A tese dourada do mercado financeiro no ano passado, que ainda tem defensores, é a do descolamento: o mundo continuaria crescendo a despeito da crise americana. A tese acaba de sofrer mais um duro golpe. A Europa e o Japão encolheram no segundo trimestre, e a inflação subiu nos Estados Unidos. O que continua válido é que um dos piores desafios é enfrentar, ao mesmo tempo, os riscos de inflação e recessão.
O encolhimento simultâneo dos 15 países da Zona do Euro foi numa proporção que não tinha acontecido desde a entrada da nova moeda em circulação, em 1999. O Japão encolheu forte de abril a junho, 0,6% em comparação com o primeiro trimestre, e 2,4% em relação a um ano antes. Os Estados Unidos estão com a pior inflação em 17 anos: 5,6% em julho contra o mesmo mês do ano passado.
O PIB ficou negativo no segundo trimestre em todos os grandes países da Europa — Alemanha, França, Itália — entre 0,3% e 0,5%. No Japão, caíram o consumo privado, os investimentos e as exportações.
As explicações mostram os dilemas atuais: no Japão, os especialistas disseram que a economia caiu por causa da inflação; na Europa, por causa da elevação da taxa de juros para conter a inflação; nos Estados Unidos, o presidente do Fed, Ben Bernanke, espera que a fraqueza geral das economias reduza a inflação. Ou seja, ele espera que a recessão o salve da inflação, contra a qual decidiu não lutar.
Nos acontecimentos da semana passada, ficou claro que não há solução fácil em economia: a Europa encolheu porque elegeu a inflação como inimigo número um e subiu os juros; os Estados Unidos tiveram inflação porque o Fed avisou que sua prioridade era evitar a recessão, e reduziu os juros. O Japão disse que não cresceu por causa da inflação. Em resumo, não há como escolher que inimigo combater quando esses dois aparecem juntos. Eles criam o pior dilema que os banqueiros centrais têm que enfrentar.
Por outro lado, os “descolados” continuam apostando no vigor da sua tese, porque os BRICs permanecem crescendo. As economias dos quatro grandes emergentes, Brasil, Rússia, Índia e China, vão, de fato, fechar o ano com sólido crescimento, ainda que menor que no ano passado.
Segundo a análise da Goldman Sachs, os quatro países juntos vão representar 50% do crescimento mundial este ano e em 2009, quando, em 2006, equivaleram a 30%. As exportações do Brasil e da Rússia continuam crescendo; até agora, apenas graças aos preços das commodities, porém, em volume, elas começam a cair. Na China, o ritmo está em queda e, na Índia, mais ainda. A China é uma máquina de crescer, mas deve dar alguma engasgada com a paralisação das fábricas para reduzir a poluição do ar nas Olimpíadas. Ainda que essas quatro economias continuem crescendo, há vários sinais de problemas em cada uma delas. O Brasil depende demais do preço das commodities para manter o saldo comercial, que ainda é o que evita a deterioração mais rápida do déficit em transações correntes. O problema é que a queda das commodities, desejada por causa da inflação, é um momento de risco para o Brasil.
A queda do preço do petróleo pode trazer menos efeitos benéficos para a economia americana do que se calcula. Quem diz é a análise semanal do Banco Itaú. É fato que o petróleo chegou a US$ 147 e vem caindo forte. Mas quando se olha o que aconteceu nos últimos quatro meses, apesar das oscilações, a tendência é ascendente. O petróleo está mais caro agora — mesmo considerando as últimas quedas — que no final de março. Ou seja, o ganho para o consumidor americano será menor do que se imagina.
Nos Estados Unidos, alguns dados bons dos últimos meses levam os analistas a acreditar até num bom número na revisão do PIB no segundo trimestre, porém o país continua mostrando o pior desempenho comparado aos outros desenvolvidos.
E a razão principal permanece sendo a crise de crédito detonada pela crise imobiliária, cujo infeliz aniversário os mercados acabaram de comemorar.
Desde o pico em 2006, as novas construções residenciais caíram 50% e não há sinal de que haja algum alívio a curto prazo.
As previsões são de que os investimentos residenciais prosseguirão encolhendo este ano, e também no próximo.
A economia mundial continua passando por maus momentos, com tempo ruim sujeito a surpresas piores, como a do encolhimento do Japão e da Europa no segundo trimestre do ano. Os Estados Unidos só se recuperam depois de 2009; é o que dizem mesmo os analistas mais otimistas.
As economias emergentes continuam crescendo, mas com vários tipos de problemas.
Apesar de os BRICs terem ficado, nos últimos anos, menos dependentes dos mercados dos países ricos em geral, a dependência em relação ao mercado americano como destino das exportações cresceu.
Isso põe mais uma dúvida na capacidade de eles permanecerem crescendo de forma descolada dos países ricos.
No Brasil, indiferente a esse quadro, o governo anuncia aumento de gastos, criação de ministérios, gastos extra-orçamento semanais, subsídios para empresas, novas estatais. Comemora o vôo da economia, ignorando que o mundo em volta está em turbulência.
Os dados da semana passada mostraram que quatro das cinco maiores economias do mundo — os Estados Unidos, o Japão, a Zona do Euro e a Inglaterra — estão com sinais, mais fortes ou mais fracos, de recessão. Não é tempo de aventuras.
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COM DÉBORA THOMÉ
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