Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 23, 2008

Maurren e o primeiro ouro individual feminino

Olimpíada | Ouro
O salto por cima 
de Maurren

A atleta que ficou dois anos suspensa por uso de 
doping vence em Pequim e se torna a primeira 
brasileira a ganhar uma medalha de ouro individual


Thaís Oyama, de Pequim

Flávio Florido/Uol/Folha Imagem
SÓ QUERO OURO
Maurren Maggi não dormiu na noite anterior à competição: "Pensava na prova: não queria ganhar a prata, queria o ouro"

Na Olimpíada de Atenas, em 2004, Maurren Higa Maggi, hoje com 32 anos, viu pela TV sua adversária (e, dizem, desafeto) Tatyana Lebedeva ganhar a medalha de ouro no salto em distância. Ela era então uma dona-de-casa sedentária que vivia em Mônaco, estava casada com o piloto de Stock Car Antonio Pizzonia e grávida da sua filha, Sofia. Mas o motivo pelo qual assistia aos Jogos pela TV, e não da pista de competição, era anterior ao casamento e à gravidez: a atleta havia decidido abandonar o esporte, depois de ter sido suspensa por uso de doping em 2003, acusação que até hoje nega. "Foi um dos piores momentos da minha vida", diz. Quatro anos depois, Maurren Maggi – que não é mais dona-de-casa nem sedentária, não está mais casada nem vive em Mônaco – competiu na Olimpíada de Pequim, venceu a russa Lebedeva e se tornou a primeira brasileira a subir sozinha no degrau mais alto do pódio.

O salto que lhe rendeu o ouro foi dado em Pequim às 8h45 da manhã de sexta-feira, horário brasileiro. A atleta se posicionou na pista do Ninho de Pássaro, ergueu os braços para a platéia, pediu o apoio da torcida e concentrou-se. Em seguida, deu um soco no ar e saltou: 7,04 metros. O ginásio fez "oooohh". Vieram os aplausos. Mas a competição seguiu tensa: Maurren "queimou" os três saltos seguintes. Só conseguiu fazer valer o penúltimo dos seis a que tinha direito e, mesmo assim, com resultado modesto: 6,73 metros. A certeza da medalha só veio quando Lebedeva, que também havia desperdiçado quatro de seus saltos, partiu para a sua última tentativa e o painel mostrou a marca de 7,03 metros – 1 centímetro a menos do que o resultado de Maurren. Foi então que a brasileira começou a comemorar. Abraçou o técnico, Nélio Moura, que a acompanha desde os 16 anos, e correu pelo estádio enrolada na bandeira do Brasil. Chorou e, como já vem se tornando uma tradição brasileira, voltou a chorar no pódio ao ouvir o Hino Nacionale mais outra vez na entrevista coletiva, quando falou dos sacrifícios que teve de fazer para chegar aonde chegou. No caso de Maurren, o maior de todos foi ter de deixar a filha pequena em casa, enquanto se dedicava aos treinos e enfrentava as longas viagens exigidas pelas competições. "Quando disse a Sofia que vinha para a China, ela falou que eu já tinha uma medalha, não precisava buscar outra, e pediu para que ficasse junto dela. Foi difícil", contou. Um pouco antes, na conversa com os jornalistas imediatamente depois da premiação, Maurren, ainda emocionada, disse que não havia conseguido dormir na véspera da competição. Com seu sotaque de "erres" carregados, trazido do interior de São Paulo (ela nasceu em São Carlos), afirmou que tirou apenas um rápido cochilo durante o dia. Passou a maior parte do tempo caminhando pela Vila Olímpica. "Ficava andando debaixo do sol e as pessoas diziam: ‘Menina, vai descansar!’. Mas eu só conseguia pensar na prova. Não queria ganhar a prata, queria a medalha de ouro." Ela já havia tentado conquistá-la uma vez, mas, na Olimpíada de Sydney (2000), quando era uma das favoritas, teve de abandonar a prova devido a uma lesão na coxa direita.

Na entrevista, ela explicou por que decidiu voltar para as pistas, depois de quase três anos de afastamento: "O atletismo é a única coisa que eu sei fazer na vida. Não estudei, não fiz nada, só sei ser atleta. Então, resolvi me dar mais uma chance". A decisão não poderia ter sido mais acertada. A vitória de Maurren é um salto e tanto para o Brasil.

 

Fotos Jonne Roriz/AE, Jiao Weiping/Xinhua/AE
OOOOOHHH!
Às 8h45, no Ninho de Pássaro, a atleta pediu o apoio da torcida, concentrou-se e saltou: o painel marcou 7,04m, 1 centímetro a mais do que faria a russa Tatyana Lebedeva

 

Com reportagem de Kalleo Coura

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