Encabulado com a façanha protagonizada involuntariamente pelo traficante Fernandinho Beira-Mar, que acabara de superar o recorde mundial de milhagem aérea sob o patrocínio do governo, o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, anunciou em 2003 o que pode ser chamado de PAC das Cadeias. Até o fim de 2006, prometeu, estariam em funcionamento quatro presídios federais de segurança máxima – tão eficazes quanto os americanos, tão temidos pela bandidagem que até psicopatas tratariam de conseguir nota 10 em comportamento.
Antes que alguém tivesse a grande idéia, Fernandinho Beira-Mar vivia a bordo de aviões fretados pelo Planalto, em busca de pistas de pouso sempre interditadas por governadores assustadiços. Nenhum se dispôs a abrigar um inimigo público de tal porte. Depois do palavrório do ministro, o bandido em trânsito continuou sobrevoando o Brasil, mas pelo menos a solução perfeita estava a caminho.
Ainda não chegou. Dos quatro presídios prometidos, dois foram inaugurados (fora do prazo) e dois continuam à espera de verbas. Como falta dinheiro, faltam carcereiros. Como faltam carcereiros, faltam presos.
Talvez seja mais sensato inaugurá-los só depois de restaurada a credibilidade dos já existentes, baleada pelo onipresente Fernandinho. Bastou-lhe um ano de hospedagem no presídio federal de Catanduvas, no interior do Paraná, para transformar-se em gerente honorário do primeiro hotel gradeado do país. Enquanto comandava pelo celular ações criminosas executadas por comparsas em liberdade, o delinqüente dos ares investiu parte do dinheiro ilegalmente arrecadado na conquista da simpatia da vizinhança. Passou a pagar as despesas dos parentes em visita a engaiolados, incluindo pensão e táxi. Examinava o problema da comida quando foi transferido para outro presídio.
Construída nas cercanias de Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul, a segunda das quatro cadeias incomparáveis fora inaugurada com pompas e fitas. É ainda mais segura que a pioneira, entusiasmou-se Tarso Genro, que substituíra Márcio Thomaz Bastos. Não é, acaba de mostrar – ele, de novo – Fernandinho Beira-Mar.
Além dos rigores impostos por penitenciárias do gênero, os administradores de Campo Grande reservaram a Fernandinho as durezas do Regime Disciplinar Diferenciado, o RDD. Prisioneiros sob tal regime vivem em completo isolamento. Só ficam fora da cela uma hora por dia, sozinhos. Não podem conversar com outros detentos. A freqüência das visitas conjugais é bem menor. As visitas de parentes e advogados são monitoradas por agentes carcerários, que promovem sucessivas revistas à caça de celulares.
Algo deu errado, constatou há dias a Polícia Federal. Usando celulares que não poderiam estar lá, Fernandinho conversou com quem não poderia ter conversado e concebeu, nas barbas dos carcereiros, uma megaquadrilha especializada em seqüestros. O traficante carioca dividiria o comando com Juan Carlos Abadía, chefe do maior cartel colombiano, e um representante de Marcola, presidente do PCC. O espetáculo de estréia incluiria, entre outras ações espetaculares, o seqüestro de um filho do presidente da República.
Lula nada disse sobre a revelação espantosa. Nem o ministro Tarso Genro. Algo anda errado com o Brasil.