Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Presente de Natal Paulo Rabello de Castro


Artigo -
Folha de S. Paulo
20/12/2006

O "subsídio" ao parlamentar é só uma compensação para o representante do povo que vai de sua base até Brasília

NO APAGAR das luzes do ano de custo político mais elevado de todos os tempos, parlamentares daquele que foi considerado, por voz corrente, o pior Congresso da história republicana resolveram se auto-regalar um presente de Natal, equiparando seus subsídios ao do cargo de juiz do STF (Supremo Tribunal Federal), com direito ao "gatilho automático" de reajuste, cada vez que o Supremo decidisse pela elevação de suas próprias remunerações.
Ocorre que, diferentemente do juiz, do auditor fiscal, do diplomata de carreira ou do funcionário administrativo, os senhores e senhoras parlamentares não são empregados do Estado, e sim representantes do povo, eleitos justamente para defender os interesses da população perante o Estado nacional. O "subsídio" ao parlamentar é apenas uma compensação financeira estabelecida para o representante do povo que se desloca de sua base eleitoral até Brasília, deixando seus afazeres profissionais para cuidar dos interesses dos seus eleitores. Em tese, é uma missão de sacrifício, algo para patriotas de primeira grandeza, homens e mulheres que respondem ao chamamento de uma vocação pública, pro tempore, sempre com algum prejuízo de ordem pessoal.
Doce ilusão de um cidadão. A atividade do político brasileiro converteu-se em emprego de interesse duradouro. O parlamentar, uma vez lá encastelado, quer perenizar suas vantagens; primeiro, como emprego estável, em seguida, como aposentadoria, e, se possível, depois, como sucessão dinástica de pai para filho.
A decisão das lideranças partidárias de quase dobrar o seu próprio "subsídio" poderia até fazer algum sentido caso, por exemplo, tal ajuda de custo, de tão defasada, monetariamente, houvesse se tornado irrisória. Mas não. A decisão das Mesas do Congresso teve intenção muito clara: equiparar o subsídio à mais alta remuneração do Estado brasileiro, como se o parlamentar fosse um "funcionário público" de alto coturno, além disso atrelando a bondade autoconferida a futuros reajustes do Poder Judiciário. Faltou modéstia, faltou bom senso e faltou até vergonha. Faltou também uma adequada contabilidade de custos sociais. Sim, porque, ao decidir pela absurda vantagem, os parlamentares da ativa passaram a agraciar também as centenas de colegas seus "em gozo de aposentadoria" (?), como se qualquer deles houvesse contribuído para o pecúlio extra que passariam a auferir de mão beijada.
Que moral terão os congressistas recém-eleitos de votar difíceis reformas saneadoras do gasto público a partir do ano que vem, quando o próprio colégio de representantes do povo é o primeiro a promover a explosão das despesas de hoje e de amanhã? É só fazer as contas. Para cobrir despesas públicas explosivas, a carga tributária deve continuar a crescer muito mais rápido do que a geração de bens e serviços no setor privado, cuja capacidade de reinvestimento vai se apertando e minguando. Cessa o potencial de crescimento e de geração de empregos na economia produtiva, restando então, ao próprio governo, passar a distribuir "subsídios" também ao contingente de milhões de pessoas desempregadas pela recessão causada pelo gasto público excessivo, novidade brasileira produzida no laboratório de aberrações econômicas do atual modelo de estagnação auto-inflingida.
O Natal de 2006 será magro e triste, como o tem sido nos últimos anos, para uma vasta maioria do povo brasileiro. O custo econômico de decisões políticas equivocadas, como esta que nos escandaliza às vésperas do fim de ano, está no centro da explicação da estagnação brasileira. A má política tem custado uma perda de produção nacional que só não é incomensurável porque os números existem e podemos medir o prejuízo causado em termos de renda perdida pelos brasileiros. A conta do custo econômico dessa má política é até simples: calcula-se em cerca de US$ 100 de renda perdida, per capita, por ano. Durante os últimos 12 anos desde o Plano Real, cada brasileiro perdeu cerca de US$ 1.200, cumulativos.
Ou seja, se políticos decidissem as coisas certas, a renda per capita da vasta maioria do povo já seria suficiente para lhes dispensar o cheque do Bolsa Família.
O Natal do brasileiro comum virou um presente às avessas. Assim mesmo, feliz Natal!

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