Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 23, 2008

Olimpíada A vitória dos donos da casa

Olimpíada
O triunfo da China

O país anfitrião queria quebrar seu recorde de medalhas.
Conseguiu. Queria ultrapassar os Estados Unidos. Conseguiu. 
Queria disparar no primeiro lugar. Conseguiu. Os chineses
deram um espetáculo de competência e determinação


Carlos Maranhão, de Pequim

Mike Blake/Reuters

ORGULHO OLÍMPICO
As inquebráveis ginastas chinesas festejam o ouro na competição por equipes

Nunca antes na história deste país acontecera algo parecido. Com uma tradição olímpica de apenas 24 anos, depois que se tornou comunista, a China, ao organizar os Jogos de Pequim, assumiu como uma questão de estado a duríssima tarefa de quebrar seu recorde de medalhas, ultrapassar os Estados Unidos em número de conquistas e terminar, disparado, em primeiro lugar na competição. Todos esses objetivos foram alcançados. Os chineses, que em um passado recente eram ótimos unicamente para jogar pingue-pongue, empinar pipa e promover brigas de grilo, transformaram-se na grande potência esportiva internacional do momento. O triunfo da China foi acachapante.

Disputar as provas em casa, e com o apoio de uma orgulhosa e enlouquecida massa de torcedores – seu grito de guerra, Djai youl! (Vamos!), foi trilha sonora das disputas em Pequim –, sem dúvida ajudou bastante. Desde o início dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, em 1896, quando os gregos obtiveram em Atenas um terço de todas as medalhas de ouro que ganharam até hoje, o fenômeno se repetiu em várias ocasiões, alavancando o desempenho de anfi-triões como a Coréia do Sul, em Seul (1988), e a Austrália, em Melbourne (1956) e Sydney (2000). Mas isso não explica tudo. Em Atenas (2004), a Grécia ficou em 15º. E, numa exceção abso-luta às vantagens que o promotor sempre leva, em Montreal (1976) o Canadá não pegou um mísero ouro.

Quinn Rooney/Getty Images

PRÓXIMA PARADA
A Inglaterra, dos ciclistas Jason Kenny e Chris Hoy, investe pesado para brilhar na Olimpíada de 2012, em Londres

A contagem de medalhas também pode ser enganosa. Veja-se o caso da extinta União Soviética, cujas conquistas olímpicas, medidas pela quantidade, só perdem para as dos Estados Unidos. Ou o de Cuba, outrora no pelotão intermediário. A URSS foi, de fato, um gigante esportivo. Ocorre que seu tamanho não cresceu nos eventos nobres, o atletismo (teve um quinto das 309 medalhas de ouro dos EUA) e a natação (doze, contra 214 dos americanos e 56 dos australianos). Bem ao jeito de Stalin, a força bruta é que adensou as façanhas soviéticas. De seus 395 ouros, 25% foram extraídos de duas minas inesgotáveis: a luta e o levantamento de peso, modalidades que, juntas, proporcionam 33 medalhas. A luta, sozinha, dá mais medalhas (dezoito) do que todos os esportes coletivos (dezesseis). Já Cuba, hoje em decadência esportiva, deve metade de suas 66 vitórias olímpicas aos ringues de boxe.

Para atingirem um desempenho assombroso, os chineses não se fiaram somente na torcida nem foram buscar suas medalhas em uns poucos esportes. Ao contrário, demonstraram extraordinária competência e determinação multidisciplinar. Embora mais de 50% das vitórias da China se concentrassem nos saltos ornamentais, no levantamento de peso e na ginástica artística, seus medalhistas haviam subido ao pódio, até a noite de sexta-feira, em quinze modalidades. Justamente na ginástica, porém, surgiu uma polêmica. A Federação Internacional de Ginástica recebeu do Comitê Olímpico Internacional um pedido de investigação: quantos anos teriam na verdade as adolescentes He Kexin, Jiang Yuyuan e Yang Yilin? Há a suspeita de que seriam "gatas". Segundo uma reportagem do jornal The New York Times, elas teriam menos de 16 anos, a idade mínima estabelecida em 1997 para a Olimpíada. Isso representaria um problema porque as ginastas mais novas têm menos peso, o que facilita as acrobacias. De qualquer modo, não apareceram desta vez denúncias de doping envolvendo campeões chineses.

Lucy Nicholson/Reuters

OS NOVOS CAMPEÕES
Torcedores no jogo de basquete entre China e Estados Unidos. Os chineses perderam a partida, mas ganharam de lavada no quadro de medalhas

O dinheiro foi, obviamente, determinante para que as pretensões da China se concretizassem. A partir da escolha de Pequim para 2008, calcula-se que o país tenha gasto perto de 6 bilhões de dólares com seus atletas, selecionados em 3 000 escolas esportivas. Além disso, contratou técnicos de várias partes do mundo, que trouxeram métodos mais modernos de treinamento (38 deles integraram a delegação olímpica), e optou por investir naquilo em que não se destacava. Em 2000, ao constatarem que atletismo, natação, remo, vela e canoagem renderam 119 medalhas de ouro, os chineses criaram o Projeto 119 (que agora deveria chamar-se 122, pois o número de medalhas aumentou) como estratégia para aumentar suas chances em áreas dominadas pelos ocidentais. O exemplo do remo é emblemático: por ter catorze medalhas douradas em disputa, mereceu mais recursos que modalidades populares como o basquete, que dá duas.

Uma preocupação semelhante centraliza as atenções dos britânicos, colocados diante do desafio de fazer um bom papel em Londres daqui a quatro anos. O orçamento dos Jogos que serão realizados na capital inglesa é de 17,3 bilhões de dólares, ou 43% do chinês. Na preparação dos atletas, a previsão é de um investimento total de 1,1 bilhão de dólares – quantia que começou a ser gasta em 2006 e já rendeu frutos. Em Atenas, a Inglaterra terminou em décimo lugar. Em Pequim, antes do fim de semana, estava em terceiro. Estimulados por Londres-2012, os britânicos voltaram à antiga forma. No quadro geral de medalhas da história olímpica, eles se situam atrás apenas de americanos e soviéticos.

A escolha de um país para sediar a Olimpíada leva em conta o peso político, a força econômica, a infra-estrutura e a segurança interna, além de suas tradições esportivas. São quesitos a que chineses e ingleses atendem com folga. Nesse sentido, o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) entende que a candidatura do Rio de Janeiro para 2016 poderia sair fortalecida de Pequim. Depois de quinze dias de provas, inúmeras esperanças e diversas decepções individuais e coletivas, algumas por descontrole emocional – sobretudo na ginástica e no futebol feminino –, o Brasil exibia na sua delegação de 277 atletas dois medalhistas de ouro e apostava no sucesso das seleções masculina e feminina de vôlei nas batalhas decisivas, além de eventuais surpresas nas derradeiras provas de atletismo. "São resultados que mostram a grande evolução do nosso esporte", acredita o presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman. "Medalha é conseqüência. Praticamente dobramos o número de finais de Atlanta para cá e tivemos conquistas impensáveis até algum tempo atrás." Embora não tenhamos crescido em relação aos cinco ouros de Atenas, o desempenho brasileiro esteve longe, felizmente, do vexame que parecia se desenhar antes que o Hino Nacional começasse a tocar para o nadador César Cielo e a saltadora Maurren Maggi. Mas que dá uma inveja da China, isso dá.

 

Com reportagem de Renata Moraes

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