A crise americana já era sensível no ano passado e ninguém sabe quando terminará, porque o mercado imobiliário dos EUA, segundo muitos analistas, ainda não bateu no fundo do poço. Talvez a pior fase tenha passado e não se pode arriscar nenhuma afirmação mais otimista que essa. Dúvidas sobre a evolução da economia chinesa tornam o quadro geral muito mais inseguro.
Na China, como nos Estados Unidos, há dificuldades para combater a inflação. O caso chinês é particularmente complicado, segundo Rogoff, porque o banco central do país não tem poder. Enquanto as medidas de combate à inflação não surgem, os preços sobem e os sinais de crise se acumulam, porque o ritmo do crescimento econômico da China é insustentável, assim como o nível de seu investimento, próximo de 50% do PIB. Rogoff não diz como se fará o ajuste chinês, mas arrisca uns poucos palpites: flutuação e valorização do yuan, depois da Olimpíada, e reorganização do sistema financeiro. Com o esforço para reequilibrar a economia, o crescimento, ainda na altura de 10% ao ano, poderá diminuir. Em dois anos talvez chegue a uns 6%. Rogoff atribui 50% de probabilidade a essa hipótese.
Durante anos, a China prestou ao mundo pelo menos dois bons serviços. Exportando enormes e crescentes volumes de produtos baratos, contribuiu para conter a inflação na maior parte dos mercados. Crescendo por muito tempo a taxas entre 8% e 10% ao ano, contribuiu para uma longa fase de prosperidade global com estabilidade de preços. A contribuição para a prosperidade incluiu o financiamento do déficit externo e do rombo fiscal dos EUA, ajudando os americanos a prolongar seu crescimento. Esse financiamento foi feito com reservas acumuladas graças ao superávit comercial e ao grande fluxo de investimento direto na economia chinesa.
Esses bons serviços tiveram custos, principalmente para as economias ocidentais. A produção barata da China impôs uma dura competição às indústrias de outros países. Eliminou empregos, desviou investimentos e gerou reações protecionistas. O Brasil não ficou livre desses efeitos. O outro grande custo só apareceu mais lentamente. A economia chinesa é uma devoradora insaciável de energia, de matérias-primas, como produtos agrícolas e minérios, e de bens intermediários, como aço. Ao importar enormes volumes desses insumos, a China ajudou a economia dos países vendedores, como o Brasil, mas o efeito cumulativo desse processo foi uma explosão de preços.
A pressão sobre os mercados de matérias-primas não foi exercida só pela China. A Índia e outros importadores de alimentos e outros insumos, também contribuíram. Mas a participação chinesa foi sem dúvida a mais importante. Para continuar crescendo, a China deixou de exportar deflação e virou exportadora de inflação.
A retração da economia chinesa, se vier, terá um custo não desprezível para o Brasil. O País está razoavelmente preparado para turbulências externas, como têm observado Rogoff e outros economistas de prestígio. Mas a China é um parceiro de peso incomum. De janeiro a julho, proporcionou 8,9% da receita comercial brasileira, comprando principalmente primários e semimanufaturados.
Um esfriamento da economia afetará importações chinesas e, provavelmente, também as cotações de matérias-primas e bens intermediários. A valorização desses produtos foi muito importante, nos últimos anos, para a expansão das exportações brasileiras. É hora de pensar em como manter esse crescimento sem depender tanto daquelas classes de produtos. Não se trata de menosprezá-las, mas de reforçar a pauta exportadora.