Olimpíada | Geopolítica do Esporte
A China quer o primeiro lugar
E tem chance de conseguir: é potência olímpica
e conta com o fator casa para empurrá-la
Mario Sabino, de Pequim
Para que seja respeitado como potência mundial, um país, hoje, precisa ter território vasto, economia pujante, arsenal poderoso – e mais de vinte medalhas de ouro olímpicas a cada quatro anos. Ganhar entre dez e vinte é objetivo de países médios. Os medíocres ficam com menos de dez. E competir por competir é para as nações irrelevantes. Por esse critério absolutamente objetivo, são apenas três as potências mundiais: Estados Unidos, Rússia e China. Os russos suprem a falta de uma economia forte o suficiente, já que são demasiadamente grandes nos outros três aspectos. A inclusão de medalhas ao lado dos demais itens faz todo o sentido – bons resultados no esporte demonstram o grau de capacidade física, emocional, de determinação e de organização de um povo. Por esse motivo os jogos são levados tão a sério por americanos, russos e, há uma década, pelos chineses do "socialismo de mercado".
Andrew Wong/Getty Images |
Ídolo tamanho-família O jogador de basquete Yao Ming, na Praça da Paz Celestial: já o corredor Liu Xiang pode ir para o inferno |
A China tornou-se uma competidora de peso na Olimpíada de Sydney, quando, ao ultrapassar a marca mágica de duas dezenas de medalhas de ouro, conquistou 28 delas e ficou em terceiro lugar. Em Atenas, foram 32 douradas, atrás somente dos Estados Unidos. Em Pequim, os chineses querem o primeiro lugar de qualquer maneira, embora os dirigentes esportivos desconversem na base do "a sua felicidade é mais importante para nós". Hã, hã. Vencer os Jogos é ponto de honra e questão de auto-segurança nacional. Atletas de diversas modalidades foram praticamente confinados em centros localizados na capital chinesa para treinamento ultra-intensivo. Em alguns casos, com o perdão do trocadilho, a tortura foi chinesa. A equipe de tiro adestrou-se ao som de música alta, a fim de aumentar o poder de concentração de seus integrantes. Liu Xiang, coitado, o primeiro chinês a ganhar uma prova olímpica de atletismo, os 110 metros com barreiras, em Atenas, não tem opção: ou é campeão outra vez ou vai para o ostracismo. Entre os poucos atletas chineses que não sofrem tanta pressão está Yao Ming, do basquete. Ídolo tamanho-família – inclusive por ser o genro que toda sogra gostaria de ter –, todos acham que ele já fez muito ao se tornar o primeiro chinês a fazer sucesso na liga americana. Yao Ming, claro, fatura com o reconhecimento: é garoto-propaganda de um cartão de crédito. Os chineses sabem que seria preciso ter outros gigantes em quadra para tirar o ouro dos Estados Unidos – embora, num amistoso em Xangai, contra a Austrália, os astros da NBA tenham suado para ganhar uma partida que julgavam fácil.
Além da preparação draconiana, os chineses contam com o fator casa. Os anfitriões de uma Olimpíada costumam apresentar um desempenho muito superior ao de sua média histórica – desde, é claro, que apresentem alguma tradição nas competições. Em 1988, em Seul, os coreanos arrebanharam doze ouros, contra seis nos jogos anteriores. Os espanhóis, que saíram de Seul com somente um ouro, conquistaram treze em Barcelona, em 1992. Como a China já é uma potência de primeiríssima classe, é provável que seus atletas superem as 32 medalhas de ouro de Atenas e também os Estados Unidos no quadro geral. No fator casa, pesam a torcida, a preparação mais intensa a que os anfitriões, em geral, se submetem e o grau de subjetividade intrínseco a certas modalidades. Em ginástica artística, saltos ornamentais e nado sincronizado, por exemplo, pode estar certo: se na disputa restarem um chinês e um atleta estrangeiro, vai dar chinês. Questão de geografia, de política. De geopolítica.