Saúde
A escolha de Christina
Com câncer em uma mama e alto risco genético
de ter a doença na outra, atriz se submete a uma
mastectomia dupla aos 36 anos
Bel Moherdaui
Alberto e Rodriguez/Getty Images |
NA FRENTE DAS CÂMERAS Christina Applegate, antes da cirurgia e depois, falando na TV: "Só pensei em me livrar daquela coisa de uma vez" |
A atriz Christina Applegate despontou para o sucesso na televisão como uma típica beleza americana: loira, magra e belos seios. Assim aparece no seriado Married... with Children (Um Amor de Família), fazendo a filha bonita e nada inteligente, e na série cômica sobre a jovem sem memória de Samantha Who?. Quando descobriu que tinha câncer de mama, enfrentou uma cadeia de sentimentos comum nesses casos: medo, raiva e por fim a decisão de enfrentar a doença como fosse preciso. No caso dela, de maneira radical. Aos 36 anos, solteira, sem filhos, Christina seguiu a recomendação médica e teve as duas mamas removidas. A mastectomia bilateral, do seio onde o câncer se manifestou e, preventivamente, também do sadio, é indicada a pacientes que, como a atriz, herdam do pai ou da mãe (no seu caso, também paciente de câncer de mama) um determinado tipo de alteração genética – a dela, no gene BRCA-1. A prática é mais comum nos Estados Unidos, mas também começa a se estabelecer no Brasil. Aqui, a reconstrução dos seios costuma ser feita junto com a mastectomia, o que diminui as seqüelas emocionais. "A indicação de mastectomia bilateral como profilaxia tem aumentado significativamente. Primeiro, porque a medicina identifica com bastante precisão a paciente de muito risco. E, em especial, porque as técnicas de reconstrução hoje são capazes de deixar a mama praticamente perfeita imediatamente após a cirurgia", diz o mastologista e cirurgião plástico João Carlos Sampaio Góes, diretor científico do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer.
Maior causador de mortes por câncer entre as mulheres no Brasil, o de mama é objeto de seguidas campanhas de esclarecimento. Quanto mais o assunto é tratado às claras, mais a doença é detectada precocemente, com chance de cura muito maior. O grupo de maior risco é o de mulheres com câncer ainda na faixa dos 30 anos e que têm ou uma parente próxima (mãe, irmã, tia, avó) nas mesmas condições ou duas parentes que tiveram a doença na faixa etária em que é mais recorrente, depois dos 40 anos – indício da presença de mutação nos genes BRCA-1 (como Christina) ou BRCA-2. "Se a mulher teve câncer em uma mama e não tem alteração nesses genes, o risco de ter câncer na outra é de 1% ao ano. Se tem a mutação, a possibilidade pode chegar a 60% durante a vida dela", explica Auro del Giglio, coordenador do Programa de Oncologia do Hospital Albert Einstein. Tendo acompanhado o sofrimento da mãe, que é portadora da mutação genética e já passou por uma mastectomia, dois anos de quimioterapia, oito cirurgias e uma histerectomia (remoção do útero), Christina decidiu pelo caminho mais duro e fez a dupla extirpação no mês passado. "Não queria ter de voltar ao médico a cada quatro meses para testar, apertar, procurar. Só pensei em me livrar da coisa de uma vez", disse ela em entrevista à rede ABC.
A probabilidade de transmissão de qualquer dos dois genes alterados ligados à ocorrência de câncer de mama de uma geração a outra é de 50%. A presença de qualquer um dos genes também aumenta o risco de surgimento de câncer de ovário (até 40%, no caso do BRCA-1), e a recomendação médica é que esse órgão também seja removido. "Só não indicamos tirar tanto as mamas quanto o ovário quando a paciente é muito jovem. Nesse caso, recomendamos que tenha filhos logo e aos 30 ou 35 anos removemos tudo", explica o médico Sergio Simon, professor de oncologia clínica da Universidade Federal de São Paulo. Com grande experiência no trato com pacientes e em tratamentos de ponta, ele diz que, ao contrário do que indicaria o senso comum, "a maioria aceita com tranqüilidade". O próprio Simon já encaminhou cerca de quinze pacientes para a cirurgia múltipla. "Praticamente todas fizeram os dois procedimentos, mamas e ovários", diz. Um dado importante, em especial para quem já está ficando preocupada: a mutação de genes acontece em menos de 1% da população. A detecção é feita através de exame de sangue, que no Brasil custa em torno de 8 500 reais. "Nos Estados Unidos, se a mulher tem câncer de mama antes dos 40 anos, o teste é feito imediatamente. Aqui, o custo é alto demais, então não são todas as pacientes que têm condições de fazer", diz Maria Isabel Achatz, diretora do departamento de oncogenética do Hospital do Câncer, de São Paulo. Quem está no grupo de risco mas decide não fazer cirurgias profiláticas precisa se submeter a um acompanhamento minucioso, que consiste em exame físico a cada quatro ou seis meses, mamografia ou ressonância magnética anuais. Para diminuir o risco e a alta ansiedade que o acompanha, Christina removeu as duas mamas, que serão reconstituídas. Com a força que vem de reservas ocultas nessas horas, ainda brinca: "Veja o lado bom: aos 90 anos, vou ter os seios mais bonitos do asilo".
No alvo da fama Mulheres conhecidas que têm câncer de mama e assumem em público a doença, mesmo que tardiamente, ajudam a abrandar o sofrimento emocional das anônimas e a divulgar os tratamentos:
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