Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, dezembro 10, 2008

Augusto Nunes Como ser popular no Brasil moderno


Jornal do Brasil - 10/12/2008

O presidente Lula atribui o alto índice de popularidade à linguagem que usa. "Falo diretamente ao coração do povo", explicou. A colagem a seguir reúne uma reduzidíssima parcela dos melhores momentos do improvisador infatigável.

Minha mãe foi uma mulher que nasceu analfabeta. Então, eu já nasci no meio de uma crise, porque era filho de mãe pobre e sem marido. Outra crise foi quando conheci meu pai, porque ele estava casado com outra mulher. Crise é comigo mesmo. Essa agora pode ser um tsunami longe daqui, aqui vai ser uma marolinha. Tem gente que não gosta que eu sou otimista. Se vocês fossem médico e tratassem de um doente em situação grave, o que falariam pra ele? Dos avanços da medicina ou diriam: "meu, sifu"?. O chato é que a gente trabalha feito um disgramado e aí vem a turma do cassino arrumar problema.

Um dia acordei invocado, telefonei pro Bush e disse: Bush, meu filho, cuida da tua crise, porque não vou deixar ela atravessar o Atlântico. A crise elegeu pra presidente o primeiro americano negro. Acho que vou me dar bem com o Obama. Passei muitos anos achando que ser antiamericano era não beber Coca-Cola, depois fui ficando mais maduro e percebi que, quando a gente levanta de madrugada, e tem uma Coca-Cola gelada na geladeira, não tem nada melhor. Na conversa com o Khadaffi, contei que o Brasil ficou um tempão sem conversar com a Líbia porque os americanos não gostavam dos libaneses.

O Obama tem que cuidar da crise e acabar com o embargo de Cuba. Não precisa estudar em Harvard pra governar melhor que os outros. É a primeira vez que o Brasil tem um presidente e um vice que não têm diploma universitário. Isso não é mérito, mas é histórico. Fiz em cinco anos o que não tinham feito em 500. Pernambucano não deixa pra depois. Na primeira noite de casamento engravidei minha galega.

Nunca antes neste país existiu um presidente como eu. Eu sempre falei a língua do povo. O resto a gente aprende. É importante falar onde o povo está, como foi num dia em que fui falar de biodiesel no Nordeste, quando eu expliquei: vim aqui trazer uma mensagem positiva que já falei na fábrica porque pensei que vocês estavam lá, e se eu soubesse que vocês estavam aqui não tinha feito o discurso lá, tinha feito aqui.

Não adianta falar com essa gente que vive torcendo todo santo dia pra que dê tudo errado no governo do operário nordestino que virou presidente. Todo santo dia vem uma acusação sem prova contra amigo ou parente do Lula. Brasileiro é a favor do combate à corrupção nos outros, não nele.

Presidente tem de viajar bastante, me orgulho de ser um camelô do Brasil, que só não faz fronteira com Chile, Equador e Bolívia. É um aprendizado lascado. Em qualquer lugar do mundo que eu vou, eu tenho que levar flores ao túmulo do herói nacional. No Brasil não tem. O Panamá conheço só de dormir. Sempre que eu ia a Cuba, tinha que dormir uma noite lá. De avião, o mundo ficou pequeno. Até falei pro presidente do Gabão que o Atlântico é apenas um rio caudaloso, de praias de areias brancas, que une os países.

A imprensa fica vigiando pra ver se faço alguma coisa errada. Prestam mais atenção no papel que joguei no chão, no cigarro que fumei escondido, nem escuta o discurso. Se estou com uma dor no pé, não posso nem mancar, para não dizerem que estou mancando porque estou num encontro com os companheiros portadores de deficiência. Os companheiros deficientes não querem ser chamados de coitadinhos. Está cheio de gente que tem duas pernas, duas mãos, enxerga com os dois olhos e tem deficiência que o mundo inteiro não conserta.

Do que gosto mesmo é de um improviso, falo sobre qualquer coisa sem dificuldade, graças a Deus. Numa vez que falei de doença mental, falei que isso não deve ser difícil para ninguém. Sabemos que o problema não atinge apenas os que já foram identificados como pessoas com algum problema de deficiência, porque a dura realidade é que todos nós temos um pouco de louco dentro de nós. Quem não acreditar, é só fazer uma retrospectiva do seu comportamento pessoal nos últimos 10 anos.

Quando me aposentar, não vou pra Harvard, nem quero ganhar dinheiro fazendo palestra. Volto pra São Bernardo, pra ficar com meus amigos do sindicato. Vocês, quando se aposentarem, têm que procurar alguma coisa pra fazer. Ficar em casa só atrapalha o resto da família.

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