Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 14, 2008

Coleção de desculpas editorial O Estado de S. Paulo





14/8/2008

O ministro da Previdência, José Pimentel, tem uma receita simples para manter em ordem as finanças de sua Pasta pelo menos até 2050. Nenhuma nova reforma será necessária nesse período, disse o ministro numa entrevista publicada segunda-feira no Estado. Três elementos compõem a fórmula quase mágica: melhor gestão, separação das aposentadorias subsidiadas daquelas financiadas por meio de contribuições e crescimento econômico suficiente para a ampliação dos empregos formais. Se a economia crescer 4% em cada um dos próximos dois anos, a Previdência urbana será superavitária no fim de 2010, de acordo com seus cálculos. Até o fim de seu mandato, portanto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não terá de pensar em novo plano de ajuste previdenciário.

A argumentação do ministro Pimentel, que já foi usada por outros políticos e funcionários do governo, mistura umas poucas idéias sensatas e vários equívocos. É sensato, sem dúvida, reconhecer a diferença entre aposentadorias e pensões de tipo assistencial, sempre subsidiadas, e os benefícios custeados pelos mecanismos tipicamente previdenciários. Pertencem à primeira categoria, no Brasil, as aposentadorias especiais, concedidas a trabalhadores de atividades artesanais, extrativistas e rurais.

A distinção é importante não só para fins contábeis, mas também para facilitar decisões políticas e administrativas. Há alguns anos se discute a transferência dessas despesas para as contas do Tesouro. Isso reduzirá o déficit da Previdência. Melhor, ainda, se os benefícios fiscais a entidades filantrópicas forem tratados da mesma forma.

A mudança poderá eliminar um problema da Previdência, mas não diminuirá o gasto público. Este detalhe não aparece na argumentação do ministro Pimentel. Se a despesa não aparecer nas contas da Previdência, aparecerá nas do Tesouro. O assunto passará para a área do ministro da Fazenda.

Também é sensato cuidar da gestão no Ministério da Previdência. Pode-se fazer a mesma afirmação a respeito de todos os setores do governo. Isso é particularmente importante no Brasil, em vista da baixa qualidade da maior parte da administração pública.

A melhora da gestão federal contribuiria, sem dúvida, para o melhor uso do dinheiro público, mas essa não tem sido uma preocupação do governo petista. Ao contrário: a bandeira sustentada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e apoiada por vários de seus auxiliares tem sido a da ampliação de quadros, com maiores salários para todos os servidores.

Quando se fala em produtividade, os defensores da política oficial costumam reagir como se a eficiência fosse uma idéia reacionária, antipopular e neoliberal. De toda forma, se o ministro Pimentel quiser mesmo cuidar da administração da Previdência, dará uma boa contribuição ao País. Mas isso não resolverá os problemas atuariais apontados por muitos estudiosos do assunto.

Finalmente, o ministro exibe um otimismo incomum, ao admitir, como hipótese, um razoável crescimento econômico sustentado por várias décadas.

Sem dúvida, nenhum sistema previdenciário poderia funcionar sem crise numa economia com níveis continuamente baixos de atividade. Mas, em contrapartida, não tem sentido basear um plano atuarial de longo prazo numa hipótese de prosperidade continuada.

De fato, nenhuma ação de planejamento, governamental, empresarial ou de outra ordem, pode ser baseada nos pressupostos mais otimistas. Se esses pressupostos invariavelmente se confirmassem, planejar seria muito menos importante e, em muitos casos, não passaria de perda de tempo.

Mas seria preciso levar em conta outros fatores não explicitados na argumentação do ministro. Parte da melhora das contas previdenciárias é explicável pelo aumento da formalização do emprego, especialmente nos últimos dois anos. Mas essa formalização produziu efeitos sensíveis porque o estoque de trabalho informal era muito grande. Não se pode contar com a permanente repetição desse fenômeno a médio e a longo prazos.

A argumentação do ministro é apenas uma coleção de desculpas - na maior parte muito fracas - para não se ocupar, nos próximos dois anos, de um assunto trabalhoso e politicamente complicado. Desculpas não resolvem problemas.

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