A Índia tem metade da renda per capita da China; a China tem um terço da renda per capita do Brasil, diz a economista Eliana Cardoso; e essa medida é a que importa, segundo ela, “porque mede o bem-estar das pessoas”. Mesmo assim, a comparação com eles nos assusta, como ficou claro no Fórum do Velloso. Querendo ter mais espaço na política internacional, o presidente Lula reuniu no Brasil os países árabes, achando que dessa maneira fortalece a união entre países em desenvolvimento.
Na movimentada semana passada, algumas coisas ficaram claras. Uma delas é o grau de deterioração política da relação com a Argentina. Na área política, os dois países têm acumulado cada vez mais atritos. Parte do problema não tem solução: é o temperamento esquisito do presidente Néstor Kirchner. Outra parte é causada por erros do Brasil na relação com seu maior parceiro na América Latina. Se o que a política externa brasileira quer é a liderança do grupo de países em desenvolvimento, deve ter uma estratégia mais bem definida na relação com os vizinhos próximos.
Não há esse lugar que o Brasil pensa ocupar. O mundo em desenvolvimento tem países com interesses totalmente divergentes, portanto nunca haverá um porta-voz para o Sul. A China, apesar de ter um terço da renda per capita do Brasil, é o país que mais cresce no mundo e há mais tempo. Fala como potência, age como potência, tem interesses expansionistas declarados e hoje sua política monetária determina a cotação do dólar no mundo. Basta o Banco Central chinês avisar que está reduzindo sua exposição à moeda americana e o dólar conhecerá o fundo do poço. A Índia, muito pior que o Brasil em renda per capita, com uma economia mais fechada que a do Brasil, tem também visão diferente da nossa em assuntos como agricultura, por exemplo. O Sul tem países paupérrimos, países de renda média, como o Brasil, e aspirantes a potência. Esforços para aumentar a densidade das relações comerciais e econômicas entre países do Sul, como a Cúpula América do Sul - Países Árabes (Aspa), são bem-vindos, mas o preço pago nesse encontro pareceu desproporcional diante do acanhado resultado.
A economista Eliana Cardoso — ex-FMI, ex-Banco Mundial — acha que o Brasil, se quer mesmo dar certo, precisa estudar; não o que acontece na China e na Índia, mas o que aconteceu nos Estados Unidos, na Coréia e no Chile:
— O Brasil precisa olhar os exemplos de países que de fato se deram bem. Os Estados Unidos tiveram um desempenho extraordinário no século passado; a Coréia era mais pobre que nós e agora é muito mais rica que nós; o Chile foi rico, ficou pobre nos anos 70 e voltou a elevar sua renda per capita. Precisamos saber onde é que eles acertaram.
O governo não parece saber muito para que lado está olhando. Na área externa, diz que está querendo a liderança da América do Sul, que há meio século já é do Brasil, mas que agora é buscada de forma exibicionista. Isso tem levado a problemas.
A Argentina reclama do Brasil não apenas porque está desconfortável no papel de segundo país dessa relação, mas por dados bem mais imediatos: o market share das exportações argentinas no mercado brasileiro caiu de 14%, em 98, para 8,7% agora, segundo um levantamento feito pelo Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco. Já o market share das exportações brasileiras no mercado argentino saiu, no mesmo período, de 20% para 33%. Ou seja, do que nós importamos, apenas 8,7% são produtos argentinos; do que eles importam, 33% são produtos brasileiros. O que significa que, de três dólares importados pelos argentinos, um é do Brasil. Depois de nove anos de déficit comercial — quando era comum a reclamação aqui sobre a invasão argentina —, o sinal se inverteu e o Brasil passou a ter superávit. No ano passado, de US$ 1,8 bilhão e, este ano, no primeiro quadrimestre, nosso saldo já é US$ 500 milhões maior do que o do mesmo período de 2004.
A realidade expressa nesses números está azedando o humor argentino. Algumas coisas pioram esse mau humor, como a atitude, tipo elefante em loja de louça, da política externa. Outra razão é o fato de que 90% de tudo que a gente exporta são manufaturados, e eles temem virar fornecedores de matérias-primas. A declaração do ministro Celso Amorim sobre as queixas argentinas — “então vamos comprar mais trigo e petróleo deles” — bateu exatamente neste nervo exposto. É outro complicador o fato de o governo Lula ter nomeado para Buenos Aires o embaixador Mauro Vieira, um diplomata sem o perfil, a experiência e a projeção dos que o antecederam.
Para compensar deslizes, indelicadezas e erros de operação, o Brasil começa a ter idéias de compensação totalmente descabidas. O presidente Lula quer que o BNDES passe a financiar a atuação de empresas argentinas na Argentina e venezuelanas na Venezuela. Não faz sentido, não há capital para isso e é demasiadamente arriscado. A Argentina é um país sem crédito, que acaba de dar o calote e que tem um nível de risco que a coloca fora do mercado de crédito mundial. O risco-Venezuela, enquanto Hugo Chávez for presidente — e ele o será por muito tempo —, não deve ser desprezado. É bom lembrar aos governantes brasileiros que parte fundamental do funding do BNDES é dinheiro do chamado Fundo de Amparo ao Trabalhador. É melhor não ser muito criativo com esse dinheiro. A construção de um papel mais ativo na região tem que ser feita correndo apenas riscos bem calculados.
O GLOBO
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