Olimpíada | Entrevista
Marta, a mágica do drible
Carlos Maranhão, de Shenyang
Roberto Candia/AP
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NÚMERO SOB MEDIDA Com a apropriada camisa 10, Marta Vieira da Silva deixa a alemã Simone Laudehr para trás: zero a zero na estréia |
É como se a máquina do tempo nos transportasse para as Copas de 58 ou 70 e, numa fantasia adicional, trocasse o sexo dos protagonistas. Com fintas espetaculares e velocidade espantosa, a meia-atacante da seleção brasileira, eleita pela Fifa a melhor jogadora do mundo, tornou-se o maior fenômeno do futebol feminino.
Como você aprendeu a driblar desse jeito?
Sei lá, acho que nasci com o dom. Não treino drible, é tudo na base da improvisação.
Que jogadores inspiram você?
No começo, eu me espelhava muito no Rivaldo da Copa de 2002. Hoje em dia, admiro o Ronaldinho Gaúcho. Acho que, entre os craques atuais, é a quem eu mais me assemelho. E, em alguns momentos, por causa das arrancadas, chego a me comparar ao Ronaldo Fenômeno.
Como os dois Ronaldos, você não é aplicada na marcação. Que outros defeitos precisaria corrigir?
Não acho que eu tenha dificuldade para marcar. Minhas maiores limitações são a perna direita e o cabeceio, fundamentos que quero melhorar.
Das suas qualidades técnicas, qual lhe dá maior orgulho?
A velocidade. Nisso eu sempre fui boa. Quando morei no Rio de Janeiro, sugeriram que eu tentasse o atletismo. Só que nunca pensei em tentar outro esporte que não fosse o futebol. Nem na infância.
O atual futebol feminino lembra o estilo cadenciado que antigamente predominava nas equipes masculinas. É proposital ou um reflexo das diferenças físicas entre homens e mulheres?
O futebol feminino é mais lento, sem dúvida. Não temos a velocidade que os homens têm. Além de tudo, os homens se tornaram mais fortes e velozes nas últimas décadas. Por isso, o futebol das mulheres de hoje se parece com o dos homens de ontem. Acredito que isso vai mudar. Na seleção brasileira, estamos treinando para realizar jogadas com um menor número de toques e maior rapidez.
O que vocês ficam falando quando se agacham para fazer um círculo, abraçadas, antes do início das partidas?
Dizemos que vamos dar o melhor de nós e gritamos assim: "Um, dois, três... Brasil!". No vestiário, rezamos juntas.
Você é religiosa?
Sou católica, como a maioria das meninas. Entre nós, há também algumas evangélicas.
Como você tem enfrentado o preconceito por praticar um esporte que, até pouco tempo atrás, era exclusivamente masculino?
Passo por cima. Sou focada. Desde garota, meu único objetivo tem sido vencer na profissão para poder ajudar financeiramente minha família, que é humilde. Eu soube me impor.
Quanto você ganha?
Nem meio por cento do que recebe um astro masculino. Não dá para comparar meus rendimentos com os de um jogador.
Seriam uns 10 000 dólares por mês?
Ah, ah, ah... Quem me dera! Menos, menos. Eu não falo de dinheiro. O Umea IK, meu clube sueco, paga apenas o suficiente para me manter.
Já tem um patrimônio?
Comprei uma casa em Dois Riachos (cidade alagoana com 12 000 habitantes), onde nasci e mora minha mãe. Dei recentemente um carrinho a ela, um Ford Fiesta. É tudo o que eu tenho, ou melhor, o que ela tem.
Quando recebeu da Fifa o prêmio de a melhor jogadora do mundo, em Zurique, no fim de 2007, todos notaram seu vestido preto, seu salto alto e seu decote. Como lida com a vaidade?
Aquele vestidinho eu fui escolher num shopping carioca, depois de orientada por amigas. Não custou caro. Dentro de campo, não uso maquiagem. Faço escova, é claro, e cuido de minha aparência, como qualquer mulher.
Você está namorando?
Não. Meu namorado é a bola. Brincadeira. Costumo dizer que a gente pode não namorar, mas nunca está sozinha.