Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, maio 31, 2005

LUÍS NASSIF :A financeirização faliu

 O "não" dado pela opinião pública francesa à Constituição da União Européia é mais um dos sinais ostensivos de que o modelo de liberalização financeira ilimitada, inaugurado nos anos 70, está fazendo água de forma irreversível.
É impossível um modelo econômico em que o capital financeiro se desgarra da economia real. O capital financeiro não tem vida própria. Ele existe como reflexo da economia real, por sua capacidade de alavancá-la e de crescer com ela, de trazer bem-estar social por meio do crescimento.
Quando um investidor adquire uma empresa em dificuldade, recupera-a e a vende para terceiros, está exercendo um papel de arbitragem legítimo, estritamente ligado à melhoria da economia real. Quando adquire ações de empresas infantes ou maduras, exerce uma função financeira, mas amarrada à economia real. Quando fornece hedge a produtores, atua da mesma forma.
O que ocorreu foi que o modelo de liberalização total dos capitais cortou os vínculos entre o capital produtivo e o financeiro, a partir de determinado momento em que as grandes corporações mundiais tornaram-se "sócias" desse modelo.
As disfunções começaram há muitos anos, deixando inúmeras vítimas pelo caminho: o sistema bancário japonês (e o próprio Japão), o sistema hipotecário norte-americano, a bolha da internet, a bolha dos "junks bonds", a bolha com as dívidas dos emergentes, os fundos "piranhas" e, antes disso, as grandes jogadas contra o câmbio de países desenvolvidos.
Não é à toa que, há alguns anos, o maior especulador mundial, George Soros, e o maior especulador brasileiro, Jorge Paulo Lehmann, passaram a investir fortemente na economia real por perceber a falência desse modelo. Lehmann, aliás, tomou a decisão de vender seu banco depois de ter se entupido de títulos da dívida externa brasileira -provavelmente dispondo da informação de que o Banco Central planejava resgatar parte deles- e foi atropelado pela crise russa. Nem os melhores conseguiram mais dominar todos os fatores de influência desse hospício global em que se converteu o sistema financeiro internacional.
Não apenas isso. A liberalização financeira favoreceu o circuito do dinheiro do crime organizado, do narcotráfico, do narcoterrorismo. Arrebentou com os controles policiais e fiscais dos governos nacionais e do próprio mercado de capitais -vide os escândalos corporativos norte-americanos.
O modelo ofereceu um Estado fortemente regulador, em troca do Estado mínimo; ofereceu desenvolvimento, em troca da redução dos benefícios sociais. E não entregou nem uma coisa nem outra.
Hoje em dia até valores que se supunham irreversíveis -como a democracia- começam a ser colocados em xeque. A natureza da rebelião francesa é -guardadas as proporções entre um Estado desenvolvido e Estados mais atrasados- a mesma dos cidadãos da Venezuela, da Argentina e da Bolívia.
Qualquer estratégia de país não pode deixar de levar em conta esse quadro.
folha de s paulo

JANIO DE FREITAS:Temor inútil

 O presidente da República está no Brasil. Não se sabe por quanto tempo, de modo que é conveniente não perder a oportunidade e fazer logo uma breve passagem de olhos no governo.
Se não considerarmos os ministérios das Relações Exteriores, da Justiça e alguns setores da Saúde, só se pode constatar que o governo está parado há meses, com os restantes ministérios, sobretudo os das ações de investimento, levando a vidinha mansa do que se há de fazer.
O da Indústria, sem política industrial, até que se mexe como um vendedor, mas o êxito das exportações se explica melhor pelo momento de intensa animação do mercado importador no mundo todo. Como em tantos outros períodos. Já o outro vendedor, o maníaco da soja, dito da Agricultura, só faz contar as perdas de safra e de dólares.
Além dos citados, há uns 30 ministérios. Sem que isso signifique que haja mais governo. Exceto, para fazer justiça, no da Cultura, com um ministro que podemos ver, pela TV, em atividade incessante. Com seus shows para as platéias do mundo.
Da explosão demográfica que é o enxame de petistas dentro e à volta da Presidência da República, não sai uma iniciativa, uma ideiazinha nova. Sai apenas dinheiro grosso, para alimentar aquela massa improdutiva e para gastos de propaganda, cujo único proveito só pode ser visto nos balanços de certas agências de publicidade.
O presidente, certo, anda muito ocupado, com sua predileção pelo exterior, em procurar compradores externos para produtos brasileiros. Efeito, sem dúvida, de não haver ainda percebido a diferença entre ser empresário e ser presidente da República.
Como a área de ação política prega a absoluta unidade dos governistas, não age mais nem melhor do que seus colegas de governo. Como conseqüência, paralisa a Câmara, que nada faz, do tanto que deve, desde o ano passado, pelo menos. O Senado quebra o galho das aparências, graças ao melhor QI de um pequeno grupo. Mas, sem a Câmara, não chega a convencer da existência de um Legislativo, como recomendou a Constituição. Mesmo porque um país em que a legislação é feita por medidas provisórias, lançadas a granel pela Presidência da República, o verdadeiro Legislativo é o Executivo. E o denominado Legislativo é uma casa de muitos empregos, sem obrigação de trabalho e nem sequer de comparecimento, e outras e incontáveis benesses.
Lula, José Dirceu, Aloizio Mercadante temem que a oposição "use a CPI para desestabilizar o governo". O temor não se justifica. O governo já se desestabilizou por conta própria.

Parceiros
Lula tinha uma entrevista agendada para sua chegada ao Brasil. Cancelou-a, simplesmente, sem explicação. Desnecessária, aliás. Todos sabemos que ao contato com jornalistas perguntadores, ligeiro embora, Lula prefere o convívio com os Robertos Jeffersons.
folha de s paulo

CLÓVIS ROSSI :Revelou-se?

 SÃO PAULO - Fico imaginando o que frei Betto estava querendo dizer quando escreveu (para a Folha de ontem) que "as pessoas não mudam quando chegam ao poder. Elas se revelam".
Será que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está entre os que "se revelaram"? Deve estar, porque frei Betto não faz exceções na sua frase e ainda acrescenta os seguintes comentários sobre o governo de seu amigo e de seu partido:
1 - Critica "um executivo que excluiu do alicerce de sua governabilidade os movimentos sociais, dos quais deveria ser a expressão política, e optou por ampliar a base aliada no Congresso sem indagar dos partidos coligados se há entre eles um projeto comum para o Brasil".
2 - "A Fazenda corta dos ministérios -vide o Ministério do Desenvolvimento Agrário e a reforma agrária-, mas jamais do Legislativo".
3 - "O PT continuará a ser vítima de seus equívocos enquanto não se adequar, no poder, ao discurso que fazia na oposição. Contar entre seus coligados com o PP e o PTB é favorecer o pragmatismo em detrimento dos princípios. Isso tem preço".
Nada que seja especialmente novo para quem tem olhos de ver. Mas, vindo de quem continua sendo leal amigo do presidente da República, é todo um manifesto, ainda que escrito em linguagem cautelosa.
Escrever que coligar-se com PP e PTB é apenas "favorecer o pragmatismo" é coisa de amigo, não é?
Pobre frei Betto. Agora será acusado pelos petistas hidrófobos de fazer parte da conspiração da elite para desestabilizar o governo Lula, conforme a esdrúxula teoria petista.
Ou de participar da montagem de um esquema para eleger alguém do PSDB/PFL em 2006, como dizem os hidrófobos de todos aqueles que mostram que o PT rifou princípios.
folha de s paulo

Morte e vida Severino

FREI BETTO


As pessoas não mudam quando chegam ao poder. Elas se revelam. Severino é um caso raro de quem era antes o que é agora
O deputado Severino Cavalcanti é um homem coerente, sem subterfúgios -caso raro na política brasileira. Prova disso é a sabatina, promovida pela Folha, a que se submeteu. Eleito presidente da Câmara dos Deputados, ele faz o que prometeu enquanto candidato. Aumentou a verba de gabinete dos deputados federais e defende, sem pudor nem constrangimento, o nepotismo. Câmara dos Deputados: empregam-se parentes
Sua Excelência conseguiu o inimaginável: aproveitou-se da perda de identidade do PT, que não sabe como ser partido do governo sem ser correia de transmissão do Planalto, e elegeu-se presidente da Câmara. Filiado ao PP, partido da base governista, Severino padece e reage como se fosse oposição. E leva certa vantagem diante de um Executivo que excluiu do alicerce de sua governabilidade os movimentos sociais, dos quais deveria ser a expressão política, e optou por ampliar a base aliada no Congresso sem indagar dos partidos coligados se há entre eles um projeto comum para o Brasil.
A equação desafia os mais cartesianos matemáticos: PP é governo, mas o governo considera o deputado do PP um estorvo. Tanto que o presidente da República e o ministro-chefe da Casa Civil declararam considerar a eleição dele como a principal derrota do governo e do PT nesses quase dois anos e meio da gestão Lula.
Severino derrotou o governo na medida provisória 232 e, agora, promete repetir a dose em outros projetos que estão na fila. Discípulo da escola malufiana ("estupra, mas não mata"), o presidente da Câmara opina que "estupro é acidente horrendo" -quem sabe por ter visto um homem descuidado tropeçar sobre a mulher com quem cruzou numa esquina...
Severino não veste a carapuça mesmo vaiado por milhares de pessoas no 1º de maio. Transfere o ônus para o Executivo e se agarra ao bônus. A Fazenda corta dos ministérios -vide o Ministério do Desenvolvimento Agrário e a reforma agrária-, mas jamais do Legislativo. Nós, contribuintes, pagamos a conta, sem que a maioria dos deputados do discurso ético tenha a nobreza de devolver aos cofres públicos as cifras da exorbitância.
Severino é a cara do eleitor brasileiro, que vota pela emoção no que a razão desconhece. Nada a ver com o nosso ínfimo grau de educação formal, comparada a outras nações. Bush filho foi reeleito nos EUA e Tony Blair não teve por que temer as urnas. O mundo é de direita. Troca-se a liberdade pela segurança e, no caso dos pobres, a emancipação pela dependência.
A compra de votos e o jogo de marketing explicam os gastos astronômicos de campanha. E a reforma política, fora maquiagens como a verticalização, fica para as calendas...
As pessoas não mudam quando chegam ao poder. Elas se revelam. Como se diz em Minas quando o sujeito enlouquece: "Fulano se manifestou". Severino é um caso raro de quem era antes o que é agora. Casou "mais ou menos virgem" nesse país de mais ou menos corruptos ou mais ou menos éticos, com políticos mais ou menos coerentes de partidos mais ou menos coesos. Total coerência, sem que lhe possa acusar de duas caras ou de ter blefado no palanque ao se aferir o que faz no poder.
Severino é o resultado do nível de consciência política do eleitor brasileiro. E se aproveita do privilégio de ter sobre si o foco da mídia. Não importa que os cartunistas o ridicularizem ou que os comentaristas o desprezem. "Falem mal, mas falem de mim", ele repete diante do espelho todas as manhãs.
Ano que vem haverá eleições. Inclusive para renovar o mandato do deputado federal Severino Cavalcanti. Ele nem precisa se dar ao trabalho de fazer campanha. Já tem régua e compasso e, agora, o caminho ele mesmo traça.
E como diz o presidente Lula, não adianta ter nojo de políticos e da política. Quem tem nojo é governado por quem não tem. O jogo só muda quando houver reforma política e o cidadão deixar de votar por interesses corporativos -do par de sapatos prometido na campanha aos lucros e vantagens de uma empresa ou instituição. No fundo, vota-se em si, e não nos direitos da maioria e na qualidade de vida da população. Assim, dá Severinos, ainda que revestidos de aparente severidade.
O PT continuará a ser vítima de seus equívocos enquanto não se adequar, no poder, ao discurso que fazia na oposição. Contar entre seus coligados com o PP e o PTB é favorecer o pragmatismo em detrimento dos princípios. Isso tem preço.
O lastimável é que o ônus não se restringe à esfera do poder. Recai pesadamente sobre a nação -em especial, sobre os mais pobres. Esses conhecem, na pele e no espírito, o que significa, de fato, a morte e vida severina.


A VITÓRIA DO "NÃO"

Por uma significativa margem de dez pontos percentuais, os franceses disseram "não" ao que seria a nova Constituição européia. Os ecos da rejeição se fazem sentir tanto no plano europeu como no front doméstico francês.
Internamente, o presidente Jacques Chirac, um dos grandes derrotados, deve anunciar hoje a dissolução do governo do premiê Jean-Pierre Raffarin, cuja impopularidade é apontada como um dos fatores da vitória do "não". Para substituir Raffarin, o presidente pode optar por "chiraquistas" leais, como o ministro do Interior, Dominique de Villepin, ou por Nicolas Sarkozy, seu principal rival dentro da legenda.
Em termos de União Européia (UE), a votação representa um formidável revés, ainda que não insuperável. O bloco já sofrera antes crises importantes, deflagradas por derrotas em plebiscitos. Foi assim com a Dinamarca em 1992 e com a Irlanda em 2001. Desta vez, contudo, quem disse "não" foi a França, o segundo país mais populoso da UE e que desempenhava, ao lado da Alemanha, o papel de motor da instituição. Para tornar o quadro um pouco mais sombrio, os holandeses vão amanhã às urnas e, segundo as pesquisas, também rejeitarão a Carta. Para vigorar, ela teria de ser ratificada por todos os 25 países-membros da UE.
Os europeus terão agora dois caminhos: ou enterrarão essa proposta de Constituição, tentando salvar alguns de seus aspectos por outros meios, ou o documento voltará a ser submetido, num futuro próximo, às populações dos países que os tiverem recusado. Além da França e da Holanda, os britânicos são fortes candidatos a dizer "não". A forte rejeição francesa, porém, lança dúvidas sobre a viabilidade de uma reversão do resultado mesmo sob outro governo.
Ainda é cedo para antecipar qual rota os europeus escolherão. Eles ainda precisam de tempo para assimilar o golpe sofrido. A UE, ao que tudo indica, sobreviverá, ainda que com mais problemas a resolver.

folha de s paulo

A CORRUPÇÃO DE SEMPRE

 De acordo com notas publicadas no Painel desta Folha, há no governo quem reconheça que vigora no Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) uma situação que, se apurada a fundo, "fisgaria peixes no PTB, no PP e no PT". Um ministro considera que "ali estavam brincando com fogo". Para tornar o quadro mais sombrio, o festim não é novidade. Movimentações suspeitas já ocorriam há muitos anos. Mudaram apenas os beneficiados.
São notícias que conduzem a duas constatações. A primeira delas, é que o IRB já deveria, há muito tempo, ter sido objeto de reformulações profundas para submetê-lo a um regime de mais transparência. O instituto esteve por ser privatizado, mas, ao final, nada aconteceu.
A segunda, diz respeito ao caráter "suprapartidário" do processo de apropriação da estrutura pública por interesses privados e corruptos. Se hoje é obrigação do governo petista prestar esclarecimentos e tomar as medidas necessárias para enfrentar o problema, não é possível ignorar que há décadas desvios têm sido cometidos sistematicamente, em diversas instituições públicas, em todos os níveis de governo -o que torna o Brasil um país constantemente identificado com a corrupção.
Esse item consta de avaliações feitas aqui e no exterior. Pesquisas que procuram aferir a percepção de corrupção que executivos, empresários e outros profissionais têm dos diversos países costumam sempre contemplar o Brasil com uma posição no mínimo incômoda.
Trata-se, portanto, de um drama nacional que não pode ser encarado placidamente, como se fizesse parte da natureza. O mais inquietante é que a tendência em curso não desperta otimismo. Ao contrário, pois mesmo um partido, como o PT, que construiu em sua história a imagem de intransigência com a corrupção, parece ir se adaptando rapidamente às regras do jogo.
Enquanto isso, a sociedade brasileira, sentindo-se enganada, vai emitindo sinais de impaciência e descrença da instituição política.
folha de s paulo

Dora Kramer:Compromisso com o eleitor

Pega de surpresa e exposta a desconforto público pela decisão do senador Eduardo Suplicy de dar apoio formal à CPI dos Correios – contrariando acordo na bancada –, a representação do PT no Senado resolveu ontem fazer dele o grande traidor da classe operária.

Os senadores cobraram duramente de Eduardo Suplicy o rompimento do acordo pela não-assinatura do requerimento e, irritados, acusaram-no de ter feito um gesto meramente teatral, referido no oportunismo de surfar na onda a favor do vento soprado pela opinião pública.

O líder do PT, senador Delcídio Amaral, inflamado, deu tom de denúncia ao fato de o senador Suplicy ter faltado ao compromisso com "o partido e com o Governo," tendo, assim, na visão do líder, dado mostras de que não sabe fazer política. Para Delcídio, Suplicy mais à frente refletirá e verá o quanto errou.

O debate da tarde de ontem no Senado vai além de mais uma irrefletida manifestação do PT na sua incessante busca pelo culpado em lado errado.

Ainda que involuntariamente, os petistas traduziram em gestos e palavras uma situação que, mais cedo, a deputada Denise Frossard (PPS-RJ) havia exposto por escrito numa reflexão a respeito do fato de políticos e governantes darem mais importância aos acertos que fazem entre si que ao compromisso firmado nas urnas com o eleitor.

"Por que cargas d'água os que chegam aos governos são levados a acreditar que lá chegaram por conta das composições políticas ou acordos de gaveta?", pergunta ela, juíza aposentada, responsável anos atrás pela prisão daqueles banqueiros de jogo do bicho que durante anos transitaram impunes e reverenciados pela sociedade (não raro entre a "alta") do Rio de Janeiro.

Deputada de primeiro mandato, eleita com mais de 300 mil votos, Denise Frossard olha para a forma como o Governo se bate contra a CPI, protegendo gente supostamente envolvida com corrupção, e constata: "Para mim, essa irracionalidade toda é coisa nova e deve ser estranha também para toda a gente do povo".

A perplexidade da deputada diz respeito à indiferença que governos reservam à opinião de quem os fez governos. "O voto os levou lá e até mesmo alianças, para serem legítimas, precisam estar em sintonia com o voto".

As ponderações de Denise Frossard parecem ter sido feitas à imagem e semelhança do ocorrido na tarde de ontem no Senado, onde um PT constrangido por não ter assinado o requerimento da CPI revoltava-se contra o senador Eduardo Suplicy, que resolveu assinar exatamente alegando compromisso com seu eleitorado.

Na concepção de seus pares, ao dar de costas para o partido e o Governo, Suplicy fez marketing, pensou só em si e deixou constrangidos todos os outros, cuja posição – tida como "honrada" – os fez contrariar as próprias convicções, mantendo-os surdos em relação às mensagens de eleitores pedindo seus apoios à CPI.

Ou seja, pela lógica dos injuriados colegas de Suplicy, o eleitorado não vale coisa alguma frente as conveniências do Governo e as necessidades do partido. Vangloriaram-se até disso.

Bom, bonito, altivo e confiável é o parlamentar que manda às favas os apelos do seu eleitorado e adiante, na véspera da eleição, pede de novo a ele votos para mais um período de representação no Legislativo com direito a todas as honras e prerrogativas conferidas a donos de delegação popular.

E desse quadro salta a dúvida: delegação para representar mesmo quem?

As cobranças feitas a Suplicy à primeira vista pareciam completamente insensatas, tal a inversão de valores nelas contidas. Mais, longe de traduzirem insensatez, demonstravam sintoma mais grave: a auto-referência da política, o distanciamento dos representantes de seus representados.

Muito distantes de seus eleitores estavam aqueles senadores que acusavam Suplicy de crime de lesa-bancada. Sequer conseguiram perceber a barbaridade do que estavam defendendo da tribuna de uma casa de representação popular.

Um após o outro, em tom solene, admoestavam o senador por ter traído a confiança de seus "companheiros e amigos", sim, foi assim que o líder Delcídio Amaral nominou a quem um senador da República deve obrigações de confiança: aos amigos e aos companheiros.

É de se perguntar: e aos eleitores, nada?

Mas talvez quem sabe a ira dos "amigos e companheiros" contra Suplicy tenha sido provocada exatamente porque, ao privilegiar a razão do mandato – a representação externa – em detrimento da motivação dos acordos – as circunstâncias internas –, o senador os exibiu de costas inteiras para a sociedade.

Suplicy atendeu aos apelos dos que o levaram ao Senado e podem não levá-lo de novo para lá caso não se conduza de forma a se credenciar de novo a lhes pedir o voto.

Nada fez nada demais a não ser aplicar a lógica da delegação e pôr em prática teoria bastante difundida em debates sobre a reforma política.

Afinal, vivemos citando os eleitores norte-americanos, ou de países onde existe o voto distrital, como exemplos de fiscalização intensa da atuação dos parlamentares e quando alguém aqui resolve dar satisfação ao eleitor, é considerado indigno de confiança.

No lugar de atacar, conviria mais ao PT imitar o senador Suplicy, antes que seja tarde demais.
o dia

Arnaldo Jabor:A maldição do monstro do ‘mesmo’

Estou com saudade de 1994. O Plano Real tinha dado certo, o Brasil tinha ganho a Copa do Mundo, os dias eram azuis e estava sendo eleito um presidente novo, com palavras novas, representante da elite cultural que sempre esteve fora do poder. FHC venceu, apesar da inveja assustadora de seus colegas de Academia, e era um político que trazia nova “agenda progressista”, que até então se resumira a um confuso sarapatel de “rupturas” revolucionárias, vagos sonhos operários, tudo numa algaravia de conceitos getulistas, terceiro-mundistas e leninistas que nos levaram às derrotas desde 35 até 68.

FHC era a única coisa nova que surgira, além do Lula de 1980, com a política sindical de resultados, uma primitiva social-democracia. FHC chega ao poder acentuando a importância da democracia e da reorganização republicana. Apesar das críticas mecanicistas que sofreu (“neoliberal”, submisso a Washington, aliado a ACM) nada apagava sua novidade: vitória sobre a inflação, a substituição da utopia pela “política do possível”, troca de “solução” por “processo”, responsabilização da sociedade civil etc... Vivíamos um otimismo inédito na política brasileira, com uma fé na “razão” até ingênua, diante das sabotagens fisiológicas que viriam, comandadas pelo museu leninista do PT.

Pela primeira vez na vida, tive esperança de uma mudança profunda no país. FHC chegara numa época propícia, depois do imenso trauma da Era Collor, que nos dera uma grande fome de limpeza ética e de República. Além disso, a chamada sociedade civil estava orgulhosa por sua reação altiva no episódio do impeachment.

Collor teve o “mérito” de ser uma espécie de explosão da caldeira da sordidez, uma maquete dos vícios nacionais que nos trouxe um desejo de decência política.

Os aliados a que FHC se ligou estavam ainda acoelhados depois da chuva de lixo do período Collor e isso permitiu que ele pudesse contar com as alas mais “modernas do atraso” (oh... supremo oxímoro!...) para introduzir práticas renovadoras. A inflação zero ajudou muito nesse otimismo e, mesmo errando aqui e acolá, FHC conseguiu um upgrading político no país, propiciando a eleição de Lula que, aí sim, com 25 anos de espera, foi saudada pela esquerda e pelos intelectuais como uma injeção de “povo” no mundo “de elite” de FHC. Os anos FHC foram um saneamento básico, uma psicanálise do imaginário político, e seu governo não pode ser julgado apenas por um viés economicista, apesar dos erros e das quatro crises internacionais que enfrentou. Deixou uma “herança bendita” agora em plena desconstrução.

A atitude do PT, querendo enfiar marxismo na “insuficiente democracia”, foi decompondo o movimento de renovação que o PSDB tinha conseguido, apesar de tudo. A importância da administração e das reformas internas, a importância da sutileza nas articulações interpartidárias foi destruída pela ansiedade e pela truculência dos bolchevistas chegados ao poder. A verdade é que os petistas sempre desconfiaram da democracia “burguesa”, tentando usá-la como um meio para chegarem não se sabe a quê, talvez a um socialismo imaginário. Não entenderam com suas doenças infantis que a democracia não é um meio, mas um fim em si mesma. Hoje, a equipe de Palocci, os dois ministros “neoliberais” Furlan e R. Rodrigues (todos debaixo de fogo amigo) são a única coisa que resta dessa época de mudança. Hoje vemos que a novidade petista no poder foi, na realidade, um regresso ao passado. Hoje vemos que o horror brasileiro está retomando sua forma inicial, como o rabo de um lagarto se recompondo.

Quando vi o Roberto Jefferson reformando sua silhueta de elefante, ficando magro como um disfarce de si mesmo, invadindo acintosamente as estatais endinheiradas, entendi que a Era Collor estava viva e voltava como um retorno do reprimido, como panela de pressão destampando. A confusão mental petista e sua genuflexão aos fisiológicos lhes permitem um descaramento sublime. Alguma coisa essencial está fazendo água no país. Já dá para ouvir a “ouverture” da ópera bufa, a volta da tradicional maldição do “Mesmo”, a grande empada maldita de canalhas patrimonialistas que clamam pelo Atraso.

FHC anestesiava-os habilmente, mas o PT no poder perdeu a catadura barbuda e temida. E os sem-vergonhas perderam o respeito pelo governo. Os equívocos do PT são retratados por dois fatos recentes: Dirceu e Genoino ajoelhados aos pés de Garotinho e Jefferson e as lágrimas de crocodilo do Suplicy. Falo essas coisas mas não desejo o mal para o governo atual; claro que meus inimigos não acreditam, mas falo com a remota esperança de que alguma coisa fosse ouvida. Será que ninguém muda? Onde está o velho hábito comuna de fazer autocrítica? Os petistas querendo agir dentro do “sistema” estão virando caricatura dos fisiológicos que desprezavam.

Estamos andando de marcha a ré. Não é apenas o escândalo com a depravação, mas o desânimo da população em relação à sua impunidade, é a ausência de alguma agenda política, inexistência de sucessos. Espalha-se pelo Brasil um sentimento de caos, muito além da política; é quase uma peste antropológica que se reativa.

Há mais de um ano, falei em perigo de “neojanguismo” (antes do FHC). Quando falei isso não me referia ao golpe de 64. Falava do período anterior ao golpe, quando grassava a ilusão utópica, bravatas populistas para substituir possibilidades de progresso, a convocação do imaginário para substituir a realidade.

Se eu fosse o Lula (oh... sonho ambicioso...) parava de me deslumbrar com a própria trajetória, emagrecia como o Roberto Jefferson e botava para quebrar, como o velho Lula de 80: rompia alianças, despedia gente, rompia com corruptos notórios, mudava o ministério para técnicos competentes e tentaria recuperar o respeito. Ficaria mais só; mas, e daí? Qual a vantagem do presidencialismo de coalizão se o Governo não consegue emplacar nada? Coalizão ou não-coalizão, nessa altura, tanto faz...
O GLOBO

Por que Lula não fará o que Jabor sugere por RicardoNoblat

Primeiro, porque ele não está ouvindo mais ninguém. Ninguém mesmo.
Quer dizer: ouvir até ouve. Mas só faz o que lhe dá na cabeça. Não foi assim até meados do ano passado. Está sendo assim desde então. Ele perdeu a confiança em alguns dos seus principais conselheiros. Mas não tem coragem de mandá-los embora. Hoje, confiança, confiança mesmo ele só tem em dona Marisa.
Segundo, Lula não fará o que Jabor sugere porque o sucesso escalou a barba dele e se aninhou na cabeça. Ele acredita, acredita com toda a sinceridade que está fazendo tudo certo. Que o governo vai muito bem, obrigado. E que o resto é intriga da oposição que pretende enxotá-lo do poder. Da oposição e de boa parte da mídia.
Lula sente-se vítima do preconceito. Já foi. Mas ainda julga que é.
Terceiro, Lula detesta ter que conviver, negociar e compor com políticos - até mesmo com os do seu partido. Mas imagina que se romper com os mais fisiológicos poderá perder a chance de ganhar um novo mandato. Anda dizendo que não pagará qualquer preço para se reeleger. Que se um dia acordar invocado, desistirá da reeleição. Lorota. Está fascinado com as miçangas do poder. Não quer abrir mão delas.
Por fim, aposta que o bom desempenho da economia e que a falta de um concorrente de peso lhe assegurarão um novo mandato. Não percebe que no caso dele é a política, estúpido, que poderá derrotá-lo.
A área econômica do governo vai bem porque o PT não conseguiu se meter nela como desejava. E porque Lula, que não entende do riscado, sacou que deveria deixá-lo a cargo de quem entende. As demais áreas vão mal ou mais ou menos porque o PT se meteu nelas e porque o próprio Lula ora se mete, ora não.
Às vezes se mete quando não deveria. E às vezes não se mete quando deveria se meter.
BLOG Ricardo Noblat

Luis Garcia: Coceira danada

A afirmação de que a primeira vítima de uma guerra é a verdade data de mais de um século, e até hoje nenhum conflito a desmentiu. No entanto, ela permanece ambígua. Seus carrascos tanto podem ser os protagonistas do conflito como a mídia, sua principal testemunha. Talvez não seja injusto, em muitos casos, culpar uns e outros.


Raras vezes isso tem sido tão visível quanto no conflito do Iraque. Nele, a verdade não tem sido apenas a primeira baixa: a guerra oficialmente acabou e a coitada continua levando pancada dos dois lados.

Já se falou o suficiente sobre o visível cinismo da Casa Branca. O governo americano tinha comprovadamente razão quando definia Saddam Hussein como um déspota muito pouco esclarecido. Mas até hoje não conseguiu provar por que, num mundo de tantos regimes totalitários nada esclarecidos, alguns deles até cortejados aliados dos EUA, ele teria de ser a bola da vez.

Por outro lado, é inegável que a mídia — não exclusivamente a americana, mas ela de forma mais tristemente flagrante — também tem atropelado a verdade com freqüência de acabrunhar. Durante muito tempo, por ter aceitado sem discutir a idéia de que a invasão do Iraque era resposta adequada e moralmente válida ao morticínio no World Trade Center. Mais recentemente, pela leviandade com que, num esforço para melhorar sua imagem, tem apontado crimes de guerra cometidos por autoridades americanas.

Já fora patético o erro de jornalistas de televisão ao tentar provar a suposta covardia do presidente George W. Bush, evitando ser recrutado para a guerra no Vietnam. Documentos falsos foram exibidos e logo desmentidos. Ficou provado o açodamento leviano da TV — e as suspeitas contra Bush tiveram de ser abandonadas, ainda que pudessem ter fundamento. A pressa, mais uma vez se provou, pode ser a inimiga da verdade.

Por estes dias, nova trapalhada mostrou como o mau jornalismo atropela a boa informação.

Primeiro, a revista “Newsweek” informou que, como parte do tratamento cruel de prisioneiros de guerra — solidamente comprovado em inúmeros casos, com abundante documentação fotográfica (torturador que fotografa a tortura é torturador acima de tudo burro, não?) — exemplares do Alcorão foram jogados em privadas. A repercussão no mundo árabe foi o desastre que se pode imaginar.

Mas a revista cometera erro mortal: não podia provar a autenticidade da denúncia. E foi forçada a se desmentir. Não é deslize perdoável: ele desmoraliza não apenas aquela denúncia, mas todas as revelações sobre tratamento cruel de prisioneiros. A “Newsweek” publicou retratação humilhante.

Dias depois, o “Washington Post”, jornal da mesma empresa que edita a revista, e que lamentara o erro publicamente, informou que a agressão ao Alcorão realmente acontecera. Novamente o governo desmentiu o que foi publicado, e ficou tudo por isso mesmo.

Pelo visto, o jornalismo americano não vive um momento de alto brilho. Mas é simples, pelo menos em tese, definir certos cuidados óbvios. Por exemplo: não há notícia com apuração pela metade. E, quanto mais grave a denúncia, mais sólidas precisam ser as provas. Mais: a certeza moral deve ser apenas um estímulo à busca dos fatos — não uma desculpa para acusar. Por maior que seja a coceira nos dedos ou na garganta. Uma coceira danada, podem crer.
O GLOBO

Merval Pereira:O vice se prepara





O fato de o vice-presidente da República, José Alencar, ter anunciado que não será candidato nem ao governo de Minas nem ao Senado nas próximas eleições não significa que ele esteja pensando em desistir da vida pública. Muito ao contrário, há sérios indícios de que ele também está sentindo o “comichão do futuro”, como já definiu o ex-presidente Fernando Henrique com relação ao PSDB, e em Brasília já não é mais segredo que o vice-presidente tem entre seus planos se candidatar à Presidência da República na sucessão de Lula, decisão que será reforçada caso o PL seja mesmo trocado pelo PMDB na composição da chapa da reeleição.

O senador Jefferson Peres, do PDT, ele também um “presidenciável”, se dispõe a apoiar Alencar caso ele confirme a candidatura. Também o deputado Armando Monteiro, presidente da CNI, “desconfia” que o vice-presidente esteja planejando se candidatar à sucessão de Lula.

Às suas pregações contra os juros altos, uma bandeira altamente popular, José Alencar está adicionando críticas mais amplas à política econômica do governo. Ele terá uma reunião hoje com um grupo de economistas de esquerda, todos ligados ao Conselho Federal de Economia, que prepararam um documento intitulado “Política econômica, governança e governabilidade”, no qual defendem políticas econômicas “consistentes com a estabilização, a redução da vulnerabilidade externa e o desenvolvimento” baseadas na expansão do mercado interno, especialmente o consumo das famílias, investimento privado e gastos públicos.

Estarão presentes: Sidney Pascotto da Rocha, presidente do Conselho Federal de Economia; Ney Cardim, vice-presidente; Reinaldo Gonçalves e João Paulo de Almeida Magalhães, conselheiros do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro.

Os economistas convidados pelo vice-presidente consideram “um grave erro estratégico” o governo ter adotado políticas monetária, fiscal e salarial que classificam de restritivas, e implementado medidas de liberalização cambial, comercial e financeira. Eles denunciam no documento que órgãos importantes para a gestão macroeconômica foram entregues “a representantes de determinados grupos dominantes”, numa clara referência a pessoas ligadas ao governo de Fernando Henrique que hoje estão em postos chave da equipe econômica, como o secretário-executivo Murilo Portugal e o secretário do Tesouro, Joaquim Levy.

Segundo eles, as políticas macroeconômicas e medidas tributárias e previdenciárias adotadas pelo governo consolidam um modelo “marcado pela crescente vulnerabilidade externa e exclusão social”. O primeiro resultado desse “grave erro estratégico” é que “a realidade brasileira atual distancia-se cada vez mais de um projeto de desenvolvimento com crescente inclusão social”, e apelam ao nacionalismo do vice-presidente defendendo um modelo apoiado “em bases nacionais”.

As propostas que vão levar ao vice-presidente misturam medidas de ruptura, como uma auditoria na dívida externa, o que levaria à interrupção dos pagamentos, e controle do fluxo financeiro para impedir evasão de divisas. É exatamente o inverso da política econômica adotada pela Fazenda comandada por Palocci. Evidentemente, a redução das taxas de juros é a primeira das 12 medidas que sugerem.

A “redução significativa da taxa de juro básica (Selic), que remunera os títulos públicos”, seria acompanhada de uma mudança de perspectiva econômica, e a taxa de juro passaria a ser focada “no ajuste das contas públicas”.

Segundo os economistas, a taxa de redesconto deve ser desvinculada da taxa Selic e, assim, “quando houver inflação de demanda, o Banco Central passará a usar ativamente a taxa de redesconto, os depósitos compulsórios e o IOF para regular o crédito”.

Eles defendem ainda a interferência direta do governo no mercado, com uma “política de rendas pactuada”. Quando a economia se aproximar do de pleno emprego, diz o documento, o governo estabeleceria “uma política de rendas pactuada, com vistas a assegurar a continuidade do crescimento com relativa estabilidade de preços”.

Eles defendem também uma renegociação dos contratos das empresas privatizadas, para “promover mudanças imediatas no sistema de reajuste das tarifas de serviços de utilidade pública no sentido de eliminar o atual sistema de indexação”. A redução do spread e dos custos dos serviços prestados pelos bancos seria obtida “por meio da implementação efetiva de medidas de defesa do consumidor e de combate às práticas comerciais restritivas”.

O documento defende a “interrupção da captação de recursos externos pelo setor público, recomposição contínua das reservas internacionais como um aspecto estratégico da gestão macroeconômica” e a reversão da atual liberalização cambial e financeira, “via maior controle da conta financeira e de capitais do balanço de pagamentos, para impedir a evasão de divisas”. Prega a intervenção no mercado cambial para atingir “nível real favorável às exportações e à substituição das importações, e compatível com o equilíbrio dos fluxos de capitais externos”.

Entre as medidas para reduzir a vulnerabilidade externa estão um imposto de exportação sobre commodities, a avaliação custo-benefício social dos projetos de investimento externo direto no país, e o controle dos pagamentos no exterior, com o fortalecimento do sistema nacional de inovações.

Chegam a detalhes como sugerir o cancelamento do programa de Parcerias Público-Privadas para “reverter o processo de desnacionalização dos setores de produtos não comercializáveis internacionalmente de modo a reduzir a rigidez das contas externas do país”.

NOTA:Os estudos da consultoria Macroplan que analisei nas colunas do fim de semana estão no livro “Quatro cenários para o Brasil - 2005-2007” (Ed. Garamond).
O GLOBO

AUGUSTO NUNES:O país inclemente com seus órfãos

A brasileira Maria Aparecida Matos protagonizou, durante um ano e sete dias na cadeia, uma emblemática história de horror. Aos 24 anos, acaba de recuperar a liberdade física, por decisão do ministro Paulo Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça. O epílogo sensato não dispensa o país de reflexões sobre o conjunto do drama. Inspira justificados temores e obriga à interrogação inevitável: quantos casos similares não arrastaram e arrastam correntes pelos labirintos do sistema penitenciário?

Em maio de 2004, funcionários de uma farmácia em São Paulo surpreenderam Maria Aparecida na tentativa de furtar um xampu e um condicionador. Somados, custavam R$ 24. O salário esquálido de empregada doméstica, mãe de dois filhos, não permitia requintes tão caros. Não tinha aquele dinheiro, mas sucumbira à vontade de cuidar melhor dos cabelos. Cometera o pecado da vaidade.

Analfabeta, Maria Aparecida aprendeu apenas a desenhar o nome. Não lê jornais nem vê noticiários de TV. Não sabia, na semana em que conheceu a primeira das muitas estações do calvário, que três meses antes um figurão chamado Waldomiro Diniz fora filmado protagonizando cenas de extorsão explícita. Tampouco sabia, enquanto policiais a trancafiavam na cadeia feminina, que Waldomiro passeava por supermercados de Brasília, espalhando parcelas da fortuna arrecadada no submundo da gatunagem federal.

Sem dinheiro nem cabeça para pensar em advogados, Maria Aparecida entregou-se às mãos do destino. Foram mãos inclementes quase sempre. Só pareceriam menos brutais depois que a Pastoral Carcerária mobilizou a advogada Sônia Regina Arrojo e Drigo. Teimosa, valente, disposta a enfrentar a loucura codificada, Sônia lutou bravamente, mas em vão, para que Maria Aparecida aguardasse em liberdade o julgamento.

Os guardiães da lei recusaram tamanha regalia a uma reincidente em atentados contra o patrimônio. Em ocasiões anteriores, ela tentara subtrair os mesmos objetos do desejo: cosméticos baratos. A primeira negativa, decretada pela 2ª Vara Criminal de São Paulo e encampada pelo Tribunal de Justiça, prolongou a temporada num viveiro de prisioneiras ferozes. O equívoco judicial lhe marcaria a alma e o rosto. Maria Aparecida conta que perdeu a visão direita e ganhou cicatrizes na face em sessões de tortura estimuladas por carcereiros.

Em abril, a juíza Patrícia Álvares Cruz pronunciou a sentença: por medida de segurança, ao menos um ano de reclusão no hospício. A pena poderia ser estendida por tempo indeterminado se assim recomendasse o resultado dos exames destinados a aferir seu equilíbrio mental. O Tribunal de Justiça encampou a sentença. A essa altura, o caso fora içado da penumbra pelo repórter Gilmar Penteado, da Folha de S.Paulo.

Ele entrevistou Maria Aparecida já transferida para o hospício. "Ela tenta esconder o lado direito do rosto", notou. "Passa a mão pela face, vira a cabeça. E pergunta o que fazer para recuperar a antiga aparência". Sempre vaidosa, garantiu que fora muito bonita. Talvez tenha sido, antes dos vincos que envelhecem precocemente as órfãs do Brasil. Dias depois, já condenada, transpirava aflição. Tinha medo de "virar patrimônio" - ficar ali até morrer, no jargão dos detentos. Livrou-a do lento assassinato o recurso ao STJ.

O caso Waldomiro nem chegou ao fim do inquérito. Ele nunca soube o que é uma noite no catre, experiência repetida 372 vezes por Maria Aparecida. Ainda assim, declara-se feliz. "Parece mentira", sorri. O Brasil parece mentira.

Lula decerto ignora o caso. Só isso explica por que ainda não enviou a Maria Aparecida o necessário pedido de perdão. Com um xampu e um condicionador.
JB

segunda-feira, maio 30, 2005

Aposentadoria FHC

........Fernando Henrique esclarece
Incluído por Carlos Heitor Cony entre os supostos beneficiários da mesma lei que garantiu ao escritor uma controvertida compensação financeira, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso escreveu ao colunista para esclarecer seu caso e dissipar equívocos. Segue-se a mensagem:
"Li na coluna Sete Dias publicada pelo JB no último dia 21 referência feita por Carlos Heitor Cony a uma indenização que eu teria recebido em decorrência da lei que fixou reposições para os perseguidos políticos pelo regime autoritário. Em geral não respondo às referências miúdas a meu respeito, feitas por quem não se dá ao trabalho de se informar sobre os fatos. Mas, como se trata de matéria que vem se repetindo, esclareço:
a) não recebi, nem pedi, indenização de qualquer governo por ter sido afastado compulsoriamente da cátedra da Universidade de São Paulo. Recebo apenas proventos proporcionais ao tempo de serviço efetivamente cumprido, na forma do decreto que me aposentou em 1969, somado a ele, pela Lei da Anistia de 1979, o tempo de exclusão. Ou seja, cerca de 2/3 da aposentadoria a que faria jus como professor catedrático, depois das três teses que defendi, como mandavam regulamentos da Universidade de São Paulo.
b) abri mão, quando eleito presidente da República, da aposentadoria a que teria direito como senador. Fui reembolsado apenas da parte que já havia pago para gozar desse direito quando me aposentasse.
c) no Brasil, depois da Constituição de 1988, na ausência de lei específica, os ex-presidentes não têm direito a qualquer pensão, assim como, pelo menos até meu período de governo, não gozavam de qualquer verba de representação.
Grato se puder publicar estes esclarecimentos, despeço-me com um abraço afetuoso,
Fernando Henrique"
JB em 28.11.2004 Coluna Augusto Nunes

Marcos Sá CorrêaE por falar em aposentadoria...

29.05.2005 | Por falar em peru bêbado, onde será que o deputado José Genoíno andava com a cabeça quando disse que os sacríficios do "povo pobre e humilde deste país" servem "para financiar aposentadorias polpudas"de certas pessoas? Claro que ele se referia ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas, se tivesse juízo, o presidente do PT se contentaria em chamar o adversário de "fariseu, despeitado, irresponsável, invejoso, demagogo, preconceituoso, elitista e arrogante".

Isso, em política, não dá briga. Mas aposentadoria polpuda – ou demagógica, farisaica, irresponsável e elitista – não é assunto em que se mexa no governo Lula. Isso, como a corrupção administrativa, não é exclusidade de ninguém na jovem democacia brasileira. Cada um cuida da sua. O presidente da República, por exemplo, é um aposentado precoce. No governo Itamar Franco, a República resolveu indenizá-lo, com a generosidade de sempre, quando se trata de servir os amigos, pelos 31 dias que passou no DOPS paulista por causa de uma greve no ABC.

Lula foi preso em 1981, quando o regime militar estava caindo aos pedaços. Teve tratamento leve. Anos depois, deu uma longa entrevista ao jornalista Augusto Nunes, contando os privilégios carcerários que conseguiu arrancar na época do delegado Sérgio Fleury. Na última campanha eleitoral, havia em seu site na inernet uma entrevista de dona Marisa dizendo que, ao visitá-lo no xilindró, os filhos pensaram que o pai estivesse num hotel.

Podia ser pura bravata. Mas nada disso foi descontado da aposentasdoria especial que emplacou em março de 1996. Especial quer dizer que ela furou o teto do INSS. Aliás, era quase três vezes maior que o limite para os proventos da patuléia. Veio com efeito retroativo a 1988 e direito a atrasados – R$ 56.478,00 – desde 1990. Por que a diferença? Porque em 1988 Lula estava exercendo, com certo enfado, diga-se de passagem, o mandato de deputado mais votado do Brasil.

Ao aposentar-se, Lula tinha 51anos de idade e 26 anos de serviço. Ganhou tempo graças à insalubridade no trabalho, que valeu até para os anos em que ele se dedicava em tempo integral à direção do sindicato dos metalúrgicos. Sete anos atrás, alguém insinuou na imprensa que o arranjo era a sua conversão à maracutaia. "Imoral foi me cassarem, me prenderem e obrigarem a empresa a me demitir", ele respondeu. A aposentadoria especial, em si, era "legítima e justa", por ser "uma conquista dos anistiados".

E ficou por isso mesmo. O assunto poderia estar encerrado, se de vez em quando o próprio governo não cometesse o desatino de revolvê-lo, com fez o deputado Genoíno. Logo agora que está em trânsito pela internet um texto anônimo – tão anônimo como os titulares das "aposentadorias polpudas"de que falou Genoíno – sobre esse tema tão atual e palpitante. É assinado "CM".

"CM" parece bem informado pelo menos sobre endereços na internet, porque já andou até pelos computadores do Ministério Público no Rio de Janeiro. Diz, em resumo, que o campeão dos pedidos de indenização para vítimas da ditadura militar é o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, que está no quarto mandato de deputado pelo PT. Já se ocupou de indenizações que, somadas, tiraram da União 900 milhões de reais. Cobra 30% sobre o valor das causas bem sucedidas. Pode-se não acreditar numa linha sequer dessa denúncia. Mas basta folhear os jornais de todo dia para sentir que a tal herança maldita do regime militar está virando um grande negócio.

no mínimo

Tudo o que você gostaria de saber sobre a CPI dos Correios



Pelos cientistas políticos Murillo de Aragão e Cristiano Noronha da empresa de consultoria Arko Advice:
1.Quais são os próximos passos da CPI?
Os líderes terão que indicar os membros da comissão. Não há um prazo rígido definido pelo Regimento Interno do Congresso. Fala-se em até 30 dias. Conforme afirmou na semana passada o presidente do Senado, Renan Calheiros, o prazo é o do bom senso.

2. Se os líderes não indicarem nomes para integrar a CPI, o que acontece?
A tarefa caberá ao presidente do Congresso Nacional. O Regimento Interno do Congresso impõe data limite para que sejam feitas as indicações pelo presidente.

3. Havendo indicação de membros, a comissão funciona automaticamente?
Não. É preciso que haja quorum. No primeiro encontro, presidido pelo parlamentar mais velho presente à reunião, é feita a eleição do presidente. O quorum mínimo para a primeira reunião é de metade mais um do total dos membros da comissão. Portanto, como ela é composta de 32 parlamentares, é necessária a presença de pelo menos 17 congressistas. Depois de eleito o presidente, as reuniões seguintes podem ser feitas com um terço dos membros, ou seja, 11.

4. Com que partido ficam a presidência e a relatoria?
O presidente é eleito. O relator, escolhido pelo presidente eleito da Comissão. Entretanto, há uma regra informal que diz que, como se trata de Comissão Mista, um dos cargos fica com o maior partido na Câmara, no caso o PT, e o outro com o maior partido no Senado. Como PSDB e PFL formaram um bloco (juntos, os dois partidos têm 29 senadores; o PMDB tem 22 senadores), um dos cargos pode ficar com a oposição. O governo estuda uma forma de entregar os dois cargos a seus aliados.
Havia também outra regra segundo a qual o maior partido da Câmara teria direito à presidência da Casa. O PT acabou perdendo o cargo para o PP. O mesmo poderia acontecer na CPI. Como o governo tem maioria na comissão, poderia derrotar a oposição no voto. Isso poderia gerar mais turbulência. É preciso agir com muita prudência.

5. Qual a composição da Comissão?
O governo tem maioria. São 19 integrantes da base e 13 representantes da oposição. Isso significa que o governo pode evitar a primeira reunião da comissão, quando o quorum mínimo para abrir a sessão será de 17 parlamentares.
Como para as reuniões seguintes são necessários apenas 1/3 dos membros da Comissão (11), será mais difícil para o governo evitar o funcionamento da CPI.
Por ter direito a sete cadeiras, o PMDB será fundamental para o governo manter o controle da comissão. Mais uma vez o Palácio do Planalto está dependente do partido.

6.Quando a CPI deve começar a funcionar?
É imprevisível. O governo tentará adiar o seu funcionamento até o final de junho. Como haverá recesso em julho, espera que as férias do meio do ano possam esfriar o clima político no Congresso. Ao mesmo tempo, poderá acelerar as investigações por meio da Polícia Federal, Ministério Público e Corregedoria Geral da União. Desta forma, o governo esvaziaria a utilidade da comissão.

8. O governo ainda pode, de forma regimental, derrubar a CPI?
Sim. O deputado João Leão (PL-BA), vice-líder do governo no Congresso, apresentou questão de ordem na qual afirma que o requerimento da oposição é genérico ao passo que a Constituição exige fato determinado para criações de CPIs. A questão de ordem será examinada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que é presidida pelo deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ).
Caso o requerimento seja aprovado pela CCJ e pelo plenário do Congresso, a CPI poderá ser evitada.

9. Quais as chances de sucesso dessa estratégia?
Pequenas, embora não inexistentes. O governo terá que enfrentar duas batalhas: uma na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e outra no plenário. A segunda é mais difícil. Assim como não houve disposição de parte expressiva dos parlamentares de retirar suas assinaturas para evitar a CPI (especialmente de senadores), pode não haver para votar a favor da questão de ordem do deputado João Leão. Será mais uma estratégia do governo para, pelo menos, postergar o funcionamento da Comissão.

10. Há relação entre a CPI e a sucessão presidencial?
Sim. O próprio presidente Lula admitiu isso durante viagem ao Japão. A oposição espera mostrar que existe corrupção no governo Lula. Espera que a CPI atinja o Planalto, direta ou indiretamente.

11. Caso a CPI venha a funcionar, quais os riscos para o governo?
O primeiro deles é desgastar a imagem do governo e do presidente Lula, desde que se confirmem casos de corrupções nos Correios. Ficará a sensação de que o palácio estava protegendo irregularidades. Uma vez descobertos casos de fraude, a oposição poderá sair fortalecida, pois defendeu desde o início a apuração das denúncias.
Outro risco é a ampliação do escopo das investigações para outras estatais, em vez de restrita apenas aos Correios, com eventual participação de aliados e pessoas ligadas ao governo, direta ou indiretamente, no escândalo.

12. Como o governo pode evitar esses riscos?
Não há como evitá-los totalmente, e sim minimizá-los. Para tanto, terá que escolher os parlamentares mais fiéis de sua base para integrar a comissão.

13. Há risco de a CPI, uma vez em funcionamento, por em risco a reeleição de Lula?
Pequeno. A não ser que seja descoberto um esquema de corrupção que envolva diretamente o Partido dos Trabalhadores ou algum membro do governo muito próximo ao Palácio do Planalto. Entretanto, é indiscutível que a imagem do governo já está abalada com o caso.
Blog Ricardo Noblat

Com todos os méritos

O presidente nacional do PT, José Genoino, acabou de dizer no Bom Dia Brasil da Rede Globo que o PT não ficará com fama de "abafador de CPIs".
Salvo engano, o PT tentou abafar a CPI dos Bingos que, em breve, o Supremo Tribunal Federal mandará que seja instalada. A CPI foi criada, mas os líderes do governo e dos partidos que apóiam o governo se recusaram a indicar seus membros.
Também salvo engano, o PT tudo fez para que a CPI do Banestado não desse em nada ou acabasse em pizza. Foi mais ou menos isso o que aconteceu.
E, salvo alucinação coletiva, o PT usou todos os meios possíveis para impedir a criação da CPI dos Correios.
Ora, o PT virou abafador de CPIs, sim. E com todos os méritos.
BLOG Ricardo Noblat

FERNANDO RODRIGUES:A gênese da crise

FERNANDO RODRIGUES:A gênese da crise TÓQUIO - Lula teve um almoço com brasileiros no sábado, em Nagóia. Era o último trecho de seu giro pelo Oriente, depois de visitar Seul (Coréia do Sul) e Tóquio (aqui no Japão). O petista estava animado. Saiu da Ásia deixando um saldo de dezenas de acordos e memorandos assinados. Os contratos podem resultar em investimentos de US$ 4 bilhões com os coreanos e US$ 2,1 bilhões com os japoneses. A conferir.
Na frente dos brasileiros locais em Nagóia, Lula fez um auto-elogio. "Enquanto tinha gente que viajava para o exterior para receber título de doutor honoris causa, eu viajo para vender e promover o país."
Mais adiante, o petista atacou Fernando Henrique Cardoso de maneira mais direta. Disse que o tucano "se perdeu" ao ter entrado no projeto da reeleição. Nesse ponto, Lula voltou a repetir seu raciocínio sobre o tema. Acha que só vale a pena se: 1) houver segurança de que um segundo mandato será melhor que o primeiro e 2) se não for necessário fazer o que chama de "alianças espúrias".
Tem chamado a atenção nas observações mais recentes de Lula a freqüência com que ataca FHC. O petista também repete à exaustão sua tese sobre reeleição.
A animosidade contra FHC é natural. O tucano provoca. Já no caso da reeleição, é difícil perscrutar a cabeça do presidente. Quando fala em não fazer "alianças espúrias", fica uma dúvida: será que Lula considera coerentes os acertos que fez com o PP (ex-Arena e partido de Paulo Maluf) e PTB (Roberto Jefferson)?
Essa confusão mental do presidente da República é a gênese de todos os desacertos na área política de seu governo. Assim como não vê nada espúrio em defender o PTB, só enxerga problemas nos outros. Muitas vezes, a crise se instala por causa da análise errada que o governante faz da conjuntura. Além da dificuldade para admitir seus desacertos.
folha de s paulo

VINICIUS TORRES FREIRE:Choque ético, urubus e economia

 SÃO PAULO - A dita esquerda do PT tem feito troça involuntária e de mau gosto da gestão Lula ao reivindicar um "choque ético" no governo. Uma das pantomimas finais e desesperadas do governo Collor foi a nomeação de um "ministério ético" (isto é, Collor parecia dizer ao país que, até então, seu ministério fora um conluio de bucaneiros e salteadores).
Afora o ridículo inadvertido da lembrança de Collor, a esquerda do PT faz o teatro habitual. Na melhor das hipóteses, Lula vai eletrocutar só urubus mais evidentes, que rapinam licitações nas estatais. De resto, se quiser manter a aparência de que governa, terá de refazer seu pacto com o grão-urubu de cada partido satélite (PTB, PP, PL), nas condições desvantajosas que são a de um governo sistematicamente derrotado no Congresso e acuado na opinião pública.
Mas esse "pacto de governabilidade" está garantido (vamos dar esse nome generoso à feia barganha que virá)? Como acalmar os urubus em meio à zoeira da CPI? Não há como evitar baixas na "base aliada", por mais controle que o governo venha a ter da CPI dos Correios. Quanto mais tiros certos da CPI, mais baixas na "base aliada", maior o custo dos pedidos dos urubus. Por outro lado, quanto mais controle governista da CPI, mais agitação oposicionista haverá. Ou PSDB e PFL consideram que já aproveitaram o bastante da crise e vão se acalmar?
Isso tudo se passa em um momento em que o impulso de 2004 e torrentes de crédito popular ainda sustentam a economia. Apesar da obstinação alucinada do Banco Central, os juros ainda não embicaram a produção para baixo, o que pode começar a acontecer agora, em meados do ano.
Pode ser que a economia baixe suavemente e, mesmo na pior das hipóteses, o pleno impacto da desaceleração na vida do povo comum ocorreria mais tarde, no último trimestre. O governo tem algum tempo, pois, para se recuperar das tolices políticas antes de enfrentar os efeitos das tolices econômicas. Mas tem feito esforços para enganchar uma crise na outra.
folha de s paulo

DISPUTA PELO CONTROLE

 Depois do naufrágio de seus esforços para impedir a instalação da CPI dos Correios, o governo parece ter tomado consciência de que novas táticas para bloquear a investigação parlamentar estão fadadas ao insucesso. É provável que a base governista procure, mesmo assim, criar o máximo de dificuldade possível, com o intuito de ganhar tempo até o recesso parlamentar de julho. Nessa hipótese, a CPI seria instalada no segundo semestre, oferecendo ao Planalto uma oportunidade de "esfriar" o assunto.
Essa estratégia lembra a utilizada em relação à CPI dos Bingos, que terminou por ser objeto de um recurso ao STF (Supremo Tribunal Federal). No entanto, o presidente do Senado, Renan Calheiros, já emitiu sinais claros de que não repetirá os atos de seu antecessor, José Sarney, que naquela ocasião preferiu se omitir nas indicações de parlamentares.
Enquanto deflagra uma operação de caça às bruxas, para pressionar e punir seus rebeldes, o governo petista deve concentrar-se na tentativa de indicar o relator da CPI. A comissão será composta por 32 membros -19 da situação e 13 da oposição. A presidência caberia às legendas governistas e a relatoria às agremiações oposicionistas. O grupo formado por PFL e PSDB já sugeriu um nome para a função -o senador César Borges (PFL-BA). Mas o que se apurou das conversas entabuladas ontem, após a chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de sua visita à Ásia, indica que o governo insistirá em seu intuito de controlar a relatoria.
Caso venha a obter o que pretende, o Planalto ganharia mais margem de manobra para circunscrever a CPI e suas conclusões aos aspectos que considera convenientes, evitando desdobramentos indesejáveis. A dinâmica dessas comissões, porém, nem sempre segue um roteiro prévio, que possa ser inteiramente controlado pelos que a dirigem.
O que o país espera e precisa é que o inquérito seja conduzido com seriedade e que os fatos venham a ser esclarecidos, sem tergiversações e acordos espúrios de bastidores.
folha de s paulo editorial

Lucia Hippolito: José Dirceu criou um monstro. Ou mais de um

"O ministro José Dirceu virou uma espécie de Judas de sábado de Aleluia fora de época. Está sendo impiedosamente malhado por adversários e por aliados, antigos e novos.
Isto porque José Dirceu foi responsabilizado pela crise política e, sobretudo, moral que atingiu o coração do governo Lula.
José Dirceu é o principal responsável pela crise política? É, é sim, mas não é de hoje. O ministro cometeu um equívoco fatal na montagem do governo. Como principal estrategista político do governo Lula, José Dirceu é um completo fracasso.
A principal tática de Dirceu foi a engorda artificial das bancadas aliadas para construir uma maioria no Congresso, isto porque nas eleições de 2002 o eleitorado não deu ao PT maioria na Câmara e no Senado.
Quando aumentou a bancada do PTB, por exemplo, de 26 deputados para 40 antes mesmo da posse de Lula, José Dirceu tinha que saber que estava criando um monstro. Esta bancada não engordou assim pelos belos olhos do chefe da Casa Civil. Monstros precisam ser alimentados.
Assim também aconteceu com as bancadas do PL, do PSB, do PCdoB. Ideologia não enche barriga, e o ministro sabe disso. Prometeu, e não cumpriu. No mundo da fisiologia, prometer e não entregar é o pior dos pecados.
Mas José Dirceu, acostumado a dar ordens no PT e a comandar um aparelho partidário, achou que era espertíssimo e que ia dar a volta em fisiológicos históricos, acostumados a canibalizar o Estado brasileiro há décadas. José Dirceu achou que era o rei do caqui e fez papel de bobo. Coitado!
No primeiro ano do governo Lula, o talento do ministro José Dirceu para a articulação política foi cantado em prosa e verso. Mas um governo no primeiro ano aprova tudo. Não pelo talento de qualquer ministro, mas pela legitimidade dos milhões de votos que o presidente da República obteve nas urnas.
Nos anos seguintes, tudo fica mais difícil, e aí sim, aparece o talento dos articuladores políticos. Foi quando o ministro José Dirceu colheu os seus fracassos mais retumbantes.
Mas o pobre José Dirceu não deve ser crucificado sozinho. Boa parte da responsabilidade do fracasso deve ser debitada na conta pessoal do presidente Lula.
O ABC de uma política presidencial ensina que não se deve entregar a coordenação política ao chefe da Casa Civil. Isto porque qualquer crise é transferida imediatamente para dentro do Palácio do Planalto.
Qualquer presidente minimamente dotado para a política sabe que o coordenador político tem que ser um parlamentar ou um ministro com gabinete fora do Planalto.
Mas o presidente Lula acha que é um ser iluminado e destinado a reinventar o Brasil. Deu no que deu.
BLOG Ricardo Noblat

Com todos os méritos

O presidente nacional do PT, José Genoino, acabou de dizer no Bom Dia Brasil da Rede Globo que o PT não ficará com fama de "abafador de CPIs".
Salvo engano, o PT tentou abafar a CPI dos Bingos que, em breve, o Supremo Tribunal Federal mandará que seja instalada. A CPI foi criada, mas os líderes do governo e dos partidos que apóiam o governo se recusaram a indicar seus membros.
Também salvo engano, o PT tudo fez para que a CPI do Banestado não desse em nada ou acabasse em pizza. Foi mais ou menos isso o que aconteceu.
E, salvo alucinação coletiva, o PT usou todos os meios possíveis para impedir a criação da CPI dos Correios.
Ora, o PT virou abafador de CPIs, sim. E com todos os méritos.
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The way you look tonight - Lionel Hampton Quartet

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domingo, maio 29, 2005

A última do Lula: um plano de metas para o ano 2022 por Josias de Souza

Não há mais dúvidas: Lula é mesmo uma espécie de caçador que foi à casa da Vovozinha para salvar a Chapeuzinho Vermelho e acabou casando com o Lobo Mau. Mas o presidente talvez esteja enojado da opção que fez. Tanto que encomendou ao camarada-estrategista Luiz Gushiken um plano de metas para vigorar até 2022. Duas décadas de convivência com a desfaçatez é tudo o que Lula e o ex-PT parecem dispostos a agüentar. A paciência do petismo tem limites.

Em carta recebida da Presidência da República, o repórter foi convidado a ajudar a "construir o Brasil do futuro". A mesma correspondência foi enviada a outros 49.999 brasileiros. Todos foram instados a visitar um endereço eletrônico (www.presidencia.gov.br/br3t). Ali, digitando-se uma senha individual, as pessoas são apresentadas a um tal "Projeto Brasil 3 Tempos".

O repórter alarmou-se com a súbita responsabilidade acomodada sobre os seus ombros estreitos: "O projeto depende da sua opinião". Com o auxílio de acadêmicos, o governo elaborou um questionário. Coisa ambiciosa. Aborda 50 temas -da política cultural à nanotecnologia. "Com a sua participação, esses temas serão discutidos, formando o alicerce de um processo de gestão estratégica, que permitirá a construção de um futuro melhor", estimula a mensagem.

Embora sensibilizado com tanta deferência, o repórter achou melhor declinar do convite para participar da ambiciosa empreitada governamental. Súbito, lembrou-se de Stefan Zweig. Autor do livro "Brasil, País do Futuro", o escritor austríaco suicidou-se em fevereiro de 42, em Petrópolis (RJ), por não suportar o presente. Observando a sem-vergonhice dos dias que correm, o repórter por vezes também sente as ânsias da morte voluntária.

A colaboração com Gushiken revolveria perigosamente os subterrâneos da psique do repórter. O id poderia receber mal a idéia. Decerto decodificaria as respostas ao questionário do Planalto como evidências da cumplicidade com o governo. Um governo que, por indigno, não merece ajuda. Seria arriscado. Muito arriscado. Arriscadíssimo. Melhor evitar. Não é hora de apressar o encontro com Stefan Zweig.

Nada como o presente para desacreditar o futuro. Enquanto Gushiken, instalado no terceiro andar do Palácio do Planalto, finge construir 2022, Lula, na sala ao lado, e José Dirceu, no pavimento superior, conduzem operações que destroem 2005.

Poder-se-ia imaginar que o "tour-de-farsa" fosse coisa combinada. Lula e Dirceu mergulhariam o país no caos de propósito, só para que Gushiken pudesse erigir dos escombros uma nação novinha em folha, nascida do zero. O mais provável, no entanto, é que Gushiken esteja mesmo planejando um imaginário Brasil das maravilhas, a ser gerido por uma improvável Alice petista.

Às voltas com as contradições de uma gestão convencional, o ex-PT perde-se num ziguezague incompatível com qualquer sonho de futuro. Ao autorizar o chefão da Casa Civil a ajoelhar-se diante de Roberto Jefferson, ao permitir que sussurre súplicas ao pé do ouvido de Anthony Garotinho, o presidente demonstra que governos, assim como escritores e repórteres, também flertam com o suicídio.

Antes de elaborar o questionário que enviou ao repórter e a outros brasileiros mais ilustres, Gushiken realizou uma pesquisa de opinião. Foi coordenada pelo Instituto de Estudos Avançados da USP. Ouviram-se 104 pessoas. Gente qualificada, com nível superior (100%), doutorado (41%), pós-doutorado (5%) e mestrado (12%). Entre os pesquisados, 80% consideraram que, no futuro, o brasileiro exibirá um sentimento de "crescente intolerância à corrupção na vida pública". A despeito da conclusão óbvia, o governo não hesita em recorrer ao cangaço parlamentar para tentar inviabilizar a apuração da roubalheira que lhe corrói as entranhas.

Hoje, o maior inimigo do ex-PT não é mais a elite conservadora. Tampouco é neoliberalismo. Muito menos o mercado financeiro. O principal adversário do ex-PT é, e nisso vai uma extraordinária dose de ironia, o seu próprio passado. O partido virou um boxeador zonzo. Encontra-se nas cordas. Nos raros instantes em que consegue abrir os olhos, percebe que o adversário que o soca impiedosamente tem a mesma cara do velho PT, aquela legenda combativa de outrora, defensora intransigente da ética.

Nada mais trágico para o "anjo" presumido do que acabar confundido com os demônios que sempre combateu. O petismo é vítima das próprias trapaças. O "triunfo" do ex-PT converteu-se na desgraça do PT. O "sucesso" de um matou o outro. Não há projeto de futuro capaz de subsistir a um presente tão promíscuo.

Um novo Brasil, organizado e sério, exigiria respeito ao erário. Mas Lula achou melhor não correr o risco de melhorar o país. Optou pelo arcaísmo de sempre. Preservou a névoa de atraso que recobre o vale-tudo da predação patrimonialista. A covardia cobra agora o preço da desmoralização.

Por todas as razões, o repórter quer distância do mirabolante plano de metas de Gushiken. Mas, levando-se em conta que está contribuindo com a bilheteria do circo -o "Projeto Brasil 3 Tempos" custará à Viúva cerca de R$ 900 mil-, sente-se no direito de dar um palpite gratuito ao companheiro-estrategista.

Aí vai: se não puder ajudar a consertar o presente, caro camarada, é melhor deixar o futuro em paz. No rumo em que as coisas vão, o amanhã terá o incômodo semblante de anteontem. Em 2022, o país terá retrocedido a uma era muito remota. Não haverá mais PT. Pior: não existirá mais Brasil. Restarão apenas uns poucos hominídeos. Entre eles o "homo petebê erectus" e o "homo dirceu sapiens". Travarão renhidas contendas, para decidir quem controlará o último osso e quem ocupará mais espaços na derradeira caverna, um buraco escuro, úmido e fétido.
 Folha de S. Paulo

Over the rainbow - Jane Monheit

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Governo reabilitou Garotinho -Ricardo Noblat


Garotinho estava no fundo do poço. Ou quase no fundo.
Perdera a guerra contra a violência como Secretário de Segurança Pública do Rio. Perdera no Estado as eleições do ano passado em alguns dos mais importantes municípios. E mais recentemente perdera os direitos políticos - embora ainda tenha tempo de reavê-los para disputar a sucessão de Lula em 2006.
Então o governo resolveu apelar para todos os meios desde que pudesse abortar a CPI dos Correios.
E o ministro José Dirceu, coordenador político in pectore, deixou as diferenças de lado e pragmaticamente apelou para Garotinho.
Somente Garotinho poderia tirar cerca de 15 assinaturas de deputados do PMDB que haviam apoiado a criação da CPI.
O ministro telefonou meia dúzia de vezes implorando a ajuda de Garotinho, segundo relato de Garotinho.
Ouviu que tinha muita cara de pau para pedir procurar a quem tanto o governo maltratara. E ouviu conselhos para não temer a CPI porque todo governo deve satisfações ao Congresso e ao povo.
Garotinho cobrou alto para tirar o traseiro da cadeira.
Como o governo não pagou seu preço, deixou as assinaturas onde estavam e saiu debochando do ministro por aí.
Ficou por cima da carne seca.
Se atacado pelo governo mais adiante, poderá dizerá que está sendo retaliado porque não o socorreu em uma hora difícil.
Quem o imaginava enfraquecido dentro do PMDB será obrigado a admitir que ele continua forte.
Ao cabo, o governo passou um atestado de que Garotinho continua sendo uma peça importante no jogo da sucessão presidencial.
BLOG Ricardo Noblat


O que um diz ter ouvido do outro

D Elvira Lobato, hoje, na Folha de S. Paulo:
"O ex-governador do Rio de Janeiro e presidente regional do PMDB, Anthony Garotinho, voltou ontem a ironizar as tentativas do chefe da Casa Civil, José Dirceu, de obter a retirada da assinatura de deputados ligados a ele do requerimento da CPI dos Correios. Segundo Garotinho, Dirceu é responsável pela desarticulação política do governo Lula.
"Acho que o governo Lula chegou a um grau de confusão política criada pelo ministro José Dirceu. Ele é o criador de toda a confusão", disse Garotinho. "Hoje está claro que as confusões foram criadas por pessoas que eles nomearam. Toda a nomeação passa pela Casa Civil", afirmou.
No programa de rádio ""Bom Dia, governadora", comandado na rádio Tupi pela mulher, Rosinha Matheus, Garotinho disse que Dirceu prometeu apoiar as reivindicações do Estado por maior participação nos royalties do petróleo e pelo desbloqueio de dinheiro da chamada conta B do Banerj, destinado ao pagamento de passivos trabalhistas do antigo banco estadual, privatizado na década passada.
Garotinho reproduziu os supostos diálogos que manteve com o ministro em dois telefonemas, na noite de quarta-feira, intercalando com comentários sarcásticos as frases que atribuía a Dirceu.
Segundo ele, depois de dizer não à primeira proposta feita por Dirceu, o ministro das Comunicações, Eunício Oliveira (PMDB), lhe telefonou avisando que o chefe da Casa Civil tinha nova proposta a lhe fazer. ""Que proposta? Já deixei clara a nossa posição", teria dito Garotinho a Eunício.
Dirceu, disse Garotinho, começou a segunda conversa sugerindo que convencesse deputados de outros Estados a retirar o apoio à CPI, já que ele se negava a fazer tal pedido aos deputados do Rio.
""Garotinho, então faz o seguinte: os deputados do Rio, vai ser muita bandeira, mas tira os deputados de outros Estados, como o deputado Cabo Júlio (MG) ou o Gilberto Nascimento (SP)", teria dito Dirceu, segundo Garotinho.
O ex-governador disse que respondeu à sugestão de Dirceu com um ""negativo". Em seguida, segundo ele, o ministro acenou com apoio às duas reivindicações da governadora. Segundo Garotinho, Dirceu disse: ""Vamos conversar. Estou disposto a ir ao Rio para a gente retomar os entendimentos sobre a questão dos royalties do petróleo".
Rosinha, que entrevistava o marido no rádio, comentou: ""Nesta hora, ele acha que é devido, mas na hora de mandar, não manda".
Dirceu confirmou, por meio de sua assessoria, que telefonou para Garotinho. Disse, porém, que não falou sobre CPI com o ex-governador. Por conta das recentes declarações de Garotinho, o ministro cancelou sua ida ao Rio, prevista para o fim de semana."
BLOG  Ricardo Noblat

Corrupção e consumo conspícuo-RUBENS RICUPERO

Bem no início da Sudene, ao visitar Salvador para inaugurar a primeira sede estadual da agência, Celso Furtado quis dividir o quarto de hotel com seu representante local por achar absurdo que o governo gastasse duas diárias com viagem curta. Recusou a mordomia e só ficaram sabendo o representante, o hoje professor emérito da USP Francisco de Oliveira e nós, presentes, no dia 23, à abertura no Mackenzie da Cátedra Celso Furtado, a quem ele contou a história. Celso era, de fato, assim: figura exemplar de austero servidor do Estado, encarnação da virtude republicana.

O episódio confirma o que escrevi na Folha, na ocasião de sua morte: com ele, desaparecia "o intelectual do outro Brasil". Um país mais modesto e antiquado, não isento de corrupção, mas superior em valores, símbolos e sonhos, que sabia para onde queria ir e encontrava às vezes dirigentes capazes de conduzi-lo.
No luto que ora nos entristece pela República, ao ver como a conspurcaram detentores indignos de mandatos populares, faz bem ao nosso coração de brasileiros saber que tivemos homens públicos do calibre de Celso Furtado.
Celso foi dos primeiros a perceber que, sob a corrupção dos políticos, escondia-se fenômeno subjacente que constitui colossal obstáculo cultural ao desenvolvimento. Em sociedades subdesenvolvidas como a brasileira, as heterogeneidades, isto é, os contrastes de estrutura entre economias diversas praticadas por diferentes regiões e segmentos sociais, geram efeito perverso. Os mais ricos importam do exterior não apenas bens sofisticados mas padrões de consumo disseminados em economias prósperas, que aqui, porém, criam ilhas de luxo em oceano de privações. Pior, boa parte do excedente, da poupança, acaba esterilizada em gastos suntuários, impedindo a acumulação do capital para os investimentos geradores de produção e emprego.
A tendência ao consumo conspícuo não é exclusiva do Brasil e da América Latina, embora tenha sido agravada pelos fatores históricos e culturais que deixaram os invasores holandeses, apesar de provenientes da Holanda da idade de ouro, boquiabertos diante do fausto nababesco das festas dos senhores de engenho. A diferença com outras regiões é que na Ásia, por exemplo, os governos conseguiram, com a política econômica e de impostos, uma combinação de estímulos e castigos que leva o empresário a reinvestir o que ganha na produção. Segundo constatou a Unctad, a lucratividade dos empreendimentos é comparável nas duas regiões. O que muda é a ausência na Ásia da prática brasileira de "empresário rico, empresa pobre", isto é, a retirada pelo dono dos lucros não-reinvestidos, causa da maioria dos colapsos ou das vendas a grupos estrangeiros de empresas modelares. Provas de que a gastança irresponsável continua são a publicação de número inteiro de uma revista dedicada ao consumo conspícuo, rebatizado de AAA, e a inauguração de sede gigantesca de loja seleta que vende mais artigos de luxo que os próprios fabricantes franceses.
Não será isso também uma forma de corrupção que mantém elos obscuros com a outra, a dos que roubam ou subornam? Nem todo consumo conspícuo é fruto de crime, mas é notória a ligação de gastos ostentatórios com lavagem de dinheiro e fortuna súbita oriunda de falcatruas, agora mesmo realçada com a famigerada falência de banco paulista. Nesse sentido, a justa campanha contra os impostos excessivos é incompleta.
Falta dizer que, além de excessivos, os impostos são injustamente direcionados, pois reprimem o acanhado consumo dos assalariados, mas deixam escapar os que não declaram e que deveriam ser taxados na base da mera ostentação de sinais visíveis de esbanjamento. Além de eqüitativa do ponto de vista moral e social, a repressão ao consumo conspícuo só traria benefícios econômicos, já que os esbanjadores não investem, diferentemente dos empresários exemplares, como Olavo Setubal e Antônio Ermírio.
Por trás de tudo, há algo mais inquietante: um caldo de cultura produzido pelo "gosto da cobiça", um ambiente social apodrecido pela perda de valores de solidariedade, pelo abandono da aspiração a uma vida de trabalho e virtude. Quando uma sociedade toda, inclusive os que deveriam guiá-la e sua consciência crítica -intelectuais, profissionais de comunicação-, deixam-se corromper pela obsessão do luxo e dos bens materiais, não surpreende que alguns não olhem os meios de surfar nessa onda. Montesquieu ensinava que a corrupção de um governo começa pela do seu princípio- a honra na monarquia, o medo no despotismo, a virtude na República. Se quisermos restaurar a República, não basta reprimir o vício e o crime. É preciso restabelecer a virtude, redistribuindo o dinheiro do consumo conspícuo para fins sociais mais justos.
folha de s paulo

PSDB passa a se julgar novo porta-voz da moralidade, função do PT na era FHC

Lula e FHC trocam de papel e mudam discurso
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA

O escândalo dos Correios operou na cena política uma subversão de papéis. Ao entregar-se a articulações destinadas a asfixiar uma CPI encabeçada pelo PSDB de Fernando Henrique Cardoso, o PT de Luiz Inácio Lula da Silva rompeu o último elo que ainda o prendia ao passado. O tucanato passou a julgar-se o novo porta-estandarte da moralidade.
De acordo com avaliação de FHC, feita em troca de telefonemas com correligionários nas últimas 48 horas, Lula e o PT perderam o que lhes restava de "identidade". O "novo" petismo, que já fora aceito pela elite, que já cedera ao receituário liberal, que já fizera as pazes com o mercado financeiro, sacrifica agora os derradeiros vestígios de seu patrimônio político mais valioso. Um dote que Lula definira no título de um artigo que escrevera para a "Gazeta Mercantil" em 2000: "A honestidade como vantagem comparativa".
No vale-tudo semântico dos últimos dias, certas frases do passado ficaram desobrigadas de fazer sentido. Afirmações como essas:
1) "Estou convicto de que somente as investigações de uma CPI podem esclarecer até que ponto o governo está envolvido nesse mar de lama. E mais: estou convencido também de que somente a mobilização da sociedade vai levar o Congresso a instalar a CPI de que o Brasil tanto precisa" (Lula, em artigo veiculado pela Folha em 31 de agosto de 2000);
2) "Não posso aceitar o pressuposto de que abafei crimes. A leviandade da imprensa e o golpismo sem armas da oposição estão criando um clima de fascismo e terror insuportável. Não para mim, que tenho até instrumentos psicológicos para resistir. Quem pode não suportar é o país" (FHC, em entrevista em "O Globo" no dia 23 de maio de 2001).
Submetidos às novas conveniências, Lula e FHC protagonizam um velho enredo. Só que com as falas trocadas. Levado às cordas da "CPI dos Correios", Lula vê "conspiração e golpe" onde antes enxergava "mobilização" legítima da "sociedade". No exercício regular da implicância ranzinza que caracteriza a prática oposicionista, FHC impinge ao sucessor a mesma pecha de abafador de negócios escusos que ontem considerava intolerável.
"Ninguém abafa mais nada no país", provoca FHC. O ex-presidente recorre a um tipo de armamento retórico que parece extraído do paiol do antigo PT. Reproduz a atmosfera de "terror insuportável" de que se julgava vítima. Valendo-se da metáfora, o líder tucano assestou contra Lula uma imagem ornitológica. Disse que, sob o petismo, o país perdeu o rumo. Tal qual um "peru bêbado em dia de Carnaval." Peru de Carnaval? "De Natal", corrigiria FHC.

Não é de hoje
O fenômeno que desgovernou o governo FHC e agora desvia Lula do bom caminho não é coisa de agora. Vem sendo reproduzido pelo menos desde a gestão de José Sarney (1985-89). Tão logo tomam posse, os diferentes presidentes dividem a máquina pública entre os partidos que se dispõem a dar-lhes suporte no Congresso. O pretexto da "governabilidade" submete nacos do Estado aos apetites de diferentes siglas.
Na entrevista que concedeu ao "Globo" em 2001, FHC foi inquirido sobre a qualidade das "alianças" que se formaram à sua volta. "Precisei avançar com o atraso, uma ironia da história", disse na ocasião. A ironia custou a perda da Presidência para o PT.
Uma vez eleito, Lula recompôs parte do consórcio partidário que se alinhara a FHC. Passou a conviver com políticos que antes chamava de "picaretas". Entre eles Roberto Jefferson, do PTB carioca, protagonista do esquema supostamente montado para extorquir verbas públicas em estatais e autarquias como os Correios.

Rumo a 2006
Ao ceder aos desejos de políticos de reputação duvidosa, Lula conferiu ao balcão das barganhas brasilienses aparência de problema insanável. E reavivou a pretensão do PSDB de retomar o poder na disputa de 2006. Excluindo-se do rol de candidatos, FHC diz em segredo que Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, é o melhor nome para confrontar Lula no próximo ano. Em matéria de assepsia, seria inigualável.
Lula e o PT tentarão refrear o ímpeto moralista do PSDB arrastando o governo de FHC para o centro de uma outra CPI, a do "Setor Elétrico", que irá funcionar simultaneamente à dos Correios. O petismo entra na guerra em desvantagem. Por ora, o maior inimigo do PT é a história do PT.
Confrontados com os ecos do passado, os comentários do alto comando petista soam constrangedores. "A oposição quer ganhar no grito. Os partidos que apóiam o governo e o PT não podem apoiar essa CPI [dos Correios]", diz o ministro José Dirceu (Casa Civil). Logo ele, que, em artigo lançado no sítio do PT na internet, defendera em 2000 a abertura de CPI da corrupção contra FHC.
"Mais uma vez o governo FHC faz de tudo para impedir a instalação de uma CPI", anotara Dirceu, então presidente do PT. "Agora tudo se agravou para o governo e para a aliança política que o sustenta, formada pelos partidos PSDB, PMDB e PFL, sempre com o apoio do PPB e do PTB". Excluindo-se o PSDB e o PFL, este último co-autor do pedido de "CPI dos Correios", todas as siglas citadas pelo ministro encontram-se integradas ao governo Lula.
"Tenho dúvidas sobre a contribuição de tantas CPIs na apuração de fatos relevantes. Muitas são partidarizadas, servem apenas de palanque político", diz Aloizio Mercadante, líder do governo no Congresso. Logo ele que, em 2 de maio de 2001, subira à tribuna da Câmara para defender a investigação dos escândalos do PSDB.
"O dever com a histórica do Brasil é o de viabilizar uma CPI. Ela não pune previamente. Apura, dá transparência", dizia. O Mercadante de 2001 discorria sobre sua experiência na CPI do Collorgate, que teve Dirceu como um dos signatários. A lembrança injeta dose de ironia ao suplício do PT. Roberto Jefferson, que levou o petismo às cordas na semana passada, ganhou notoriedade ao atuar como capitão-mor da milícia que defendia Fernando Collor de Mello na CPI da qual Mercadante costumava se ufanar.
folha de s paulo
Comentário : Josias de Souza esquece - de propósito ou não, de esclarecer que o loteamento do Estado, com a nomeação para cargos técnicos nas estatais de "membros da aliança" jamais aconteceu antes. Da forma em que seu comentário é feito chega a parecer saudades da ditadura. A corrupção implícita na farta distribuição de cartões de crédito para uso dos apaniguados é única na história.A citação de FHC
"Precisei avançar com o atraso, uma ironia da história" está correta - mas a gerencia do Estado não foi entregue a "aliança", PP e PTB não mandavam, e ditavam rumos como agora. Jamais foi dado "cheque em branco" ao "parceiro" Roberto Jeferson.

JANIO DE FREITAS :O nome da crise

 Crise política não resulta de um só fator. Mas, entre os elementos que a provocaram, há sempre um principal, gerador da maioria dos outros que se acumularam e conjugaram.
A derrota do governo na disputa pela CPI dos Correios, com a conseqüente instalação de ares de crise, é atribuída por Lula e José Dirceu ao apoio de parlamentares do PT e do PC do B ao requerimento de inquérito, uns "nove" que se recusaram a retirar a assinatura. Apesar de irrelevante, uma vez que o requerimento apresentou os apoios necessários, o número de resistentes citado pelos governistas merece uma observação: tanto Dirceu e outros podem dizer que faltaram xis, como se pode dizer que sua citação não é verdadeira, porque nada indica quantos, de fato, manteriam ou mudariam de lado.
A aprovação da CPI não é, como tantos dão a entender, "a" crise. É o ponto atual, e por ora culminante, de um desarranjo que vem de muitos meses, em uma seqüência de agravantes cuja culminância anterior foi a derrota do governo para Severino Cavalcanti na disputa pela presidência da Câmara.
Na seqüência do desarranjo, a relevância pode variar, caso a caso, de uns para outros dos fatores. Em todos, porém, um fator permanece entre os de maior influência: José Dirceu. Na útil definição que a gíria proporciona, o trator José Dirceu.
Na derrota vexaminosa do comando governista em torno da CPI, o papel determinante de José Dirceu mostrou-se com clareza total. Levado por sua truculência permanente, precipitou um bate-boca com a oposição que a acirrou, agraciou-a com amplos espaços na mídia, obrigou-a a empenhar-se em uma disputa que de início era só provocação retórica -e José Dirceu nem ao menos sabia com que forças contava. A rigor, veria já tardiamente, não contava, mas para isso tem a saída de outra truculência: culpa um punhado de segundos e terceiros.
A percepção das circunstâncias está nublada no governo, há muito tempo, pelo deslumbramento de Lula (com o poder e, mais ainda, com ele mesmo) e pela truculência de José Dirceu. No caso da CPI, José Dirceu nem ao menos se deu conta de que havia um ingrediente muito forte, ausente, por exemplo, na disputa perdida para Severino Cavalcanti: a opinião pública, ativada pela unanimidade da mídia. José Dirceu tomou o comando da operação abafa e partiu para cima das lideranças partidárias e de muitos parlamentares, sem considerar que os punha diante dessa escolha: o governo já enfraquecido e mais perturbado, além de velho descumpridor de acordos, e, de outra parte, o eleitorado com seu apoio para um gesto valorizador também na tabela palaciana. Era hora de sutileza, não de truculência.
As diferenças de intensidade com que José Dirceu tem aplicado o seu estilo atropelador não alteram a linha que, desde o início do governo, caracteriza a sua ação com o Congresso, com a mídia e no âmbito governamental. Exceto na política econômica, e exceto em termos, José Dirceu não reconhece limites políticos e administrativos à sua interferência autoritária. Se não convém fazê-lo por via direta, interfere por via indireta, valendo-se, inclusive, de porta-vozes ocultos (mas nem tanto) que tem em jornais. Nada na prática política do governo e de Lula é alheio à sua influência incisiva.
Como tático do governo, Dirceu não tem mostrado as habilidades com que formulou a estratégia para Lula. Não é responsável pela "crise da CPI" por ter aprovado o vigarista para os Correios, como o acusa o senador Cristovam Buarque -ele próprio incapaz de dar, em seus tantos pronunciamentos recentes, explicação respeitável para recusar apoio à investigação parlamentar da corrupção. O nome da "crise política" é José Dirceu porque a crise é do governo, e o dedo forte na política do governo, forte demais e certo de menos, vê-se em José Dirceu.
folha de s paulo

ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES:A importância mundial do gás natural

Segundo as estimativas do Ministério de Energia dos Estados Unidos, o crescimento do consumo mundial de gás natural gira em torno de 2,2% anuais. Isso é válido para os próximos 20 anos. Trata-se de uma taxa de crescimento superior à do consumo de petróleo -1,9%- e de carvão -1,6% ("International Energy Outlook 2004, Washington: Department of Energy").
A taxa de crescimento do consumo nos países em desenvolvimento é ainda mais alta -cerca de 2,9% ao ano. Em 2025, o consumo de gás natural nesses países terá dobrado em relação a 2001.
A evolução do consumo desse energético vem sendo acompanhada com muita atenção porque o gás natural constitui um substituto adequado e flexível para o petróleo, que escasseia ano a ano. Ademais, as reservas conhecidas de gás natural são suficientes para o consumo mundial durante 61 anos.
As maiores reservas de gás natural estão no Oriente Médio, no Leste Europeu, na Nigéria e nos países da ex-União Soviética. Mas o Brasil não está mal nesse campo. Pesquisas recentes descobriram reservas substanciais nas Bacias de Campos e Santos, além de outras regiões. E a Petrobras está adiantada na construção de grandes gasodutos. O trecho Campinas-Japeri, por exemplo, estará concluído em novembro de 2005. No próximo ano, a empresa dará início e terminará os trechos Lorena-Poços de Caldas, Coari-Manaus e outros (Ricardo Vigliano, "Cinquenta anos em quatro", Brasil Energia, janeiro de 2005). Trata-se de providências importantes para garantir uma parcela do montante da energia exigida por um país continental que precisa crescer de forma sustentável durante muitos anos.
A participação do governo de São Paulo na exploração e transporte de gás natural tem sido igualmente responsável. Esse energético é crucial para a indústria e, futuramente, poderá se tornar importante para o transporte público coletivo em todo o Estado. Nos últimos anos, os avanços foram significativos. Em 2000, os paulistas consumiam cerca de 3 milhões m3 por dia. Hoje, só a Comgás distribui mais de 12 milhões m3 diariamente.
São Paulo não só dispõe de boas reservas como abriga a maioria das indústrias que produzem os equipamentos para extração e transporte do gás natural. Segundo o secretário de Ciência e Tecnologia, João Carlos de Souza Meirelles, o Estado está se movimentando também na área da petroquímica, procurando consolidar os pólos Mauá-Capuava, Cubatão, São José dos Campos, Pindamonhangaba e Paulínia ("As estratégias de São Paulo para a área energética", Brasil Energia, janeiro de 2005).
Neste momento em que a Bolívia decidiu elevar abruptamente a tributação das empresas estrangeiras que lá operam, é animador saber que as autoridades brasileiras estão pensando seriamente no futuro do Brasil e agindo de forma conseqüente para garantir o adequado provimento de energia para as atividades econômicas, pois sem energia não há produção, exportação, empregos e muito menos receita tributária.
folha de s paulo

VALDO CRUZ:Gosto pela coisa

BRASÍLIA - Cena passada no governo Fernando Henrique Cardoso e relembrada, dias desses, por um ex-ministro do tucano por causa do escândalo dos Correios, protagonizado por um apadrinhado do PTB.
Articulador político de FHC, o então ministro recebia em seu gabinete deputados do PP de Severino Cavalcanti para discutir uma indicação política no governo federal. O diálogo foi mais ou menos esse:
"O nome que vocês estão indicando tem o perfil adequado para o cargo"?, perguntou o ministro. "Claro, é competente, sério, conhece a área", foi a resposta que se ouviu no gabinete.
O ministro quis saber, então, se o apadrinhado era honesto. "Honestíssimo, honestíssimo", bradaram os deputados. "Ah, então não vamos nomear, não. Daqui a um mês vocês vão pedir para trocar."
Real, o diálogo irônico mostra que o governo de plantão sabe muito bem o que alguns parlamentares pretendem com indicações políticas: negócios. Daí alguém honesto não ter perfil para durar no posto.
Óbvio que não podemos generalizar. No governo há funcionários honestíssimos. Mas a série de escândalos dos últimos anos indica também que a praga do fisiologismo é a porta de entrada daqueles em busca de maracutaias.
Não é de hoje que é assim. Boa parte da nossa classe política sobrevive dessa forma. Alguns fazem bem mais do que isso -enriquecem.
Sem maioria no Congresso, o governo Lula também se entregou a essa prática. Mais uma das inúmeras que antes, na oposição, criticava sem dó.
De fato, num governo em minoria congressual é preciso dividir espaço com os aliados. O petismo, porém, foi além dos tucanos. Escancarou a política de distribuição de cargos.
Resignados, os petistas dizem hoje que, infelizmente, não há outro caminho para governar o país. Triste sentimento fatalista. Em determinados casos, trata-se de algo pior: tomaram gosto pela coisa.
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