. O número ainda é pequeno diante dos 5 milhões de empregos formais criados no país desde o início de 2006, um recorde, mas trata-se de um alerta de que a euforia ficou para trás. O vendaval se aproxima.

Os setores mais afetados são justamente aqueles que mais se haviam beneficiado dos tempos de crédito farto, como é o caso dos veículos, dos eletrônicos e da construção civil. Além, é claro, dos exportadores de matérias-primas, impulsionados pela emergência da China como voraz consumidora de commodities, como o minério de ferro e a soja. Esses setores mudaram abruptamente de humor. "Até pouco tempo atrás, perdíamos o sono porque não tínhamos pessoas qualificadas para ocupar os cargos. Hoje, fazemos ginástica para mantê-las conosco", afirma Marco Dalpozzo, diretor global de recursos humanos da mineradora Vale, a maior empresa privada do país. "Precisamos nos adaptar à nova realidade internacional." No fim de outubro, a Vale anunciou a redução de quase 10% (30 milhões de toneladas) de sua produção anual de minério de ferro. Na semana passada, fechou quatro unidades de extração de minérios em Minas Gerais e decidiu demitir 1 300 funcionários. Demissões também foram anunciadas na construção civil, nos bancos e nas montadoras. O setor de autopeças prevê a eliminação de 8.000 postos até o fim deste ano. Nas montadoras, 50.000 funcionários entrarão em férias coletivas.

Divulgação

NA ALEGRIA E NA DOENÇA
Mina da Vale e desempregados na China: a retração na Ásia reduziu a compra de minérios brasileiros

Stringer/Reuters

Isso significa que a economia brasileira será engolida pela crise? Não necessariamente. Para a indústria automobilística, por exemplo, a previsão é que os ajustes sejam transitórios e as vendas voltem a crescer tão logo a crise seja debelada, como mostra reportagem que começa na página 158. A maior parte das empresas do setor mantém seus projetos de investimentos e acredita que o Brasil segue como um dos mercados mais promissores para os próximos anos. A ressalva, no entanto, não reduz o drama dos demitidos. O ajuste feito até aqui tem afetado principalmente os trabalhadores da classe média, os últimos a se beneficiar da melhora do mercado de trabalho. "Mesmo antes de a crise piorar, havia a percepção de que a classe média seria a primeira a sofrer. Agora, esse grupo de empregados será o primeiro a ser cortado, já que ganha relativamente bem e representa um custo mais identificável", afirma o economista Sérgio Vale, da MB Associados.

Essa onda inicial de anúncios de demissões e férias coletivas, no entanto, ainda está longe de se transformar em uma catástrofe como a que se abate sobre a economia americana – lá, a economia está em recessão e quase 2 milhões de empregos foram sacrificados neste ano (leia a reportagem seguinte). A economia brasileira tem se mostrado mais resistente a intempéries do que no passado, e, apesar de uma retração na atividade prevista para durar até o primeiro trimestre de 2009, a expectativa é que, a partir de meados do próximo ano, a locomotiva retorne aos trilhos e volte a acelerar-se. Se isso se confirmar, o aumento do desemprego não será agora tão acentuado como o registrado em 2003, quando a taxa alcançou 13% (hoje, esse índice está em 7,5%, o segundo menor desde que a atual pesquisa começou a ser feita, em 2002). Segundo projeções do economista Fábio Romão, da LCA Consultores, o número de vagas abertas será superior à quantidade de postos fechados, mesmo no ano que vem. Para o analista, haverá a criação de 1,2 milhão de empregos com carteira assinada – uma queda em relação aos 2 milhões de postos abertos em 2008, mas, sem dúvida, um número positivo em meio à mais severa crise financeira internacional desde a Grande Depressão de 1930.

O governo decidiu se mexer – afinal, a popularidade assombrosa do governo Lula, que bateu o recorde de 70% de aprovação, deve-se muito ao aumento da oferta de trabalho e da renda dos brasileiros. Na última sexta-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reuniu-se com empresários na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e afirmou que planeja editar um novo pacote de medidas a ser apresentado ainda nesta semana. A idéia é estimular aquelas atividades que criam mais empregos. Entre as iniciativas discutidas estariam a redução de IOF sobre operação de crédito, a ampliação do seguro-desemprego de cinco para dez meses, a redução temporária da alíquota do imposto de renda para pessoa física, além de estímulos fiscais para a agricultura, a indústria automobilística, a produção de energia e o setor de máquinas. A ministra da Casa Civil e possível candidata petista à Presidência, Dilma Rousseff, exibiu otimismo: "Temos os instrumentos para combater o desemprego. Essa é uma das questões centrais do governo: não deixar que haja uma queda na oferta do emprego que comprometa tudo o que conquistamos até agora". Já o presidente Lula, num discurso memorável feito na quinta-feira passada, lembrou as virtudes adquiridas pela economia do país e chegou a se dizer um "dom Quixote" do otimismo (veja o quadro abaixo). Por enquanto, o presidente segue em sintonia com a opinião pública. Nada menos que 42% dos brasileiros concordam, total ou parcialmente, com a frase dita por Lula no início de outubro: "Lá fora, a crise é um tsunami. Aqui, se chegar, vai ser uma marolinha". Mas os brasileiros estão cientes dos riscos e da gravidade da situação. Ao menos 68% dos entrevistados acreditam que "nenhum país está a salvo e todos serão atingidos pela crise".

O Brasil, nunca é demais lembrar, ainda resiste bravamente à tormenta externa, algo muito diferente da crise de 2002, que lançou o país na recessão do início de 2003. Naquele período, a economia era muito mais vulnerável, as reservas internacionais se derreteram rapidamente, a inflação fugiu do controle e o governo teve de correr ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Hoje, o país tem um colchão de reservas acima de 200 bilhões de dólares e a inflação segue dentro da meta. Além disso, conquistou novos "troféus", como o grau de investimento, obtido em abril. Diante da atual crise, o governo também tem agido com eficiência. O Banco Central foi o ator principal na injeção de liquidez no sistema. Só na redução de compulsórios (dinheiro que os bancos são obrigados a deixar no BC), foram 94 bilhões de reais. Houve também o direcionamento de mais 31 bilhões de reais para socorrer os bancos pequenos e médios, os mais impactados pela escassez de crédito internacional, além de linhas de ajuda à exportação. Mesmo assim, os esforços do governo não contiveram a alta do dólar, que ultrapassou a marca dos 2,50 reais na última semana, a maior cotação desde abril de 2005

Medidas anticrise são bem-vindas. Mas é a serenidade na condução das finanças do país que, acima de qualquer pacote emergencial, blindará o país contra o vendaval gelado que se aproxima a cada dia.

Fotos Gabeirl de Paiva/Ag. Globo

Lula e a crise

Comentários feitos pelo presidente Lula para uma platéia de artistas, na última quinta-feira, no lançamento do Fundo Setorial do Audiovisual

"É preciso que a gente dê a dimensão correta do que está acontecendo no mundo, porque o mundo também não é bobo de se deixar autoquebrar. Hoje nós somos um país com a economia consolidada, um país com 207 bilhões de reserva"

"Nós não vamos investir nenhum centavo em custeio enquanto tiver dificuldade, mas vamos investir todos os centavos possíveis em coisas produtivas, em coisas que possam gerar empregos, em coisas que possam gerar distribuição de renda, salário e poder de compra para o povo brasileiro"

"Imaginem vocês, se um de vocês fosse médico e atendesse um paciente doente, o que vocês falariam para ele? ‘Olha, companheiro, o senhor tem um problema, mas a medicina já avançou demais, a ciência avançou demais, nós vamos dar tal remédio e você vai se recuperar.’ Ou você diria: ‘Meu, sifu’? Vocês falariam isso para um paciente de vocês? Vocês não falariam"

"Tem horas que me sinto um dom Quixote. Às vezes me sinto sozinho tentando pregar o otimismo em uma coisa muito prática, que é fazer a economia girar"

"Quando o mercado teve a dor de barriga, que foi uma diarréia insuportável, quem é que eles chamaram para salvá-lo? O estado que eles negaram durante vinte anos. É por isso que o mercado precisa de controle e de regulação"

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