Na sua curta história, o Brasil sempre foi reconhecido — dentro e fora do país — por ser dono de uma exuberante natureza. O país continua acreditando no mito de que ela é seu grande ativo. Ontem, um estudo detalhado do IBGE sobre meio ambiente, feito com as 5.560 prefeituras brasileiras, provou o quanto as coisas mudaram: quase 80% dos municípios afirmaram ter algum problema ambiental.
No dia 1 de maio de 1500, escrevia Pero Vaz de Caminha a Dom Manuel contando da terra que encontrara: “Foi o Capitão com alguns de nós um pedaço por este arvoredo até um ribeiro grande, e de muita água, que ao nosso parecer é o mesmo que vem ter à praia, em que nós tomamos água. (...) Ao longo dele, entre esse arvoredo que é tanto e tamanho e tão basto e de tanta qualidade de folhagem que não se pode calcular.” Nestes 505 anos as coisas mudaram. Pero Vaz não acreditaria que, na terra de “um ribeiro grande, e de muita água”, o problema ambiental mais recorrente indicado pelas prefeituras brasileiras tenha sido, justamente, o assoreamento dos rios. De acordo com os dados do IBGE, 53% dos municípios, onde habitam 77% da população, são atingidos pelo problema. E o segundo impacto ambiental mais indicado na pesquisa também vem da água: 38% dos municípios (68% da população) indicaram a ocorrência de poluição do recurso água. O “arvoredo basto” desmatado e queimado é fonte também de assoreamento em 57% dos municípios cortados pelo Rio São Francisco, que será transposto. O estudo indica a existência de novas áreas de destruição de florestas, ainda não identificadas pelo satélite, como no Norte do Pará e no Oeste da Bahia.
A pesquisa do IBGE — que levou dois anos para fazer e consumiu 400 páginas — foi respondida por 5.560 gestores municipais da área de meio ambiente. Quando não havia um responsável, o prefeito era quem cuidava das respostas. Para fazer as perguntas, o instituto trabalhou com especialistas em meio ambiente e com o próprio ministério.
— Um dos pontos mais importantes da pesquisa foi focalizar na questão dos municípios, pois esta é hoje uma preocupação do governo federal também. Queremos aumentar o protagonismo destes gestores. Hoje, 65% das ações do Ministério Público contra as prefeituras dizem respeito a questões ambientais — avaliou o secretário-executivo do MMA, Cláudio Langone.
De fato, é fundamental municipalizar o assunto. Uma das boas notícias para os pesquisadores foi o número de prefeituras com uma secretaria ou estrutura dedicada (ainda que não exclusivamente) ao meio ambiente: 68% dos municípios. São 32% das cidades com uma secretaria; 6% têm uma secretaria exclusiva; os outros 26% têm secretarias “compartilhadas”, muitas vezes em casamentos não muito recomendados: 61% estão junto com a Secretaria de Agricultura. A agricultura feita sem cuidados, em muitos casos, é um dos fatores que mais degradam o meio ambiente. Na média brasileira, o uso de agrotóxicos e fertilizantes é a segunda maior causa de poluição da água. A criação de animais, a terceira.
A contaminação do solo e a poluição do ar são identificadas em 33% e 22% das cidades brasileiras, respectivamente. No caso da segunda, uma informação vinda das prefeituras surpreendeu bastante: em todas as regiões, com exceção da Região Sul (onde há uma importante legislação de queimadas), as queimadas — e não a atividade industrial — aparecem como a causa mais citada para a poluição do ar. Estudos técnicos comprovam: são as queimadas, e não a indústria ou a poluição urbana, a maior fonte de poluição no Brasil. Na média brasileira, o segundo lugar fica com as vias não-pavimentadas, que dão origem à poluição vinda de muita poeira.
Uma das perguntas feitas pelo IBGE era sobre as principais alterações ambientais que tivessem afetado as pessoas. O esgoto a céu aberto foi o mais indicado entre os 2.263 municípios que responderam ter problemas ambientais que atingiam diretamente os seres humanos; 18% das cidades afirmaram que o desmatamento estava afetando seus cidadãos e 17% citaram as queimadas. Nas cidades com mais de 500 mil habitantes, o maior problema seria a ocupação irregular do território, mostrando a crescente preocupação com a favelização.
Dentre as informações pesquisadas, uma outra delas dizia respeito aos impactos da degradação do meio ambiente por ação da atividade econômica. A idéia de que o meio ambiente é obstáculo ao crescimento ainda tem muitos adeptos. Mas os dados mostram que é preciso encontrar uma conciliação entre economia e meio ambiente. Se 53% das cidades citaram como problema o assoreamento, 46% delas disseram que um dos responsáveis era a expansão da atividade agrícola/pecuária e 14% da atividade de mineração/garimpo. Os fertilizantes aparecem como grandes poluidores da água e do solo.
Isso acaba prejudicando a própria economia. Segundo os dados do IBGE, 1.919 municípios, ou 35% deles, sofrem com perdas na agricultura fruto da degradação ambiental.; escassez de água, erosão do solo e esgotamento do solo são os fatores mais citados; 24% indicam perdas na atividade pecuária e 18% na pesqueira.
A pesquisa também se preocupou em ouvir as soluções que vêm sendo dadas localmente; dentre elas, apareceram o combate ao desmatamento, às queimadas e a adesão à agenda 21. De qualquer forma, as soluções ainda parecem ser insuficientes para um país que está mostrando tão vastos problemas ambientais. O IBGE ajuda a mostrar o quanto nos distanciamos da terra assim descrita há cinco séculos: “Querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!”
o globo
Entrevista:O Estado inteligente
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