blog Noblat 8/8
Impossível negar: foi frustrante a distância abissal entre o que foi vendido previamente e o que foi entregue de fato na TV durante a transmissão do espetáculo de abertura das Olimpíadas de Pequim - proibir até imagens e referências a Mao Tse-tung e sua era, para o bem ou para o mal, quando o assunto é a história da China, é demais! Belo e monumental, é verdade, mas plástico em excesso, como gostam os novos donos do poder e os obedientes filhos da terra de Confúncio. Faltou a paixão à flor da pele dos tempos da revolução do camarada Mao.
Não dá para engolir sem amargo protesto e uma doce sensação de saudades do ursinho Micha, de Moscou em 1980, ou dos tenores empolgantes no azul límpido de céu e mar da mediterrânea Barcelona, em 1992. Para culminar, a narração de Galvão Bueno foi de doer nos tímpanos e encher a paciência! Mas, sobre isto, Noblat disse quase tudo, na sexta-feira mesmo, em seu Blog.
As reduzidas doses de emoção servidas no Ninho de Pássaros, sob céu soturno e poluído da capital chinesa - esta referência tende também nos próximos dias a ficar tão chata quanto a reclamação dos baianos sobre o preço do quiabo do tradicional Caruru de Cosme e Damião, sempre merecedora de generosos espaços da imprensa local - não sustenta mais que três parágrafos de uma análise. Ainda assim, seguramente irá ocupar hoje fartos espaços nos jornais, além de preencher horas infindáveis de comentários no radio e na televisão: na Europa, França e Bahia.
Assim, fujo da Ásia e opto por fixar o olhar em outros fatos e imagens da semana. Prefiro vibrar com uma demonstração exemplar de jornalismo atento aos lances e signos do jogo do poder na América do Sul: a foto de primeira página do diário argentino "Pagina 12", terça-feira (05), sobre o encontro entre a presidenta Cristina Kirchner e seus colegas Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Hugo Chávez da Venezuela. Sorridentes, mãos sobrepostas, diante de um daqueles microfones que descem do teto, típicos das capas dos discos latinos dos anos 50, os integrantes do trio dão a impressão de agradecer aos aplausos do público depois de uma apresentação vocal. Ao lado da imagem, o título sintetiza o encontro com originalidade: "A Três voces" (A três vozes).
Foi esse o tom da mídia do país vizinho em suas páginas de cobertura factual e nos espaços de Opinião. Enquanto isso, por aqui, boa parte da imprensa optava por repisar a improvável "surpresa" do desembarque do venezuelano para reunir-se com seus dois colegas do Mercosul. Chávez é pintado como uma espécie de E.T. incômodo. O intruso que aparece na festa sem convite, a celebridade oportunista, voz dissonante que só serve para tirar proveito da apresentação até então realizada "em perfeita sintonia" pela dupla Cristina-Lula, e receber algumas sobras de aplausos do público.
Principalmente, dos 264 empresários brasileiros que voaram com Lula e substancial parte de seu ministério, além de mais de mil homens e mulheres de negócios da Argentina, convidados especiais da festa em BAs, responsável esta semana por uma das maiores concentrações do PIB já registradas ultimamente em qualquer cidade do continente. Mas a pergunta que não quer calar é a seguinte: a chegada de Hugo Chávez foi surpresa para quem?
Afinal, desde a véspera, não se falava de outra coisa nos movimentados cafés, bares, restaurantes e boliches de Buenos Aires, cada dia mais abarrotados de brasileiros. O próprio jornal Página 12 informava, com destaque, ao lado da notícia da presença de Lula, que desfilara sobre amplo tapete vermelho aberto em sua chegada no Aeroparque: "A Presidenta (Cristina) e Nestor Kirchner jantaram com ele (Lula) à noite e começaram a limar as diferenças sobre as negociações de comércio internacional" (depois do recente fracasso na Rodada de Doha). "Hoje se agrega Chávez e há expectativas sobre as inversões brasileiras no país", completava o jornal, sobre a iminência da chegada do venezuelano.
É difícil acreditar, portanto, no suposto desconforto de Lula ante a aparição do colega Chávez que, segundo se espalhava principalmente entre alguns diplomatas e empresários, não estava nos planos do colega do Brasil.
Se havia algum mal-estar, nada disso transparece nas fotografias do trio. Ao contrário, o que se vê são sorrisos e abraços mútuos. Cristina Kirchner não se mostrava tão contente e descontraída há muito tempo, comenta-se em todas as tocas portenhas. Chávez, sempre mais indiscreto, até revelou que Lula lhe havia trazido de presente três camisas brasileiras. "Uma, obviamente, vermelha", conta um diário.
Cristina, Lula e Chávez promoveram uma espécie de mini-cúpula, que o venezuelano define como "eixo Caracas-Brasília-Buenos Aires". Acrescentaram até novos pontos da agenda para um próximo encontro do trio, depois que Lula voltar de Pequim. Desta vez, o trio se apresentará em Recife, Pernambuco, Brasil, anunciaram seus componentes ainda em Buenos Aires.
Provavelmente para evitar mais "surpresas".