Rodado em Hollywood,
à moda russa
Em O Procurado, o diretor Timur Bekmambetov
finge fazer um filme de ação típico – mas orquestra
um caos de violência quase medieval
Isabela Boscov
Fotos divulgação |
BELEZA FATAL Angelina, como a assassina da confraria: submeter-se a ela é a única parte do treinamento que não dói |
Para quem se pergunta o que significa exatamente a diferença de "sensibilidade" palpável no cinema originário de latitudes diversas, O Procurado(Wanted, Estados Unidos/Alemanha, 2008), que estréia nesta sexta-feira no país, é um exemplo dos mais ilustrativos. Para todos os efeitos, trata-se de um filme de ação como a maioria dos que Hollywood gosta de produzir: é baseado num quadrinho, tem um visual hipercinético e um enredo fantasticamente tolo (há 1 000 anos, uma guilda de tecelães – sim, tecelães – se constituiu numa confraria de assassinos cujo lema é matar um para salvar muitos) e combina astros consagrados, como Angelina Jolie e Morgan Freeman, a nomes ascendentes, como James McAvoy, de Desejo e Reparação. Mas O Procuradoé dirigido pelo russo Timur Bekmambetov – um sucesso em sua pátria graças aos filmes de vampiros Guardiões da Noite e Guardiões do Dia(um Guardiões do Crepúsculo já está em produção) – e, por causa dele, resulta em algo que apenas finge se encaixar em uma fórmula, causando choque, estranheza e não pouca admiração.
A GENÉTICA EXPLICA McAvoy, o medroso que descobre ser capaz de disparar balas curvas: dom que está no sangue |
Essa sensação surge desde o início, em que McAvoy se apresenta como Wesley Gibson, o entediado, estressado e traído (pela namorada, com o melhor amigo) contador de um escritório de Chicago, flagrado no extremo sofrimento de ter de comemorar o aniversário da chefe obesa. A situação é comum – mas o sadismo com que Bekmambetov a retrata não o é, o que contribui para que se aceite o absurdo que vem a seguir. Segundo Angelina e Freeman informam ao rapaz, ele é filho do melhor de todos os assassinos da confraria, que acaba de ser, bem, assassinado por um integrante rebelde da equipe. Como o cargo é hereditário, inclusive no sentido genético, o medroso Wesley tem no sangue a capacidade de disparar balas curvas e captar movimentos em milionésimos de segundo. Caberá a ele, portanto, executar o insurgente. Desde que se submeta a Angelina (fácil) e ao treinamento (nem tanto), composto de surras e atos semi-suicidas e realizado numa tecelagem que abriga também, sem maiores explicações, um açougue.
Como já se vira em seus filmes anteriores e se confirma aqui, Bekmambetov nutre um despreocupado oblívio por convenções como nexo ou proporção entre causa e efeito. É dono de um talento visual exuberante, casado à alegria palpável de poder agora destruir e arrasar em escala capitalista, e a uma perspectiva residualmente soviética do valor da vida (aos 47 anos, o diretor é um veterano da publicidade e também de outros tempos, que, aliás, não são assim tão diferentes dos novos em seu país de origem). O Procurado, ao contrário do habitual, nunca poupa os inocentes que porventura estejam no meio de um tiroteio ou dentro de um trem que vá descarrilar. Bekmambetov arrasta a todos para o caos, em cenas informadas por séculos de uma convivência íntima, bruta e física com a violência. Esse é um traço que, embora mais exaltado nele, é comum a muitos outros cineastas que despontaram dos escombros da União Soviética: uma violência tão crua e cheia de dor, tão medieval, por assim dizer, que mesmo espectadores já inoculados pelo cinema de ação se sentem impelidos a desviar o olhar. Daí o choque e a admiração que Bekmambetov é capaz de provocar – para alguém que se utiliza da violência como entretenimento, ele é singularmente vívido em demonstrar quanto ela é insana.