Alguns cresceram tanto que transbordaram seus limites oficiais e absorveram as populações vizinhas. Formaram imensas metrópoles, maiores e mais importantes do que vários países da América Latina. Outros, que já foram municípios de fato, foram engolidos pelo desenvolvimento dessa metrópole e, na realidade, dela já fazem parte essencial.
Infelizmente, enquanto em todo o mundo civilizado esses aglomerados de municípios em evolução têm sido reconhecidos como áreas metropolitanas, e essa escala tem figurado na organização dos países, aqui, no Brasil, continuamos na Idade da Pedra Lascada... Esse falso municipalismo, entre nós, não passa de um saudosismo, que só sobrevive porque o País também não se moderniza do ponto de vista tributário e eleitoral. Nessas metrópoles, centro das áreas metropolitanas, o exercício dos Poderes Executivo e Legislativo não passa de uma encenação - que custa muito caro e é inútil para os seus habitantes, que a sustentam com os seus impostos e buscam usufruir seus serviços públicos.
Dentro das áreas metropolitanas, as fronteiras municipais são absolutamente fictícias. Artificiais. Não correspondem à realidade que cerca o cidadão. Diariamente, para trabalhar, estudar, empregar pessoas, prestar serviços públicos ou buscá-los o morador da metrópole, no seu vaivém, atravessa vários desses ditos municípios. Normalmente, o município que cresceu e virou o centro da área metropolitana é altamente sacrificado pelos municípios-satélites. Suas redes de atenção à saúde e à educação recebem, diariamente, a clientela dos satélites. Além disso, os satélites usam e abusam da chamada guerra fiscal. Atraem empresas. Oferecem vantagens. Mas se esquecem de postos de saúde, ambulatórios, hospitais de emergência, abrigos para idosos, instituições para os portadores de deficiências. Suas redes de primeiro grau raramente são eficientes. Quem ficar algum tempo na porta do Hospital das Clínicas, em São Paulo, ou do Hospital Souza Aguiar, no Rio, vai enxergar esta brutal realidade: dezenas de Kombis, ambulâncias, vans e miniônibus, todos exibindo as placas desses municípios-satélites, com a ostensiva propaganda do caridoso prefeito ou do boníssimo vereador que patrocinam tais assistências médico-hospitalares. Uma vergonha!
A organização administrativa do Brasil está doente. Muito doente. São quase 6 mil municípios, segundo os últimos dados. Portanto, são quase 6 mil prefeitos e quase 6 mil Câmaras Municipais. Dentre eles, mais de 70% só sobrevivem financeiramente graças aos repasses estabelecidos pelo sistema tributário. Esse repasse mal chega para cobrir os gastos com o pessoal. Alguma coisa está errada! O fato é que a atual estrutura administrativa não reflete a nossa realidade populacional, social, econômica e até cultural. É como se as metrópoles não existissem. Centros metropolitanos como São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Campinas, Curitiba, Porto Alegre, Salvador, Recife, Belém, Fortaleza e Brasília vivem este drama há muito tempo. Na metrópole, com um cobertor tão curto, um corpo tão gigantesco? Não há dinheiro que chegue! As áreas metropolitanas, há duas décadas, eram nove. Hoje já são mais de 20. O crescimento de algumas delas é estarrecedor. É o caso de Belo Horizonte, que só cresceu mais que as outras pela gulodice populista de alguns políticos.
A ausência de uma escala metropolitana bem definida e bem construída afeta diretamente as próximas eleições municipais. É evidente que existem municípios de verdade. Progressistas. Bem administrados. Com orçamentos reais, oriundos de impostos nascidos de suas atividades locais, com ótimas redes de escolas, bom atendimento de saúde, coleta eficiente de lixo e boa limpeza de ruas e praças. Mas em muitos deles é a presença de órgãos federais e estaduais que contribui para que o cidadão se sinta mais bem cuidado. Neles, as eleições serão municipais de fato. Num município autêntico, com vida própria, geralmente as pessoas se conhecem melhor e o voto, embora ainda no odioso sistema proporcional, acaba sendo dado de forma mais consciente, mais próxima. O desempenho dos eleitos pode ser vigiado bem de perto. Os candidatos saem das camadas verdadeiras de seus habitantes. Mas nos chamados satélites a coisa muda. Instalados em plena área metropolitana, sugando do município-mãe tudo o que puder ser sugado, seus políticos são quase sempre representantes de organizações locais, ONGs esquisitas, grupos sindicais, milícias de comunidades faveladas ou gananciosos pastores de supostas igrejas evangélicas.
Como acreditar que o próximo prefeito de São Paulo vá dispor de meios para suportar a demanda social da gigantesca área metropolitana que sobrevive no seu entorno, utiliza todos os seus serviços públicos, mas não contribui com impostos nem está sob sua jurisdição?
Na área metropolitana da Grande São Paulo, por exemplo, situam-se hoje quase 40 municípios. Nela serão disputadas perto de 40 cadeiras de prefeito! E tem mais: sabendo que estarão na rinha pelo menos 15 partidos, o povo vai ficar tonto com esses 600 nomes!
Se pensarmos, então, nos candidatos às 40 Câmaras Municipais, com cada partido inscrevendo pelo menos uns 40 candidatos a vereador, dá para ver como vai fundir a cabeça do eleitorado! E dá para entender por que, de ano para ano, caem a respeitabilidade e a credibilidade dos políticos. A importância dessas áreas metropolitanas é tão grande que, há meses, a imprensa só cuida do que vai acontecer em São Paulo, Rio e Belo Horizonte. Por quê?
Porque nas metrópoles não há eleições municipais!
Sandra Cavalcanti, professora, jornalista, foi deputada federal constituinte, secretária de Serviços Sociais no governo Carlos Lacerda, fundou e presidiu o BNH no governo Castelo Branco E-mail: sandra_c@ig.com.br