O STF se baseou na contestação de um pedreiro sobre o tratamento recebido durante o julgamento de um homicídio. Antonio Sérgio da Silva matou um homem numa briga de rua, foi condenado a 13 anos de prisão, mas teve a sentença anulada pelo Supremo porque ficou algemado diante do júri.
No entendimento do STF, houve abuso por hipotética indução dos jurados a presumir a culpa do réu, independentemente da consistência das provas.
Antonio está solto, bem como Daniel Dantas, Naji Nahas e Celso Pitta, para citar só as prisões mais recentes de gente famosa e "bem" de vida em operações da Polícia Federal.
Ninguém contestou a decisão sobre o pedreiro nem lançou suspeita sobre as intenções dos magistrados, como se fez contra o presidente do tribunal, ministro Gilmar Mendes, quando reclamou dos abusos da PF por ocasião da prisão do banqueiro.
Perderam força as alegações de que a agressão às garantias individuais nos métodos da polícia só provocaram protestos porque os abusos chegaram à elite.
No caso, deu-se o oposto: a queixa contra excessos feita por um pobre deu ensejo à ordenação de procedimentos que, se não favorece totalmente, porque não impede punições, pelo menos desobriga o "tubaronato" de ter sempre um paletó à mão para esconder os pulsos das câmeras, na eventualidade de uma captura.
O equívoco do raciocínio sobre a deferência aos ricos e a indiferença aos pobres ficou claro no tocante ao tribunal superior.
Mas não se fala a respeito das razões pelas quais um político, um financista ou um empresário presos provocam comoção, já que anônimos aos magotes tanto são humilhados quanto deixam de ser punidos pela ineficácia das instituições.
A questão é justamente o anonimato. O interesse pelas mazelas da elite não é uma invenção da Justiça nem fruto de seus defeitos. É da natureza humana. Os pobres e desconhecidos, em geral e de forma isolada, não são notícia.
Antonio Sérgio teria a condenação suspensa independentemente da prisão de Daniel Dantas. Mas, é certo que o caso do pedreiro só teve repercussão por causa do banqueiro.
Fora isso, sobra a essência: a anulação de sentença por falha no processo, ato corriqueiro sem poder de alterar a (des) ordem geral dos abusos e discriminações.
Pão, pão
O presidente do Senado, Garibaldi Alves, faz constatações tão realistas que chegam a parecer ingênuas.
Enquanto deputados e senadores saudavam a decisão do Supremo sobre os "fichas-sujas", predispondo-se a impor restrições na lei das elegibilidades aos processados sem sentença transitada em julgado, Garibaldi foi ao ponto: "É difícil, dirão que o próprio Judiciário resolveu não decidir sobre isso".
É isso mesmo. Passado o clamor, o assunto fará companhia ao fim do voto secreto para cassações de mandatos, ao exame rigoroso dos critérios de urgência e relevância na edição de medidas provisórias, ao fim do suplente sem voto no Senado, à perda dos direitos políticos de quem renunciar para escapar da cassação e a vários temas cuja urgência só dura enquanto são destaque no noticiário.
Quanto a vidas pregressas de políticos, a previsão é fava para lá de contada, tendo em vista a norma consagrada no Congresso de considerar fatos anteriores ao mandato em curso inexistentes para efeito de decoro parlamentar.
Quem chega sujo ao Parlamento, na concepção do Parlamento fica limpo por obra e graça da "absolvição" nas urnas.
Ou não foi justamente esse o argumento usado pelos reeleitos envolvidos em escândalos da legislatura anterior à eleição de 2006?
Os colegas recorreram ao mesmo artifício para evitar a reabertura dos casos quando do início da nova sessão legislativa, em 2007. Gente até decente na Câmara defendeu a tese dizendo-se impedida de contrariar a "vontade do eleitor".
E isso porque falavam de personagens cujas peripécias haviam sido notórias e recentes.
Evidentemente, não perderão a chance de se escorar na sentença do STF, como se o tribunal tivesse impedido o Congresso de mudar a lei ou proibido os partidos - entidades privadas - de adotar o preceito básico da boa conduta.
Queijo, queijo
Sob a mesma ótica da objetividade, o presidente do Senado anda pagando para ver os líderes partidários cumprirem a promessa de manter a Casa funcionando durante a campanha eleitoral.
Garibaldi havia proposto uma semana de recesso e três de trabalho nos meses de agosto e setembro. Os líderes não quiseram oficializar o êxodo pré-eleitoral para evitar desgaste. Acharam menos oneroso mentir.