Olimpíada | Futebol
Entre a medalha
de ouro e a desgraça
Nos gramados olímpicos, o astro Ronaldinho Gaúcho
e o técnico Dunga não têm saída: se não ganham,
um perde o prestígio e o outro perde o emprego
Carlos Maranhão, de Shenyang
Fotos Awin Chan/Reuters e Roberto Candia/AP |
UM BRILHO LÁ, UNS GRITOS CÁ Ronaldinho mostra um pouco de sua velha arte contra os belgas Fellaini (6) e De Mul, enquanto Dunga dá uma dura no time: para eles, agora é tudo ou nada |
Virou quase uma chatice. A cada Olimpíada, técnicos e jogadores repetem a frase decorada: "Precisamos ganhar a medalha de ouro porque é o único título que falta ao futebol brasileiro". Esse desafio volta a ser perseguido na China por um pequeno grupo de dezoito atletas caçados em quatro times do país e onze da Europa. Foram os que a CBF conseguiu laçar, depois de ver frustrados os planos de incorporar à trupe craques como Kaká, do Milan, e Robinho, do Real Madrid, pois seus clubes se recusaram a cedê-los. Sobraram nomes pouco conhecidos do torcedor, caso do paulista Ilsinho, que atua na Ucrânia, e do paranaense Rafinha, atualmente na Alemanha, várias jovens revelações que sonham em se consagrar – e duas estrelas, o meia Ronaldinho Gaúcho e o técnico Dunga. São justamente estes dois os únicos que não podem perder e estão colocando em jogo na disputa olímpica o prestígio profissional e a permanência na seleção principal.
Para Dunga, é uma questão de vida ou morte. Com 33 partidas à frente do escrete pentacampeão mundial – por sinal, a única equipe que dirigiu até hoje – e um retrospecto insatisfatório de 22 vitórias, quatro derrotas e sete empates, o treinador faz uma campanha pífia nas eliminatórias para a próxima Copa do Mundo. Se ela terminasse agora, o Brasil iria para uma inimaginável repescagem com o vencedor do grupo da Oceania em busca da derradeira vaga. Por isso, não subindo ao pódio em Pequim, o gaúcho Carlos Caetano Bledorn Verri, o Dunga, 44 anos, perderá o cargo. Repetiria assim a humilhante demissão de um de seus antecessores, Vanderlei Luxemburgo. Há oito anos, em Sydney, ele tomou cartão vermelho do presidente da CBF, Ricardo Teixeira, após ser eliminado pela seleção de Camarões, que com somente nove jogadores em campo fez o gol decisivo no extinto sistema da "morte súbita" – quem marcava na prorrogação era instantaneamente declarado vencedor. "Cair fora com dois a menos não dá", justificou Teixeira na ocasião. Como Dunga, Luxemburgo dirigia ao mesmo tempo a seleção que participava das eliminatórias para o Mundial de 2002.
Naquele jogo, o astro brasileiro era Ronaldinho Gaúcho. Um ano antes, ele despontara para a glória com um inesquecível golaço contra a Venezuela. A partir daí, pavimentaria sua trajetória de sucessos com mais de noventa jogos na seleção e títulos que incluem a Copa América, a Copa das Confederações e a Copa do Mundo de 2002, além de brilhar no cenário internacional. Foi duas vezes campeão espanhol e europeu pelo Barcelona, o que o levou a ser escolhido pela Fifa, em 2004 e 2005, o melhor jogador do mundo. Hoje, aos 28 anos, o porto-alegrense Ronaldo de Assis Moreira fatura por ano, segundo a última lista dos atletas mais bem pagos do mundo da revista americana Forbes, cerca de 37 milhões de dólares. No entanto, desde o Mundial de 2006, em que naufragou junto com o time brasileiro, tem sido uma caricatura do que era. Desmotivado e freqüentemente fora de forma, só lembrava pelas trancinhas o jogador que foi.
A oportunidade de Ronaldinho dar a volta por cima veio pelas mãos de Ricardo Teixeira, que fez questão de anunciar sua convocação para a Olimpíada antes mesmo que Dunga se decidisse publicamente por ela – o que colocou diante dos dois a opção de ganhar ou ganhar e expôs o desgaste do técnico. "Poucos têm uma segunda chance", reconhece o craque, que recentemente, aos 28 anos, trocou o Barcelona da Espanha pelo Milan da Itália. "Mas eu sou uma pessoa muito positiva e sei que vai dar certo. Minha maior motivação é conseguir um título que ninguém mais tem e entrar para a história. Não penso em uma hipótese diferente."
Dunga também não. "Olimpíada é uma coisa, futebol é outra", diz ele. "Na Olimpíada, a medalha de prata ou a de bronze valem como consagração para a maioria dos atletas. No futebol, dentro da nossa cultura, só serve a de ouro." Para conquistá-la, seu time, que virtualmente se classificou em primeiro lugar no grupo ao vencer a Bélgica por 1 a 0 na quinta-feira – afinal, os dois adversários seguintes, Nova Zelândia, neste domingo, e China, na quarta, são simples aprendizes –, terá de passar por três mata-matas. É sua única saída para continuar no cargo e sonhar com a Copa de 2010, depois de claudicar nas eliminatórias, atritar-se com comentaristas esportivos e cutucar a Rede Globo, que comprou a exclusividade de transmissão dos jogos da seleção principal, ao fazer críticas a seus repórteres. "Não sou político e sou chato na hora de trabalhar", admite. "Minha primeira preocupação é cuidar dos interesses da seleção brasileira. Não estou aqui para fazer média, mas para ser campeão." É a última chance. Dele e de Ronaldinho.
O patinho feio
Futebol e Olimpíada são como chineses e japoneses: mesmo parecidos, não combinam, se detestam, mas um precisa do outro. Com medo de enfrentar um concorrente para a Copa do Mundo, a Fifa, que governa o universo da bola, libera para os Jogos apenas profissionais com até 23 anos. Mesmo a exceção de poder levar três atletas de mais idade por equipe ficou prejudicada agora que os clubes não têm de liberar seus jogadores, segundo decisão de um tribunal esportivo internacional. Já o COI, dono dos cinco anéis, apavora-se com o risco de que os bilionários negócios do esporte mais popular do planeta lhe roubem os dedos, ou seja, uma parcela de seus fabulosos patrocínios. Assim, as partidas são em sua maioria disputadas longe da cidade anfitriã. Nos Estados Unidos, em 1996, a seleção brasileira foi confinada em Miami, na Flórida, enquanto a Olimpíada se realizava em Atlanta, na Geórgia, a mais de 800 quilômetros. Apesar desse isolamento, só as cerimônias de abertura e encerramento de Sydney, em 2000 (114 714 pessoas no último evento), conseguiram reunir mais gente do que algumas finais de futebol (o recorde foram os 105 000 espectadores no jogo entre Japão e México, em 1968). Nenhum outro evento da Olimpíada atraiu tanto público. Imaginem se o patinho feio levasse para o palco olímpico seus melhores artistas. |