Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, dezembro 14, 2006

A amizade dos ex-esquerdistas Lula e Delfim e a ética da raposinha

Lula pode não ter lido O Príncipe, mas aprendeu direitinho a lição da raposinha de O Pequeno Príncipe: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Ora se deu que o Raposão (não fica bem associar um vulto histórico a um diminutivo) cativou o deputado Delfim Netto (PMDB-SP), ex-socialista fabiano, ex-guru da ditadura, atualmente mestre-escola do lulismo. Os dois caminharam, como sabemos, para “o centro”. Lula já fez 60 e não é bobo de continuar esquerdista, não é mesmo? Ele não tem esse “problema”. Um caso relativamente recente ilustra bem como a amizade faz prosperar a governança. Delfim atuou firmemente para que o governo despaiz deixasse de lado besteiras como licitação, por exemplo. Poderíamos mesmo dizer que se trata de mais um dos entraves para o crescimento. Delfim sabe muito bem como a democracia pode atrapalhar o Brasil.

Vocês já ouviram falar de “portos secos”? A Receita Federal explica o que é: “São recintos alfandegados de uso público, situados em zona secundária, nos quais são executadas operações de movimentação, armazenagem e despacho aduaneiro de mercadorias e de bagagem, sob controle aduaneiro. (...)No porto seco são também executados todos os serviços aduaneiros a cargo da Secretaria da Receita Federal, inclusive os de processamento de despacho aduaneiro de importação e de exportação (conferência e desembaraço aduaneiros), permitindo, assim, a interiorização desses serviços no País.”

A atividade era regulada por uma porção de leis e portarias. Até que alguém começasse a achar que a exigência de licitação — processos, como sabem, públicos e transparentes (ou assim deveriam ser) — atrapalhava o andamento destepaiz. O projeto de lei 6370/05 eliminava a exigência da licitação. O governo não teve dúvida, como sempre. Já que não vai na lei, vai na marra. E baixou uma Medida Provisória, a de nº 320/06. Quem atuou para tanto? Voltamos à máxima da raposinha — ou do raposão. Informa o noticiário de agosto: “Segundo a deputada federal Mariângela Duarte (PT-SP), conversas com colegas parlamentares revelam que a ministra [Dilma Rousseff] ‘’já comprou a idéia de transformar o PL em MP’’. Ela afirmou que a estratégia já vem sendo operacionalizada na Casa Civil. ‘O Delfim Netto praticamente fechou o cerco para viabilizar a MP. Ele conversou com um representante do Ministério da Fazenda, que tem trânsito com os deputados na Câmara, com os ministros Guido Mantega (Fazenda), Furlan (Planejamento) e a própria Dilma e, também, com o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid’, relatou a parlamentar.”

No dia 22 do mês passado, a Câmara aprovou a MP. O crescimento, agora, já pode deslanchar, amigos. Os portos secos não precisam mais de licitação. Basta que a Receita conceda uma permissão às empresas, sem a necessidade de pregão. O texto foi para o Senado. Mas, como é MP, já está em vigência. Como costuma acontecer com medidas provisórias, acabam aprovadas no grito porque os efeitos, depois de editadas, são imediatos. É isso aí. Lula já se disse contrário a privatizações — todas elas feitas, como se sabe, por meio de leilão público. O que precisamos mesmo é de um governo de permissionários. E de permissivos.

Como disse Carlos Drummond, “a amizade salta o vale, o muro, o abismo do infinito”.

Por Reinaldo Azevedo

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