Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 17, 2006

Barafunda salarial: o conjuntural e o estrutural

Faz sentido o argumento de que um baixo salário no Congresso acaba atraindo apenas lobistas que não precisam da remuneração? Até faz. Seria verdadeiro se os parlamentares, ao longo do tempo, não tivessem recorrido a artimanhas para aumentar os próprios vencimentos. A malandragem está em equiparar o que ganham ao topo do que se paga no funcionalismo público sem que se mencionem as múltiplas vantagens de que dispõem — o que eleva seus ganhos mensais para algo em torno de R$ 114 mil. Os honestos, claro, param aí. Os lobistas continuarão na "profissão", atendendo a seus patrões — que passam bem longe do chamado “povo”. Sei que esse dinheiro todo não vai parar no bolso dos deputados e senadores. Pagam funcionários em seus Estados de origem, precisam visitar as bases etc. Ok. O que se está dizendo aqui é que a sociedade já arca com um custo alto para manter o Congresso. E cumpre lutar para que ela não comece a considerar esse preço excessivo, se é que me entendem. Não duvidem: boa parte dos brasileiros acha desproporcional a relação custo-benefício.

O reajuste dos parlamentares expõe um aspecto dramático da administração pública no Brasil: a barafunda salarial que vive o Estado, o que empurra — isto é uma informação, não uma opinião — uma boa parcela dos servidores graduados para alguma forma de clandestinidade, de ilegalidade. Comecemos por Lula: não se pode dizer que seu salário seja baixo porque, no fim das contas, ele pode embolsar os mais ou menos R$ 6 mil líquidos que recebe (o bruto é R$ 8.885,48). Não gasta um tostão. Mora, come, bebe e viaja de graça — não necessariamente nessa ordem. Tem ainda aquela aposentadoria indecente como combatente do regime militar: pouco mais de R$ 4 mil. Dá para viver bem. Como vimos, seu patrimônio teve uma excelente evolução em quatro anos.

Ainda assim, não deixa de ser um tanto ridículo que o presidente da República receba menos do que alguns governadores de Estado e quase um terço do que ganha um juiz do Supremo — e, agora, do que pode receber um deputado ou senador. Ministros e secretários-executivos recebem, brutos, R$ 8.362,80. A função acaba sendo um investimento: tão logo deixam a administração pública, levam para a iniciativa privada o conhecimento adquirido. A peso de ouro.

Reportagem do Estadão de hoje (clique aqui) demonstra que, “nos tribunais, os advogados que defendem a União em processos judiciais estão lado a lado com juízes e procuradores que ganham quase o dobro deles. Por causa dessa diferença, muitos dos melhores quadros da Advocacia-Geral da União (AGU) já se inscreveram em concursos do Judiciário e do Ministério Público para tentar ganhar o mesmo que os primos ricos.” Entenderam? O Estado brasileiro vai sendo sucateado. Imaginem, então, quando esses advogados são postos para confrontar bancas verdadeiramente milionárias da advocacia privada. Devem se sentir humilhados.

Até jornalistas entram na dança. Vêem-se nomes bem-sucedidos que acabam, por convicção, crença, sei lá eu, indo para assessorias de imprensa. Com a devida vênia e delicadeza, pergunto: para ganhar líquidos R$ 3,5 mil, R$ 4 mil por mês??? Duvido!!! E é aí que acabam entrando as agências de publicidade, pagando “por fora” o salário de assessores qualificados. Ou se opta pela ilegalidade ou se contrata um cabeça-de-bagre que aceita, numa função altamente especializada, o pepino de organizar a comunicação de um ministério recebendo uma mixaria. R$ 4 mil é o valor que se paga um bom redator de jornal, com experiência. Os próprios ministros e secretários-executivos dão um jeitinho, participando de conselhos de estatais para aumentar os ganhos.

Imaginem só: é por isso que, dia desses, quando lembraram o nome de Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras, para o ministério da Fazenda, o homem tratou de se esconder e de comprar briga com a imprensa, hostilizando jornalistas. Ele quer ficar onde está. A Petrobras lucra muito mais do que aquilo que o Brasil tem para investir. Por que ele vai trocar o seu salário de executivo de multinacional pelo de Mantega?

O pior é que a malha legal acaba fazendo com que um salário acabe indexando outro, de sorte que mexer nos vencimentos de um grupo de servidores implica alterar uma cadeia, e a bola de neve se anuncia. Então se opta por deixar tudo como está para ver como é que fica. O resultado é essa baleia encalhada em que se transformou o Estado brasileiro, exemplo notável de ineficiência. Um ascensorista com concurso (ainda existe no serviço público) ou um motorista ganham três vezes mais do que seus congêneres na iniciativa privada, mas um engenheiro, advogado ou economista, três vezes menos. Vocês acham que isso pode dar certo? Não pode. Das três, uma: ou o sujeito é um incompetente conformado; ou é corrupto; ou está apenas se preparando para pular para a iniciativa privada, usando o conhecimento da máquina como ativo. Ok, vamos pôr uma minoria de abnegados aí, com sentido de missão. Mas não precisamos de missionários, e sim de profissionais.

Fala-se muito da importância da reforma política. É importante, sim. Mas não menos é a administrativa, por todos ignorada. O resultado é este: em vez de termos uma política pública decente para remunerar os servidores, que obedeça a uma hierarquia de funções — do presidente da República para baixo, como nos EUA —, o que vemos é um cipoal jurídico-sindical. Acaba sendo uma briga de todos contra todos para arrancar mais um naco do dinheiro público. E, claro, nesse caso, como bem lembrou Marco Aurélio de Mello, felizes os que podem dar aumentos para si mesmos. Com o nosso dinheiro.

Por Reinaldo Azevedo

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